Caixa Geral de Depósitos: Como o banco público vai ser escrutinado no Parlamento

A braços com um processo de recapitalização, a CGD vai ver avaliada de várias formas. O que defendem os partidos? Porque acham boa ideia um inquérito parlamentar?

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A comissão de inquérito à CGD vai avançar nos próximos dias Paulo Pimenta

Se fossem só os socialistas a mandar, a única avaliação a que a Caixa Geral de Depósitos seria sujeita nesta altura era a da Comissão Europeia para aprovar o plano de recapitalização público. Mas viram-se obrigados a fazer parte de uma comissão de inquérito que não queriam. PSD e CDS, por outro lado, impõem a avaliação pelo Parlamento porque dizem que é forma de aumentar a transparência. Hoje, ao fim da manhã, a conferência de líderes marca o arranque da comissão e há mais decisões no Parlamento. Mas afinal o que defendem os partidos?

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Se fossem só os socialistas a mandar, a única avaliação a que a Caixa Geral de Depósitos seria sujeita nesta altura era a da Comissão Europeia para aprovar o plano de recapitalização público. Mas viram-se obrigados a fazer parte de uma comissão de inquérito que não queriam. PSD e CDS, por outro lado, impõem a avaliação pelo Parlamento porque dizem que é forma de aumentar a transparência. Hoje, ao fim da manhã, a conferência de líderes marca o arranque da comissão e há mais decisões no Parlamento. Mas afinal o que defendem os partidos?

Caixa 100% pública? 

À esquerda não há dúvidas: a Caixa Geral de Depósitos é para manter na totalidade nas mãos do Estado. António Costa começa assim todas as intervenções que tem feito sobre a situação da Caixa. E já foram várias. Se o primeiro-ministro tem dado poucos dados sobre o processo de recapitalização, que ainda está a ser negociado em Bruxelas, dá pelo menos a garantia de que a solução que irá fechar não porá em causa a propriedade pública da CGD, na totalidade. “Vamos manter a Caixa 100% pública”, tem defendido. Neste capítulo, PCP e BE estão de acordo. Aliás, o controlo público da banca, para estes partidos, não deveria ficar-se pela CGD.

À direita, pelo menos nas palavras, também é para manter o banco público. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, frisa-o sempre que fala, recusando que uma comissão de inquérito enfraqueça a posição da CGD. Disse o social-democrata que “não está em causa a natureza pública” da CGD. O mesmo não é dizer “100% pública” e é a essa pequena mas grande diferença que a esquerda se agarra para criticar o PSD. O PCP chegou mesmo a verbalizar que o objectivo do PSD é “achincalhar e denegrir” a Caixa para justificar a sua privatização, nas palavras do comunista Miguel Tiago.

Concordam com a recapitalização?

Concordar que a Caixa precisa de ser recapitalizada com dinheiro público não é o mesmo que concordar com o modo como o vai ser feito. E aqui as dúvidas aparecem dos dois lados do hemiciclo. E as informações ainda não são muitas. O valor que tem corrido na comunicação social é de quatro mil milhões de euros (ou mais), mas não é certo que o seja. E também não é certo o modo como vai ser feita a recapitalização: aceitará Bruxelas que esta injecção de capital vá à dívida (e por isso só indirectamente ao défice, por causa do valor dos juros) ou não aceita e o valor tem de ser totalmente inscrito no défice? E quando? Será já este ano ou Costa levará o assunto até ao próximo? As dúvidas são muitas. Comece-se pelo que já foi dito.

António Costa falou por várias vezes sobre o que está em cima da mesa de Bruxelas. E fez questão de dizer que há notícias confusas que juntam no mesmo pacote três coisas diferentes como se a recapitalização pública fosse homogénea. A saber: o valor para fazer face às exigências de Bruxelas; o valor para a reestruturação do banco; e o valor do crédito mal parado.

O valor para responder às exigências de Bruxelas é, na verdade, o valor que a Caixa Geral de Depósitos precisa para fazer face às normas regulatórias impostas pelo Banco Central Europeu, que são, insistiu o primeiro-ministro, cada vez mais exigentes.

Agrafado ao processo de reforço do capital da Caixa estará uma restruturação do banco, que terá um valor específico e que será implementada pela nova administração. Essa solução poderá passar, disse o primeiro-ministro, pelo encerramento de balcões em alguns países que não sejam prioritários na estratégia de internacionalização (as Finanças não excluíram que pode atingir balcões em Portugal, tal como o PÚBLICO escreveu) e pela dispensa de trabalhadores através de um plano "alargado" de reformas de trabalhadores, não pelo despedimento, garantiu. E mais não se sabe. No final de 2015, a CGD contava com 695 agências com atendimento presencial em Portugal (720 em 2014), onde é responsável por 8410 trabalhadores (8858 em 2014). No estrangeiro, há 7648 funcionários, e 489 agências (das quais 110 em Espanha). Actualmente, já está em curso um plano para redução de trabalhadores através de reformas antecipadas (para todos os que completem 55 anos até ao final deste ano).

