Uma portuguesa na Brexitlandia a pensar no próximo país para emigrar
Vivo numa zona de boas escolas, de um pub onde há zaragatas todas as semanas e onde os vizinhos me dizem para não ir sob o argumento de que são racistas
Várias casas ostentam cartazes a favor da saída, vote "leave". A palavra "leave" refere-se ao abandonar a União Europeia, mas isolada é, também: sai, vai-te embora. Isto a pensar nos imigrantes, claro. Nada é ao acaso, numa campanha financiada em £7,500 milhões, só entre Fevereiro e Abril.
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Várias casas ostentam cartazes a favor da saída, vote "leave". A palavra "leave" refere-se ao abandonar a União Europeia, mas isolada é, também: sai, vai-te embora. Isto a pensar nos imigrantes, claro. Nada é ao acaso, numa campanha financiada em £7,500 milhões, só entre Fevereiro e Abril.
Na vitória do Brexit, temos os que votam e os que financiam toda esta máquina. Sobre os segundos, temos de aguardar que nos digam quem são. Ora, eu que não resido na cosmopolita e liberal capital Londrina, sinto esta máquina em ação e convivo com a esponja que a absorve. Moro na periferia, numa cidade no distrito de Hertfordshire, já fora de Londres, com comboio a 20 minutos do centro por £200 por mês. Tem aquelas casinhas inglesas com jardins bonitos, à imagem e semelhança dos seus ocupantes. Aqui, o provérbio da galinha da vizinha corresponde a algo como: a relva do vizinho é sempre mais verde. Enquanto o português pensa em quem vai encher melhor o bandulho, o inglês está preocupado com o que a aparência do seu jardim diz de si.
Boas escolas, um pub onde há zaragatas todas as semanas e onde os vizinhos me dizem para não ir sob o argumento de que são racistas; uns pubs familiares onde os homens podem ir beber as suas "pints" de cerveja e levar os filhos com a camisola do Arsenal. Isto, num concelho onde o "ratio" de fertilidade é de 1,87, ou seja, muitas famílias com quatro ou cinco filhos. A um inglês ninguém apanha em falso na sua simpatia incólume, mas misturas é para quem vive no centro, aqui não. Não ter o apelido do marido é estranho. Aliás, cá, a mulher ganha o apelido do marido e perde os seus. A maioria achava que eu era americana e ao saberem que sou portuguesa, dizem com simpatia, a pensar nas suas férias na praia: por que é que vieste para cá? Impossível não lhes dar razão.
Londres é contagiante, um mundo plural, rico e inclusivo. Quando cheguei, vários me ofereceram ajuda para conhecer a zona ou para me referirem num emprego. É uma capital utópica da boa vontade, isto no centro financeiro e corporativo, não nas zonas residenciais onde há estratificação e guetos. Neste distrito a norte de Londres, não se aspira a mais do que o ensino secundário e ter uma vida confortável, coisa que cá é possível. Há quem emigre, sobretudo para a Austrália e há quem nunca saia daqui, jovens sem qualquer interesse em visitar outras bandas. Acho que nunca conheci um português que não queira ir conhecer um outro mar, uma outra vista.
O controlo à imigração foi o o prato forte da campanha, mas a palavra de ordem é soberania. É o seu bem mais precioso, o centro da auto estima britânica. O UKIP usa este discurso porque é como apelar a um português a comer bacalhau na consoada (ou polvo e alho francês, para ser abrangente). A soberania para eles é um estandarte emotivo, porque quem foi votar não está a pensar nas leis da UE, mas é uma questão ontológica, um orgulho que os define. Ora, a soberania inglesa sempre se estabeleceu e fortificou no controlo do equilíbrio entre as outras potências, no grande preventor da guerra com o acenar do seu potentado bélico, tendo o seu auge no início do século XVIII, com um poder naval de meter respeitinho. O poder de Inglaterra advinha de assegurar a paz pelo equilíbrio de forças. Claro que isto foi antes da I Grande Guerra...
A personalidade de um país vive do discurso que alimenta. Os britânicos nunca quiseram ser iguais, querem ter condução à direita e libras. Querem ser uma potência pacificadora, mas não em equipa, reveem-se mais no papel do padrinho rico que entre um suspirar e o revirar os olhos vai resolver o assunto. Durão Barroso soube jogar com estes orgulhos revivalistas, segurando uma Europa em crise, mas agora uma peça do dominó tombou. A União Europeia foi criada para remendar uma manta de retalhos, a fim de manter uma paz que era e é frágil, e que me faz pensar agora para que país emigrar a seguir.