Morreu o cineasta iraniano Abbas Kiarostami
O mais premiado dos cineastas iranianos tinha 76 anos e estava a ser tratado a um cancro do intestino em Paris.
O cineasta iraniano Abbas Kiarostami, que há cerca de um mês se instalara em Paris para se submeter a uma série de intervenções cirúrgicas, morreu esta segunda-feira aos 76 anos, informou a agência noticiosa Isna, citada pelo The Guardian. O mais internacional e o mais premiado dos cineastas do seu país, autor de mais de 40 filmes e vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1997 com O Sabor da Cereja, estava a ser tratado a um cancro do intestino.
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O cineasta iraniano Abbas Kiarostami, que há cerca de um mês se instalara em Paris para se submeter a uma série de intervenções cirúrgicas, morreu esta segunda-feira aos 76 anos, informou a agência noticiosa Isna, citada pelo The Guardian. O mais internacional e o mais premiado dos cineastas do seu país, autor de mais de 40 filmes e vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1997 com O Sabor da Cereja, estava a ser tratado a um cancro do intestino.
Natural de Teerão, onde nasceu em 1940 e mais tarde estudou pintura, Kiarostami começou por trabalhar como designer gráfico e realizador de filmes publicitários. Foi no Kanun (o Centro de Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens Adultos), aonde chegou em 1969 para dirigir o departamento de cinema, que se tornou cineasta: ali realizou The Report, a sua primeira longa-metragem, em 1977, e depois dela, continuamente, sucessivos outros filmes, incluindo a trilogia constituída por Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987), que lhe daria o Leopardo de bronze em Locarno, E a Vida Continua (1992) e Através das Oliveiras (1994). "Era suposto fazermos filmes que lidassem com os problemas da infância. No início era apenas um trabalho, mas foi a minha construção como artista", disse em 2005 ao Guardian sobre essa sua educação como cineasta.
Ele próprio viria a ser uma educação para as posteriores gerações do cinema do seu país, como minutos depois da notícia da sua morte outro realizador iraniano, Ashgar Farhadi, sublinhou ao mesmo jornal britânico: "[Kiarostami] não foi só um cineasta, foi um místico moderno, tanto no seu cinema como na sua vida privada." O seu sucesso internacional, acrescentou, "abriu caminho a outros e influenciou inúmeras pessoas": "O mundo inteiro, não apenas o mundo do cinema, perdeu um grande homem."
A decisão de permanecer no Irão endurecido pela revolução de 1979, que substituiu a monarquia relativamente cosmopolita do Xá Reza Pahlevi pelo regime teocrático do ayatollah Khomeini, explica uma parte dessa influência. De resto, ao longo dos anos foi expondo e alimentando a sua família cinematográfica: às vezes mesmo dentro do seu próprio cinema como no caso de Close-Up (1990), sobre o julgamento de um homem acusado de se fazer passar pelo cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, ou como produtor, qualidade em que se mostrou determinante ao lançar, por exemplo, Jafar Panahi, que fora seu assistente de realização em Através das Oliveiras.
A Palma de Ouro de 1997 (que dividiu com o japonês Shohei Imamura, por A Enguia) consagrou-o definitivamente como autor. A sua obra posterior continuaria a alternar delicadamente ficção e documentário, quando não mesmo a cruzá-los, em filmes como O Vento Levar-nos-á (1999), Dez (2002) e Shirin (2008), ainda filmados no Irão. Depois, as restrições impostas pela ascensão de Mahmoud Ahmadinejad, que forçaram o seu compatriota Jafar Panahi, proibido de filmar, a construir uma obra literalmente a partir da clandestinidade, acabaram por fazê-lo assumir-se como cineasta do mundo, e a rumar à Itália e ao Japão para rodar, respectivamente, os mais recentes Cópia Certificada (2010), com Juliette Binoche, e Like Someone in Love (2012). Um ano depois, em entrevista ao Ípsilon a propósito desse que seria o seu último filme, Kiarostami dizia que ainda não tinha desistido de voltar a filmar em Teerão: "Eu quero, e espero que sim. Mas as coisas têm que melhorar por lá. As condições e o ambiente. Oxalá melhorem."