Finalmente, há ainda um valor que deverá ser atribuído ao crédito mal parado os non performing loans. Desde o início do ano que o primeiro-ministro fala da criação de um “banco mau” para o malparado de toda a banca, Caixa incluída. A negociação sobre a limpeza dos balanços do banco público está neste pacote da negociação com Bruxelas, mas não é certo que não fique dependente dessa solução alargada.

A este valor, acresce ainda um problema de 900 milhões de euros dos chamados Coco’s, o dinheiro que o Estado emprestou para a capitalização da Caixa em 2012 e que provinham do resgate da troika.

Como tudo começou?

O debate político mais intenso do último mês sobre a Caixa Geral de Depósitos começou com o comentário semanal de Marques Mendes na SIC, que lançou o valor de quatro mil milhões de euros e defendeu um inquérito parlamentar à CGD. Numa primeira reacção, o PSD não se entusiasmou com a comissão de inquérito e disse que esta, a existir, ficaria dependente das não respostas de António Costa. Nesta fase, os sociais-democratas presentaram 30 perguntas ao primeiro-ministro, que na resposta disse que o processo estaria quase fechado.

Era semana de debate quinzenal e foi nessa quente troca de argumentos que o PSD disse que iria impor uma comissão de inquérito "imediata e obrigatória". E foi aqui que começaram as trocas de argumentos.

Quais as consequências de uma comissão de inquérito?

A resposta a esta pergunta depende do lado do hemiciclo para o qual se olhe. A direita defende que escrutinar a gestão, administração e tutela da CGD desde 2000 até ao processo de recapitalização esclarece a situação actual da Caixa. "O que fragiliza é a dúvida, a incerteza, é não saber do que estamos a falar”, defendeu Montenegro.

Do outro lado, é exactamente o oposto. O primeiro argumento usado pela esquerda foi o facto de a Caixa ser um banco em funcionamento e de um escrutínio parlamentar intenso, com o esgrimir de argumentos políticos e com publicação de documentos e revelação de alguns problemas do banco, poder ser prejudicial para o seu dia-a-dia, beneficiando concorrentes.

Mas a concentração de esforços dos partidos da esquerda depois de o BE ter desistido de ajudar o PSD na aprovação da comissão foi no facto de interpretarem na proposta do PSD e do CDS uma tentativa de boicotar a recapitalização. As palavras foram fortes. PS e PCP estiveram sempre contra o inquérito, acusaram a direita parlamentar de querer "denegrir" e "achincalhar" a Caixa e viraram o alvo para o Banco de Portugal. Aliás, é hoje votada em comissão a audição de urgência a Carlos Costa, pedida pelo PS

Até onde estão dispostos a ir?

O PSD e o CDS foram irredutíveis na defesa de uma comissão de inquérito, mas nas voltas dos dias de debate, acabaram por alterar o objecto do inquérito parlamentar, tudo porque o Presidente da Assembleia da República teve dúvidas sobre a legalidade da intenção da proposta. Ferro Rodrigues suspendeu o processo de constituição da comissão de inquérito porque tinha dúvidas sobre a vontade dos dois partidos de inquirirem sobre o "processo de recapitalização" que ainda não aconteceu. "É lícita a dúvida sobre se o inquérito parlamentar é o meio adequado para a Assembleia da República obter a informação que, de acordo com os fundamentos que constam do requerimento, lhe estará a ser recusada pelo Executivo", justificava.

Depois de trocas de acusações, o PSD e CDS recuaram e desistiram da avaliação do processo e ficaram-se pelos "factos que fundamentam a necessidade da recapitalização da CGD, incluindo as efectivas necessidades de capital e de injecção de fundos públicos e as medidas de reestruturação do banco”. Caiu também a intenção de avaliar as "alternativas" à recapitalização. O recuo dos proponentes levou Ferro a desistir do enviar o inquérito para consulta da Procuradoria-Geral da República. É por isso que a comissão de inquérito avança já.

E é neste pé que a discussão política está. O inquérito vai avançar, mas ao mesmo tempo avançarão várias avaliações. A Comissão Europeia está a analisar a CGD, o BE quer conhecer os resultados das últimas auditorias e quer uma auditoria forense e o PSD e o CDS querem uma auditoria independente e externa contratada pelo Parlamento à CGD e Banif, ainda por aprovar.

Hoje é dia de votações a audições e auditorias à Caixa<_o3a_p>

O Parlamento vota hoje vários requerimentos que se relacionam com a Caixa Geral de Depósitos. O PS quer ouvir o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, com urgência, para prestar todos os esclarecimentos sobre a evolução da situação da CGD desde o momento da sua recapitalização (2012) até ao presente." O requerimento era para ter sido votado a semana passada, mas acabou por ser adiado por oposição do PSD. Mas não será o único momento forte na Assembleia da República sobre a Caixa. Ainda de manhã, será votado o parecer do deputado do PS Pedro Delgado Alves sobre as auditorias externas e independentes pedidas pelo PSD. O presidente da Assembleia da República tem dúvidas legais sobre a admissão desta proposta e pediu à primeira comissão parlamentar para se pronunciar. Os deputados decidem hoje. Ao fim da manhã, há conferência de líderes para fixar a data de arranque da comissão de inquérito.