Um rumo para um barco à deriva
Muitas incógnitas, mas também alguns motivos de expectativa para a próxima temporada do São Carlos.
Tal como se verificava já na anterior, a temporada do Teatro Nacional de São Carlos agora anunciada deixa pelo menos patentes um intuito e um caminho: ser efectivamente “uma temporada”, ainda que muito reduzida em termos quantitativos. A afirmação pode parecer um truísmo redundante mas tem justificação no facto de em anos recentes ter havido tão só arremedos e não algo que se possa considerar uma temporada. Isto embora sete produções seja pouco, muito pouco, para uma temporada de um teatro nacional de ópera.
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Tal como se verificava já na anterior, a temporada do Teatro Nacional de São Carlos agora anunciada deixa pelo menos patentes um intuito e um caminho: ser efectivamente “uma temporada”, ainda que muito reduzida em termos quantitativos. A afirmação pode parecer um truísmo redundante mas tem justificação no facto de em anos recentes ter havido tão só arremedos e não algo que se possa considerar uma temporada. Isto embora sete produções seja pouco, muito pouco, para uma temporada de um teatro nacional de ópera.
Mesmo assim há algum caracter aventuroso: estão presentes obras do repertório consagrado como a Carmen, a Anna Bolena, Os Palhaços ou Tristão e Isolda, mas também outras como Oedipus Rex, O Anão e Peter Grimes.
Anos e anos de decadência e um estatuto provincial tornam impossível ao São Carlos apresentar cantores reputados, e os elencos são uma grande incógnita; há mesmo um enorme risco em programar uma Anna Bolena com a protagonista “a anunciar”, o mesmo sucedendo em todos os três principais de Os Palhaços!
Por falar em riscos refira-se já outro: a encenação da Carmen é devida a Calixto Bieito, cuja imagem de marca são provocações gratuitas. Mas também há encenações de Graham Vick, Nicola Raab e David Alden, o que suscita outras expectativas.
Dois espectáculos apresentam-se como problemáticos, por razões de todo distintas. O Oedipus Rex de Stravinsky não é propriamente uma ópera mas sim uma oratória. Acontece por vezes ele ser encenado, mas é raríssimo que isso seja logrado. É tarefa que vai caber a Ricardo Pais (de resto, ponto positivo, assinale-se o chamamento de novo um encenador português, depois de Luís Miguel Cintra ter dirigido o Diálogo das Carmelitas). O outro é o duplo programa Os Palhaços/O Anão. É vivamente de assinalar que pela primeira vez uma ópera de Zemlinsky seja apresentada em Portugal, e é o caso de O Anão, mas apesar da proximidade das datas de composição há um abismo estético entre essa obra e Os Palhaços. Advinha-se por isso tarefa bicuda para o encenador Nicola Raab e o regressado maestro Martin André.
Os destaques maiores, esses são fáceis de concluir: o Peter Grimes de Britten, que só foi apresentado em Lisboa quando da Capital Europeia da Cultura de 1994, e o Tristão e Isolda (com Elisabete de Matos) que inacreditavelmente não é apresentado no São Carlos há mais de 30 anos!
Há pois em relação a esta nova temporada alguns motivos de expectativa e muitas incógnitas, mas ainda assim sinais de que se está a tentar encontrar um rumo para o barco à deriva que tem sido o São Carlos.