Silêncio, que vamos festejar a palavra

O festival regressa esta quinta-feira ao Cais do Sodré, em Lisboa, com um vasto programa multidisciplinar centrado na palavra e um ciclo de homenagem a Ana Hatherly.

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Uma homenagem à poeta e artista multidisciplinar Ana Hatherly (1929-2015) e um ciclo centrado na palavra “fronteira” são duas novidades da sexta edição do festival Silêncio, que abre esta quinta-feira em Lisboa com um programa que, até domingo, animará as ruas e os espaços culturais e comerciais do bairro do Cais do Sodré com mais de uma centena de propostas: música e performance, cinema e artes plásticas, debates e conferências, exposições e feiras, e ainda várias actividades em que os habitantes locais passam de espectadores a protagonistas.

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Uma homenagem à poeta e artista multidisciplinar Ana Hatherly (1929-2015) e um ciclo centrado na palavra “fronteira” são duas novidades da sexta edição do festival Silêncio, que abre esta quinta-feira em Lisboa com um programa que, até domingo, animará as ruas e os espaços culturais e comerciais do bairro do Cais do Sodré com mais de uma centena de propostas: música e performance, cinema e artes plásticas, debates e conferências, exposições e feiras, e ainda várias actividades em que os habitantes locais passam de espectadores a protagonistas.

Continuando o processo iniciado em 2015, quando o festival Silêncio, após dois anos de interregno, saiu portas fora e ocupou as ruas e praças do Cais do Sodré, no eixo das ruas de S. Paulo e da Boavista, esta edição procura aprofundar ainda mais a ligação aos moradores e ao comércio local, tornando-se simultaneamente uma celebração da palavra e uma enorme festa de bairro.

Num festival que sempre privilegiou os diálogos interartísticos, não espanta que o primeiro artista homenageado pelo Silêncio seja Ana Hatherly, cuja “mão inteligente” praticou a poesia, a ficção, o ensaio, a tradução, o desenho, a pintura, a colagem, a gravura, a performance ou o cinema. Com curadoria do poeta e ensaísta Manuel Portela, o ciclo Ana Hatherly: Anagrama da Escrita abre com a inauguração de duas exposições comissariadas pelo poeta experimental e artista plástico Fernando Aguiar: Pintura de Signos, na Fundação Portuguesa das Comunicações (FPC), que percorre as várias dimensões da obra da autora, reunindo livros, desenhos, textos visuais e filmes, e Reanagramas, na Galeria Boavista, uma colectiva de poetas e artistas que o festival dirigido por Gonçalo Riscado desafiou a recriarem criações de Hatherly. 

Também na Galeria da Boavista, Bruno Ministro e Liliana Vasques, do projecto Candonga, apresentam a instalação Re-ah, que parte da poesia da autora, e na sexta-feira, na FPC, Rui Torres modera a mesa-redonda Calculadora de Improbabilidades, com vários especialistas na obra de Hatherly. Esta homenagem inclui ainda a exibição do documentário A Mão Inteligente (2002), de Luís Alves de Matos, e performances de André Gomes (Acto de Escrever) Susana Mendes Silva (Ana) e Américo Rodrigues e José Neves (A Experiência do Prodígio). Foi ainda da poesia da autora das Tisanas que a coreógrafa Aldara Bizarro partiu para criar a performance andar [cais do Sodré], uma das várias propostas que envolvem a participação activa da comunidade local, num esforço de tornar cada vez mais indistinta a fronteira que separa criadores e espectadores.

A fronteira foi justamente o conceito escolhido para servir de mote a um segundo bloco temático, Fronteiras, que levará ao Largo de São Paulo conferências pelo jornalista José Goulão, pelo filósofo francês Étienne Balibar e pela escritora e activista galega Chus Pato. 

