Duas óperas antes do Natal ou a vida mais normal no São Carlos
Luís Tinoco substitui Nuno Maló como compositor de Canto da Europa. Temporada lírica chega às sete óperas.
Talvez uma das novidades da temporada lírica de 2016-2017 do Teatro Nacional São Carlos seja a ausência de Canto da Europa, uma ópera encomendada ao compositor Nuno Maló e ao dramaturgo Jacinto Lucas Pires e anunciada na programação do ano passado, mas que não chegou a estrear. Esta co-produção com o Teatro D. Maria II chegará apenas em 2017-18, mas a composição musical passou para as mãos de Luís Tinoco, que será a partir de agora compositor residente e consultor para a música contemporânea do São Carlos.
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Talvez uma das novidades da temporada lírica de 2016-2017 do Teatro Nacional São Carlos seja a ausência de Canto da Europa, uma ópera encomendada ao compositor Nuno Maló e ao dramaturgo Jacinto Lucas Pires e anunciada na programação do ano passado, mas que não chegou a estrear. Esta co-produção com o Teatro D. Maria II chegará apenas em 2017-18, mas a composição musical passou para as mãos de Luís Tinoco, que será a partir de agora compositor residente e consultor para a música contemporânea do São Carlos.
Esse novo estatuto, com a duração de dois anos, vai pô-lo a escrever uma ópera, mas também um concerto para violoncelo e orquestra, com estreia mundial marcada para Fevereiro. Luís Tinoco terá ainda responsabilidades no acompanhamento de quatro jovens compositores, que serão escolhidos para trabalhar com o São Carlos.
Outra novidade da temporada anunciada esta sexta-feira é estarem agendadas duas óperas já para o Outono, o que é um avanço em relação à temporada anterior – diz o novo director artístico do Teatro Nacional de São Carlos –, a que se vêm juntar mais cinco depois do Natal e até Junho. O total de sete óperas fica ainda a três produções do patamar em que Patrick Dickie quer ver o futuro do único teatro de ópera nacional, mas isso é se o São Carlos, sediado em Lisboa, conseguir cumprir a missão de fazer digressões pelo país: talvez aí se consiga chegar às dez produções por ano, algumas apresentadas obrigatoriamente fora de portas.
“Esta temporada, de que estou muito orgulhoso, tem alguns títulos fortes e é fantástico que possamos fazer este número de novas produções”, diz o britânico, que já era o consultor do teatro de ópera, mas só agora vê a sua relação com o São Carlos tornar-se mais estável (o despacho com a sua nomeação para o cargo de director artístico deverá estar para breve). Das sete óperas, quatro são novas óperas (duas das quais formam um díptico).
Patrick Dickie, que no ano passado já desenhou a programação lírica, diz que esta temporada, começada a elaborar no início do ano, “reflecte a urgência com que foi feita” e a impossibilidade de fazer “algo mais arriscado”, na ausência de um contrato assinado e de um horizonte de trabalho a mais de um ano. Está orgulhoso de alguns regressos, como os dos encenadores Graham Vick, que fez um famoso Anel no São Carlos, e de David Alden, que ali apresentou Kátia Kabanová. Já Carmen, continua, “é uma óptima abertura da temporada” – como Madama Butterfly no ano passado – e a estreia do encenador espanhol Calixto Bieito no São Carlos.
Grande, grande, grande
A temporada lírica vai começar a 6 de Outubro com a Carmen, de Bizet, numa produção da English National Opera e da Ópera de Oslo (2012), com encenação de Calixto Bieito e direcção musical de Rory Macdonald. Segue-se, em Novembro, Oedipus Rex, de Stravinsky, uma das novas produções do São Carlos, com encenação de Ricardo Pais, que também regressa ao teatro, direcção musical de Joana Carneiro e cenografia e figurinos de António Lagarto.
Em Fevereiro está de volta Graham Vick para encenar Anna Bolena, numa produção da Ópera de Verona (2007), com direcção musical de Giampolo Bisanti. Março trará Tristão e Isolda, de Wagner, outra nova produção do teatro de Lisboa, com encenação de Charles Edwards e direcção musical de Graeme Jenkins, e a portuguesa Elisabete Matos no papel de Isolda (Erin Caves é Tristão).
Depois, com estreia marcada para o último dia de Março, o “double bill” I Paglacci/Der Zwerg (Leoncavallo/Zemlinsky), com encenação de Nicola Raab, que regressa depois de ter encenado no ano passado A Flowering Tree, direcção musical de Martin André e cenografia de José Capela. O ano termina com Peter Grimes, de Britten, uma estreia absoluta em São Carlos, com o regresso de Alden, numa ópera dirigida por Joana Carneiro. É uma produção de 2009 da English National Opera (ENO), em co-produção com vários outros teatros.
“O Grimes de David Alden é uma grande, grande, grande produção”, diz Patrick Dickie, lembrando a sua ligação à ENO e ao encenador, o que lhe facilitou a elaboração da temporada.
