Dolly nasceu há 20 anos, não há clones humanos e a tecnologia ajudou a conhecer doenças
Ovelha foi criada a partir de uma célula adulta.
Há 20 anos, o nascimento da mais famosa ovelha do mundo fez tremer governos e religiões, falou-se no fim do mundo, mas afinal não nasceram clones humanos e a tecnologia utilizada ajudou a conhecer melhor as doenças e o início da vida.
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Há 20 anos, o nascimento da mais famosa ovelha do mundo fez tremer governos e religiões, falou-se no fim do mundo, mas afinal não nasceram clones humanos e a tecnologia utilizada ajudou a conhecer melhor as doenças e o início da vida.
Nascida a 5 de Julho de 1996, o anúncio desta estranha forma de vida só aconteceu em Fevereiro do ano seguinte, condenando Dolly a ser perseguida pelos paparazzi. Isto porque a ovelha nasceu graças à clonagem de uma célula adulta, um feito que chegou a ser comparado à bomba atómica e desencadeou nos seres humanos o medo de serem “copiados”.
Aparentemente igual a todos os ovinos, esta ovelha nasceu mais igual do que as outras, pois era semelhante à dadora da célula adulta cujo ADN foi introduzido numa outra célula à qual tinha antes sido retirado o núcleo. Dessa junção resultou um embrião, que foi posteriormente implantado numa “ovelha de aluguer” e que deu à luz a famosa Dolly.
“A criação da ovelha Dolly foi e continua a ser um marco paradigmático da biologia e da genética a nível mundial”, disse à agência Lusa o especialista em bioética, Rui Nunes. Para o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, este nascimento demonstrou que “a ciência não tem limite” e só lamenta o “erro histórico” que se seguiu de querer reduzir o homem aos seus genes.
Para Rui Nunes, “a técnica não é suficientemente robusta e sofisticada para fazer nascer alguém sem problemas”, como os registados na ovelha, que foi abatida em Fevereiro de 2003 com sinais de envelhecimento precoce, carcinomas e doenças auto-imunes. Mas permitiu “aprofundar o conhecimento no sentido de criarmos de novo qualquer célula, tecido ou órgão humano”, adiantando: “Com base neste conjunto de tecnologia, vamos ter uma ‘pool’ de células, tecidos e órgãos vastíssima.”
O feito é igualmente elogiado por Carolino Monteiro, professor de genética molecular, que em declarações à Lusa considerou que este foi “um marco importantíssimo na mudança de mentalidades”, acrescentando: “Houve um choque profundo que levou a uma discussão internacional muito interessante e essa discussão também chegou a Portugal.”
Sobre os medos que acompanharam a revelação, Carolino Monteiro refere que não se concretizaram cópias de ditadores nem homens sem cabeça e tão pouco a clonagem resultou na reprodução de cães e gatos. O geneticista destacou as investigações que surgiram após a criação de Dolly, como ao nível das células estaminais, da sua existência e utilização, das aplicações ao nível da regeneração de tecidos e órgãos. A Dolly “ajudou a conhecer as doenças, o próprio fenómeno do início da vida e como os genes funcionam”, sublinhou. Também para Rui Nunes o nascimento de Dolly serviu para abrir caminho a um conjunto de outras evoluções dramáticas, no sentido positivo, para a humanidade.
Esta ovelha não foi o primeiro mamífero clonado, mas teve a particularidade de ser o primeiro a nascer através da transferência nuclear de uma célula (mamária) adulta (de uma ovelha com seis anos). O seu nome foi uma homenagem à cantora Dolly Parton, conhecida pelo seu proeminente peito.
Após o anúncio da equipa de cientistas do Instituto Roslin, na Escócia, o debate aqueceu e produziram-se várias leis e convenções com vista à proibição da clonagem humana. Em causa estavam o medo do eugenismo (criação de seres humanos perfeitos através da manipulação genética), do poder dos cientistas e da eterna busca pela perfeição. Para ilustrar a temática, não faltaram imagens do exército nazi a lembrar como este perseguiu a ideia de criar seres perfeitos, assim como comparações do nascimento de Dolly à bomba atómica.
A inquietude atingiu o Presidente dos Estados Unidos na altura, Bill Clinton, que proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana. O Vaticano pediu a condenação destas técnicas em humanos e as organizações internacionais – como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a UNESCO e a Comissão Europeia – solicitaram vários estudos sobre o assunto. Ainda em 1997, o Conselho da Europa adoptou um protocolo a proibir esta técnica em seres humanos. Foi uma mistura explosiva de conceitos e debates éticos.
Indiferente à discussão, a ovelha continuou a ser fotografada, estudada e condenada a ser uma estrela, mas os problemas de saúde, que atingem os animais clonados, não tardaram a tornar piores os seus dias. O corpo de Dolly pode ser visto no Real Museu da Escócia, em Edimburgo, onde está empalhada.