Ministério das Finanças, “tigre de papel”
A continuar assim, não deverá restar alternativa senão ser o próprio ministério a realizar as obras à custa do dinheiro dos contribuintes. Dirão os cínicos: mas isso será assim tão escandaloso?
O edifício do Ministério das Finanças, que ocupa a ala oriental da Praça do Comércio na Baixa de Lisboa, é um edifício imponente, um dos maiores da cidade, com quase duzentos por duzentos metros em planta.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O edifício do Ministério das Finanças, que ocupa a ala oriental da Praça do Comércio na Baixa de Lisboa, é um edifício imponente, um dos maiores da cidade, com quase duzentos por duzentos metros em planta.
Construído no último quartel do século XVIII, no âmbito da reconstrução pombalina pós terramoto de 1755, para a nova Alfandega de Lisboa, tornou-se no século XX um edifício emblemático da nossa administração pública, albergando até há pouco tempo, além das Finanças (antiga Fazenda), serviços de outros ministérios, como as Obras Públicas e o Planeamento.
No início do século XX foi ainda construído, junto à fachada leste desse edifício, no espaço do actual Campo das Cebolas, um edifício anexo da Alfandega, o qual, embora de menores proporções, tinha também certa imponência, com quase 90 metros de comprimento por 60 metros de largura, constituído por três corpos perpendiculares ao rio, com cerca de 20 metros de largura cada, e grandes janelões neogóticos nas fachadas laterais.
Nos anos quarenta, esse edifício encontrava-se desactivado, tendo sido demolido no âmbito da grande operação de regeneração urbana operada naquela zona, com a criação da praça do Campo das Cebolas e a abertura da avenida Infante D. Henrique e da avenida Ribeira das Naus. Contudo, as paredes de fundação do referido edifício foram mantidas, tendo ficado cobertas apenas com o pavimento da referida praça. Como é natural, essas paredes são elementos de grande robustez, com cerca de um metro de espessura, devendo ir até cerca de cinco metros e meio de profundidade, que é o nível das fundações das estruturas pombalinas naquela zona.
Após o 25 de Abril de 1974, a Praça do Comércio foi sendo esvaziada da carga simbólica de centro de poder e os edifícios à volta começaram a ser cobiçados por outras entidades. Para o edifício do Ministério das Finanças várias vezes se ouviu falar em lá instalar um “hotel-de-charme”. Tal não aconteceu ainda, mas a Câmara de Lisboa já administra os espaços do rés-do-chão ao longo da Praça do Comercio, os quais foi concessionando a agentes do ramo da restauração.
O “cerco” ao edifício não se ficou por aqui, tendo recentemente a Câmara desapossado o Ministério das Finanças dos espaços de estacionamento que utilizava no exterior, pelo que as viaturas ao serviço do ministério passaram a ocupar os claustros e o jardim interiores, o que, embora fora dos olhares dos transeuntes, configura uma gestão inapropriada daqueles espaços.
Entretanto, a Câmara, através da empresa municipal EMEL, iniciou a construção no Campo das Cebolas de um parque automóvel subterrâneo. Todavia, para além de infografias com a antevisão do que vai ser, no futuro, a praça, à superfície, nada mais foi ainda tornado público. O que se tem visto no local é a cravação de estacas metálicas que fazem tremer o edifício do Ministério das Finanças e a realização de pequenas escavações que puseram a descoberto as fundações das antigas construções, nomeadamente as robustas paredes de fundação do edifício anexo da Alfândega.
Ora, segundo se soube, o referido parque vai ocupar uma faixa de terreno ao longo da avenida Infante D. Henrique, desde o Ministério das Finanças até à rua Cais de Santarém, numa extensão de mais de 200 metros. Isto é, as estruturas existentes no subsolo naquela zona vão ser completamente destruídas, designadamente as paredes de fundação do tal edifício anexo da Alfândega, e vão ser construídas novas paredes para a contenção do parque automóvel, uma obra delicada e muito cara, já que os aterros atingem ali mais de 20 metros de espessura.
Acresce que a configuração das referidas paredes de fundação permitiam na perfeição o seu aproveitamento para a construção de um parque automóvel, curiosamente com uma capacidade semelhante à daquele que a Câmara se propõe construir. Basicamente era apenas necessário realizar escavações entre essas paredes, até cerca de 3 metros de profundidade e construir uma laje de cobertura sobre elas. Assim, respeitava-se e valorizava-se o património e gastava-se incomparavelmente menos dinheiro. Além disso, se a obra avançar como planeado, o Ministério das Finanças fica sem as suas paredes de fundação e sem lugar para parquear as suas viaturas.
Mas, as desconsiderações ao Ministério das Finanças não ficam por aqui. Ao que parece, o Metro de Lisboa continua a fazer “orelhas moucas” à reparação dos danos que provocou no edifício em Junho de 2000, há 16 anos, quando da construção da estação Terreiro do Paço. A continuar assim, não deverá restar alternativa senão ser o próprio ministério a realizar as obras à custa do dinheiro dos contribuintes. Dirão os cínicos: mas isso será assim tão escandaloso?
Realmente, ao pé dos mais de oito mil milhões de euros que o Estado paga anualmente de juros em consequência da irresponsável governação de um antigo primeiro-ministro, mais os vários milhares de milhões de euros que estamos a pagar pelos “golpes” na banca: BPP, BPN, BES, Banif e… agora a CGD, que importam umas centenas de milhares de euros para pagar a reparação do edifício do Ministério das Finanças?
“Nobre povo”; merecia mais respeito!
Engenheiro civil