A alma viking de Aron Gunnarsson

Capitão islandês encarna todos os valores que a sua selecção tem espelhado no Europeu. Foi praticante de andebol e trouxe da modalidade os seus perigosos arremessos laterais.

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Gunnarsson festeja um golo da Islândia Michael Dalder/Reuters

Apelidada de “Capital da Islândia do Norte”, a cidade de Akureyri tem pouco mais de 18 mil habitantes. Não se sabe quantos serão descentes de Helgi Eyvindarson, o viking que se estabeleceu nesta área no século IX e que por ali deixou uma vasta descendência. Um deles poderá ser perfeitamente a mais ilustre figura da localidade, o carismático capitão islandês, Aron Gunnarsson. Corre nos relvados franceses como um espectro do seu antepassado. Comanda a equipa como se estivesse à frente de um obstinado exército viking num campo de batalha. Personifica a alma e todos os valores que esta selecção tem espelhado no Europeu. Contra a França, este domingo, em Paris, não será diferente.

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Apelidada de “Capital da Islândia do Norte”, a cidade de Akureyri tem pouco mais de 18 mil habitantes. Não se sabe quantos serão descentes de Helgi Eyvindarson, o viking que se estabeleceu nesta área no século IX e que por ali deixou uma vasta descendência. Um deles poderá ser perfeitamente a mais ilustre figura da localidade, o carismático capitão islandês, Aron Gunnarsson. Corre nos relvados franceses como um espectro do seu antepassado. Comanda a equipa como se estivesse à frente de um obstinado exército viking num campo de batalha. Personifica a alma e todos os valores que esta selecção tem espelhado no Europeu. Contra a França, este domingo, em Paris, não será diferente.

A frondosa barba e as tatuagens que cobrem grande parte do corpo deste médio (quase todas alusivas à sua cidade natal), de 27 anos, reforçam a imagem um pouco selvagem que exibe tanto a competir no terreno do jogo, como a celebrar com os seus companheiros junto dos adeptos. A Inglaterra foi a última equipa a experimentar a sua intensidade, que contagia todos os companheiros e os motiva para uma luta sem tréguas, apenas pausada pelos apitos do árbitro. Frente aos britânicos correu sozinho mais de 12km, fechou quase todos os caminhos para a sua baliza e, quando terminou a partida, parecia ter energias para muito mais.

A braçadeira de capitão foi-lhe entregue em 2012 pelo actual seleccionador, o sueco Lars Lagerbäck, quando tinha apenas 23 anos, mas uma falha disciplinar durante uma concentração, antes de um encontro com a Albânia, de qualificação para o Mundial 2014, poderia ter prematuramente encerrado o “mandato”. Em Tirana, contra as ordens da federação, que qualificou a população da capital albanesa como “maioritariamente criminosa”, resolveu sair à rua. O pedido de desculpas imediato a todo o grupo acabou por convencer o staff técnico a dar-lhe o benefício da dúvida e uma segunda oportunidade. Ninguém se iria arrepender. No seu estilo combativo, é o líder incontestado dentro de campo e tem expressado toda a paixão e ambição da selecção nórdica nos últimos quatro anos.

Formado na sua cidade natal, estreou-se pela equipa principal do Akureyri em 2005, quando tinha 19 anos. Não iria permanecer no clube mais do que a primeira temporada, pois logo atraiu o interesse do AZ Alkmaar, iniciando, na Holanda, uma aventura internacional, que ainda prossegue. Duas épocas bastaram para os conselheiros do Coventry, do segundo escalão inglês, convencerem os responsáveis do clube a avançar para a sua contratação. Em 2011, mudou-se para o Cardiff City, ao serviço de quem disputaria uma Premier League, na temporada 2013-14 (tendo marcado o primeiro golo da equipa nesta prova num encontro frente ao Manchester City) e onde ainda permanece, com um contrato até ao Verão de 2018. Mas o Europeu que está a protagonizar poderá abrir-lhe, em breve, outras portas.

O andebol nos lançamentos

O futebol não é a única paixão de Gunnarsson, que foi um excelente jogador de andebol durante a sua juventude, o mais novo de sempre a participar numa partida oficial na Islândia, com apenas 15 anos. Mas, aos 17, acabou por decidir que seria com a bola nos pés que iria fazer carreira. Já o seu irmão, Arnór, seguiu o caminho oposto: joga na liga de andebol alemã e representa também a selecção nacional. Aron, que partilha com o irmão o mesmo número 17 na camisola, não prosseguiu com o andebol, mas não deixou de lado alguns dos talentos desenvolvidos com a bola nas mãos. São dele os poderosos arremessos da linha lateral, que se tornaram numa das armas atacantes da Islândia neste Europeu. Valeu, por exemplo, o golo do empate frente à Inglaterra, que entreabriu as portas para os quartos-de-final.

Na selecção nacional, Gunnarsson integrou, aos 18 anos, a geração de ouro de futebolistas que se qualificaram para a fase final do Europeu de sub-21 de 2011. Um lote onde também estavam Gylfi Sigurdsson, Kolbeinn Sigthórsson, Alfred Finnbogason, Jóhan Berg Gudmundsson e Birkir Bjarnason, a espinha dorsal da equipa no campeonato francês. Aron foi o primeiro a transitar para a formação principal, onde garantiu cedo o seu espaço. Ao lado da grande estrela Gylfi Sigurdsson, é uma autêntica âncora do meio-campo, fazendo a ligação com a defesa e emprestando equilíbrio ao conjunto islandês. O seu posicionamento em campo registou significativas melhorias nos últimos anos, que permitem uma maior liberdade de movimentos ao seu companheiro, que alinha no eixo deste sector.

As exibições de Gunnarsson no Euro têm sido extremamente positivas e tornam-no num dos melhores jogadores islandeses na prova. A sua liderança fica patente até no momento da celebração, tendo corrido mundo as imagens da equipa, com o seu capitão à cabeça, a festejar a eliminação da Inglaterra, nos oitavos-de-final, junto dos adeptos, numa coreografia que já foi apelidada de Haka (dança típica do povo Maori, que a selecção de râguebi da Nova Zelândia exibe sempre antes das suas partidas) da Islândia.

“Aron é muito importante para a equipa e esta campanha épica em França passou muito por ele e pela sua personalidade. É contagiante para todos. Para os colegas de selecção, que motiva durante os jogos, e até para os adeptos, que sentem nele o espírito e a alma do nosso país”, resumiu ao PÚBLICO um jornalista islandês, em Annecy, onde está situado o quartel-general da selecção nórdica.

A viver o ponto mais alto da sua carreira e o sonho da sua vida, Aron Gunnarsson está a dar tudo o que tem neste Europeu. E não se impressiona com o nome do adversário ou com a estrela galáctica que terá pela frente. Foi assim com Portugal, no jogo de estreia, onde teve um duelo particular com Cristiano Ronaldo, um jogador que admira (agora talvez menos, após declarações do capitão português a desdenhar da atitude defensiva dos islandeses), desde que o madeirense representou o Manchester United, clube de que é confesso adepto. Esta noite, este “vulcão” nórdico terá a missão de travar Griezmann e companhia.