Mas sigamos o calendário, começando por pedir-lhe um comentário sobre a Carmen de Calixto Bieito, um dos encenadores espanhóis mais internacionais, e director artístico do Teatro Arriaga de Bilbau. “Bieito adora provocar escândalos no mundo da ópera, mas esta Carmen não é isso. É muito violenta, suada e imediata. É a Carmen como uma peça de teatro, como uma história que se quer seguir mesmo até ao fim.” Não é a Carmen delicada dos franceses, também não é a Carmen dos ciganos, passa-se na América do Sul dos anos 1980. “É muito militar. É muito macho.” O director artístico vê-a como uma desafio para o coro do São Carlos. Destaca Katarina Bradic no papel de Carmen e, no de Don José, Lukhanyo Moyake, um tenor sul-africano, negro, que representa o compromisso do teatro com a multiculturalidade. “Não estou a contar o cantores negros, mas é importante que estejam lá.”
Sobre Ricardo Pais, Dickie diz que é um projecto muito óbvio para o encenador português – “dramaturgicamente estranho e, ao mesmo tempo, com uma ideia estrutural muito forte” –, afirmando o seu empenhamento em trabalhar com encenadores nacionais e citando os contactos com Tiago Rodrigues (D. Maria II) e José Capela (Mala Voadora). E destaca o tenor Nikolai Schukoff no papel de Oedipus.
Uma companhia nacional
Quando estiver definitivamente instalado em Lisboa, já com contrato de director artístico, o que acontecerá depois do Verão, Patrick Dickie espera conseguir ser mais ele do que nesta temporada: apostar mais nas novas produções e trabalhar de perto com encenadores, directores musicais, cantores, cenógrafos e figurinistas. Fazer o mesmo que na última temporada se conseguiu com a encenação de Luís Miguel Cintra. Apesar de toda a instabilidade, uma vez que o teatro esteve sem director artístico desde 2013, “a casa é muito forte”. “A possibilidade de um cantor português vir aqui e trabalhar meses ou semanas com João Paulo Santos [director de estudos musicais e director musical de cena], e ser preparado impecavelmente, é mesmo alguma coisa. E essa é forma como estou habituado a trabalhar.”
Na próxima semana, depois de uma reunião com Graham Vick em Londres, Dickie espera poder anunciar o elenco completo de Anna Bolena. “Este reportório é importante para o público de São Carlos e penso que ter encenadores do calibre de Graham Vick é relevante para a casa. A última vez que se fez Donizetti foi na versão concerto, é importante pô-lo em palco.” O encenador britânico, diz, vai estar em Lisboa quando elenco e orquestra forem trabalhar para o palco. “É uma produção muito bonita.”
O novo director artístico vê a ópera de Wagner como o início de uma nova colaboração com o Centro Cultural de Belém (CCB), onde no ano passado co-apresentaram A Flowering Tree. “É uma co-apresentação, mas o CCB está a investir dinheiro, o que é fantástico. O São Carlos quer actuar fora do teatro. Parte do plano é sermos uma companhia nacional. Este Tristão é o princípio de uma relação como deve ser com o CCB.” O encenador Charles Edwards, que vive em Lisboa, é também director de luz, e “é visto como alguém que consegue encenações muito simples e eficazes”.
Com a vontade de fazer digressões, mas “sem condições ainda de anunciar esse tipo de programa, que faz absolutamente parte do futuro”, a colaboração com o CCB é apenas “uma declaração de intenções”, porque não será por aí que o São Carlos vai diversificar substancialmente o seu público.
Patrick Dickie vai aproveitar a apresentação das duas óperas de um acto de Leoncavallo e Zemlinsky para construir um cenário que lhe permita regressar ao formato todos os anos. “As ópera de um só acto não costumam ser programadas assim tão frequentemente, além das duplas conhecidas. Queremos fazer um projecto para vários anos.” Por isso, convidou José Capela, director artístico da Mala Voadora, para fazer a cenografia. “O que vamos pensar juntos é um cenário universal que começa com I Paglacci/Der Zwerg e que queremos reutilizar nas próximas temporadas.”
Jntamente com a programação sinfónica, a temporada lírica tem um orçamento de 1,9 milhões de euros, não tendo sofrido alterações, segundo o São Carlos. Na temporada sinfónica, o texto da maestrina Joana Carneiro, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP) destaca o novo estatuto de Luís Tinoco, que ajudará “a aprofundar a relação com a criação nacional e internacional”. Alguns dos projectos que Tinoco vai desenvolver terão lugar nos Estúdios da rua Victor Córdon, sede da Companhia Nacional de Bailado, que a partir de Setembro passarão a ter valências “no âmbito educativo, comunitário e criativo”.
A nova temporada sinfónica reforça a sua ligação com o CCB, onde serão apresentados oito concertos (mais dois do que no ano passado), “numa relação com a contemporaneidade como um valor essencial da identidade da OSP”: os programas aliam "a música de Macmillan à de Beethoven, a de Pinho Vargas à de Mendelssohn e Brahms, a de Lutoslawski à de Bruckner, a Adams à de Mahler, a Tinoco à de Mendelssohn e a de Clotilde Rosa à de Mozart".
A venda de assinaturas para as duas temporadas começa a 8 de Julho.