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O escritor invadido pelo escritor, de Ana Hatherly (1974)

Fronteiras físicas, simbólicas, políticas, culturais, psicológicas, entre povos, entre pessoas, entre disciplinas artísticas: a lógica do ciclo é explorar as diferentes realidades e significados que associamos ao conceito. José Goulão seleccionou três documentários que lidam com fronteiras – Pára-me de Repente o Pensamento (2014), de Jorge Pelicano, Lisboetas (2006), de Sérgio Tréfaut, e Ar(t)menians (2014), de Ricardo Espírito Santo –, a fotojornalista Violeta Santos-Moura expõe Entre Guerras, o músico Malenga propõe, na petiscaria A Viagem, um périplo intercontinental que atravessa a fronteira entre a música e a gastronomia, e no atelier BV90 a exposição Apartamentos mostra os resultados de um projecto comissariado pela fotógrafa Ágata Xavier e pelo poeta e crítico literário Diogo Vaz Pinto, que consistiu em emparelhar dez poetas e dez fotógrafos, desafiando os primeiros a escrever um poema a partir de uma fotografia e os segundos a criar uma fotografia  partir de um poema. 

Outra novidade desta edição do Silêncio foi o convite a quatro artistas para habitarem durante 15 dias um apartamento da Rua da Boavista e criarem, a partir de um texto de Gonçalo M. Tavares, um livro de artista a quatro mãos. O poeta Daniel Jonas, a poeta experimental e performer Marta Bernardes, o performer Miguel Bonneville e o designer e vídeo-artista Rui Silveira aceitaram este desafio, que o festival lançou em colaboração com a Casa Fernando Pessoa e a Fundação José Saramago.

No capítulo das exposições, Palavra à Janela é um bom exemplo do entrosamento do festival com o bairro, cujos moradores foram convidados a colocar uma palavra à janela, criando uma instalação colectiva um pouco na lógica do cadavre exquis.

No habitual ciclo de spoken word, que ocupará pelos finais de tarde o palco Rua Rosa podem destacar-se Cordas Vocais, uma encomenda do festival, que junta quatro escritores – Valério Romão, Vasco Gato, Raquel Nobre Guerra e Joana Bértholo – a um quarteto de cordas para criar uma performance que cruza poesia e música, ou No Precipício Era o Verbo, uma criação colectiva do músico Carlos Barreto, do filósofo António de Castro Caeiro, do actor André Gago e do músico e poeta José Anjos.

Se o cinema costuma marcar presença no Silêncio, este ano o festival foi mais longe e criou uma secção competitiva de poetry film, à qual se candidataram mais de 50 obras, 12 das quais irão ser exibidas na discoteca Roterdão, onde os vencedores serão anunciados no domingo.

Além de um programa de actividades expressamente pensado para os mais novos, ou de actividades com designações tão estranhas como Oficina de Sussurradores, o festival volta a propor as suas Conversas do Silêncio, desta vez organizadas, na Pensão Amor, pela jornalista e poeta Joana Emídio Marques, que as baptizou com títulos como Proletários de Todos os Ecrãs, Uni-vos (um diálogo com Jorge Silva Melo) ou Narciso Afogou-se no Monitor do iPhone (com José Bragança de Miranda). 

Igualmente extenso é o programa de concertos  alguns encomendados para o efeito pelo Silêncio, como os que juntarão aos instrumentais de Tormenta, o disco a meias de Filho da Mãe & Ricardo Martins, poemas ditos por Miguel Borges, e os bate-papos de Diego Armés com Duquesa e L-Ali com Mike El Nite. O projecto Bruta de Ana Deus e Nicolas Tricot, que viaja por textos de poetas internados em hospitais psiquiátricos, mas também os Cachupa Psicadélica, Samuel Úria, Aline Frazão, Maze, Old Jerusalem ou Filipe Sambado integram o alinhamento do festival, que Lula Pena encerrará, domingo, num espectáculo em que antecipará o seu próximo disco, Archivo Pittoresco.