“É bom que as árvores não nos impeçam de ver a floresta”

O ex-ministro da Educação Nuno Crato comenta a descida das taxas de retenção no final do seu mandato e “numa altura de aumento da exigência do ensino”.

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Nuno Crato ao PÚBLICO: “O principal desafio é o desafio da qualidade” Miguel Manso (arquivo)

O Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou que a introdução dos exames no 4.º e 6.º ano, por decisão de Nuno Crato, levou a um aumento dos chumbos. Mas esta tendência foi rapidamente ultrapassada, ainda com o ex-ministro como titular da pasta da Educação. Conhecidos os últimos resultados, questionámos Crato, por e-mail, sobre as razões das oscilações verificadas. 

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O Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou que a introdução dos exames no 4.º e 6.º ano, por decisão de Nuno Crato, levou a um aumento dos chumbos. Mas esta tendência foi rapidamente ultrapassada, ainda com o ex-ministro como titular da pasta da Educação. Conhecidos os últimos resultados, questionámos Crato, por e-mail, sobre as razões das oscilações verificadas. 

A partir do início deste século registou-se uma tendência de descida das taxas de retenção, que voltaram a subir nos primeiros anos do seu mandato. Como encara esta oscilação?
Vamos falar dos resultados mais significativos, que são os do continente e no secundário dos científico-humanísticos. É que os profissionais têm uma lógica modular e não têm o mesmo sistema de avaliação. Note-se ainda que vou usar para comparação dados dos últimos 20 anos!

Ora, o que se vê é alguma descida das taxas de retenção nos primeiros anos deste século, algumas oscilações depois nos primeiro e segundo ciclos e uma descida muito acentuada nos últimos dois ou três anos. Para termos uma ideia, em 2000/2001 no 4.º ano estávamos pelos 9,8%, baixámos para os 4,6% cinco anos depois e para os 3,6% dez anos depois. Ou seja, estávamos nos 3,6% em 2010/2011, antes da mudança de Governo. Mas agora atingimos o melhor valor de sempre: 2,2%. Portanto, é bom que as árvores não nos impeçam de ver a floresta.

Baixámos as retenções em todos os anos de escolaridade. Em alguns casos atingimos os melhores valores de sempre: foi o que se passou no 4.º ano (2,2%), no 9.º (10,6%) e em todos os anos do secundário, 10.º, 11.º e 12.º. Estes são resultados muito importantes para o país.

Deixe-me acrescentar que acho que ainda temos taxas de retenção muito elevadas. Ainda precisamos de as baixar significativamente, sobretudo no fim do básico e no fim do secundário. Mas não o devemos fazer de forma meramente administrativa. Temos de melhorar realmente os resultados.

Apesar dos exames existirem ainda, em 2013/2014 assistiu-se já a uma diminuição da taxa de retenção em todos os níveis de ensino. A que atribuiu esta descida?
Houve um reajustamento do sistema às novas condições e a uma maior exigência no ensino. Entre 2011 e 2013 inserimos algumas mudanças: novas metas curriculares, mais organizadas, progressivas e exigentes, novas provas finais no 4.º e 6.º ano. Tudo isto aconteceu enquanto se prolongou a escolaridade obrigatória do 9.º para o 12.º ano — o que se alcançou com grande tranquilidade —, e enquanto o Inglês passou a ser obrigatório ao longo de sete anos consecutivos — que não era antes em nenhum ano de escolaridade. Neste quadro, é natural que se registem algumas oscilações de adaptação.

Mas o importante é que os directores e professores se adaptaram muito bem à nova situação e conseguiram aproveitar um conjunto de condições que entretanto foram criadas, como os incentivos às escolas através de créditos horários — que eram maiores para as que demonstrassem melhorias mais significativas. E, talvez mais importante ainda, foram criadas condições para que as escolas usassem os tempos adicionais e se organizassem livremente da forma que melhor entendessem.

Considera que a tendência de descida irá manter-se?
Não posso nem quero especular. Depende em grande parte das políticas de educação seguidas, depende da seriedade na avaliação. É importante reduzir os "chumbos", certo. Mas se facilitarmos tanto as coisas que o progresso nos anos não signifique um progresso nos conhecimentos e na formação dos alunos, os resultados são falsamente bons. Diria mesmo que são enganadores e podem ser prejudiciais. Se passarmos a imagem de que o trabalho não importa, de que nada será devidamente avaliado, de que todos terão um sucesso administrativo, de que esse sucesso administrativo não precisa de corresponder a um progresso na formação, se passarmos essa imagem e se a praticarmos, então estaremos a enganar os jovens e as famílias.

Concorda com o CNE quando identificou os elevados valores das taxas de retenção como o principal problema do sistema de ensino português?
Não sei se é o principal problema. É um problema, certo. E nós identificámos vários problemas e tomámos medidas. Mas o principal desafio é o desafio da qualidade.

No mundo actual, altamente competitivo e em mudanças aceleradas, a qualidade da formação é o que permite aos nossos jovens e ao nosso país encarar o futuro com confiança. Nesse aspecto, o nosso país e muitos países europeus e ocidentais têm ainda muito a mudar. Mas a mudar no sentido da qualidade e da exigência.

O que há de muito significativo nestes resultados é que eles foram alcançados numa altura de aumento da exigência do ensino, com avaliação no fim de cada ciclo, e com a divulgação de muitos resultados para que as escolas pudessem actuar a tempo e horas.