A dança do desemprego

A apresentação quinzenal de desempregados é uma prática de controlo desmesurada, que não tem em consideração que essas deslocações são um gasto extra

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NFactos

O subsídio de desemprego é um direito de quem descontou e se encontra agora numa posição social vulnerável, não tendo como subsistir. Se descontamos para o sistema contributivo, temos o direito a ter a protecção social do Estado, tal como previsto na Constituição da República. Ou estamos à espera que seja o privado a garantir a nossa subsistência se nos faltar trabalho?

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O subsídio de desemprego é um direito de quem descontou e se encontra agora numa posição social vulnerável, não tendo como subsistir. Se descontamos para o sistema contributivo, temos o direito a ter a protecção social do Estado, tal como previsto na Constituição da República. Ou estamos à espera que seja o privado a garantir a nossa subsistência se nos faltar trabalho?

 

As apresentações quinzenais são uma das contrapartidas aplicadas a quem esteja em situação de desemprego. Surgiram com Vieira da Silva em 2006 e têm massacrado milhares de desempregados e desempregadas desde então, impondo-lhes o dever de se deslocarem quinzenalmente ao Centro de Emprego ou a outro local por ele definido, para fazerem prova de vida. Um dever que se não for cumprido uma vez, dá lugar a advertência por escrito; se não for cumprido duas vezes resulta na anulação da inscrição no Centro de Emprego e no corte do subsídio. Uma penitência, porque a culpa por não estares a ser útil à sociedade até é tua e tens agora de cumprir uma pena para te redimires e continuares a ser merecedor/a de viver no sistema. Trata-se, sim, de uma prática de controlo desmesurada, que não tem em consideração que essas deslocações são um gasto extra para quem tem o orçamento mensal limitado e que só vieram sobrecarregar a máquina burocrática e aumentar os gastos estatais.

 

E é o próprio Governo a admitir que só abdica deste mecanismo quando existir um outro alternativo. Ou seja, a ideia é continuar a exercer domínio porque "é fundamental não dar nenhum sinal de enfraquecimento dos mecanismos de rigor e fiscalização”, pois isso “seria um sinal errado a transmitir à sociedade", como defendeu o próprio Secretário de Estado Miguel Cabrita. Quantos sinais errados não foram já transmitidos à sociedade por não se ter controlado a banca com “rigor e fiscalização”? Mas isso agora não interessa nada, claro.

 

Até o PSD defende o fim desta medida, como se o anterior Governo não estivesse ele mesmo ligado à continuação do regime de humilhação a que sujeitaram os desempregados e desempregadas nos últimos anos: há que lembrar que medidas como a diminuição do tempo de concessão do subsídio, do seu montante ou a aplicação de um corte de 10% ao fim do 6.º mês foram criadas pela anterior coligação.

 

Mas o tema não mostrou ser suficientemente importante para ser sujeito a votação e baixou à especialidade para se debater uma forma de controlo alternativa, tal como exigido pelo PS. A discussão está aberta e acabar com estas apresentações pode ser o início do fim do regime de humilhação, mas ainda há muito a fazer, porque os contratos de emprego-inserção continuam a existir e porque as Empresas de Trabalho Temporário continuam a insistir em substituírem-se aos Centros de Emprego.

 

Esta é a dança do desemprego e entre perseguições, burocracias e falta de apoio na reintegração no mundo laboral, falta o espaço para pensar na origem do problema que pode colocar qualquer um de nós nesta dança.