"Brexit": uma oportunidade

A política económica da zona euro tem sido inadequada e desequilibrada. Incluindo a política monetária, que agora todos louvam.

O “Brexit” terá sérias consequências para o Reino Unido, entre as quais a sua possível desintegração. Mas terá consequências não menos importantes para a União Europeia. Desde logo, ao nível geoestratégico, fragiliza a sua capacidade de defesa e reduz o seu papel na ONU. E ao nível político, enfraquece o campo doutrinário demo-liberal, credibiliza a reversibilidade do projecto integrador e ameaça a integridade da zona euro. Entre outras.

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O “Brexit” terá sérias consequências para o Reino Unido, entre as quais a sua possível desintegração. Mas terá consequências não menos importantes para a União Europeia. Desde logo, ao nível geoestratégico, fragiliza a sua capacidade de defesa e reduz o seu papel na ONU. E ao nível político, enfraquece o campo doutrinário demo-liberal, credibiliza a reversibilidade do projecto integrador e ameaça a integridade da zona euro. Entre outras.

Mas, como todas as crises, ao mesmo tempo que escurece o cenário prospectivo, a crise aberta pelo “Brexit” constitui uma oportunidade para a UE, e em particular a zona euro, procederem a uma profunda introspecção, emendarem a mão na forma como têm lidado com a crise económico-financeira, porem em prática um plano coerente que sustente as expectativas de viabilidade da zona euro, e oferecerem um novo ânimo às populações.

Como argumentei noutros locais e em diversos tempos, as autoridades da zona euro interpretaram mal a crise desencadeada em 2010 e, como tal, não só não a resolveram, como agravaram alguns dos seus problemas, desgastando o capital político da moeda única e arriscando a sua implosão. Tendo pela frente uma crise que, nos seus principais contornos, se assemelha à do padrão ouro dos anos 1930s (que deu no que deu!), e que só pode ser resolvida com soluções sistémicas dentro de uma perspectiva macroeconómica de toda a zona euro, as autoridades insistiram, e insistem, em tratá-la como sucessão de crises individuais de alguns países, assentando em sucessões de soluções individuais (onde se inclui, por exemplo, a concepção, não sistémica, subjacente ao Tratado Orçamental). Isso obviamente não funciona, nem nunca funcionará, porque nunca há solução certa para o problema errado.

A política económica da zona euro tem sido, pois, inadequada e desequilibrada. Incluindo a política monetária, que agora todos louvam, mas que, tendo quase sempre actuado tarde (quando não em contra-corrente), está a ser utilizada como morfina no tratamento de uma infecção. Não resolve o problema, só alivia a dor, mas amortece a vontade de o resolver e enfraquece o organismo.

Como consequência, o apoio social do projecto tem vindo a esvair-se e com ele a confiança no mainstream político que o suporta. Assim e voltando à oportunidade aberta pela crise do Brexit, este poderia ser o momento de a zona euro promover uma convenção político-económica destinada a gizar e acordar o plano que refiro acima e que, contemplando uma solução sistémica dentro de uma visão macroeconómica da zona euro como um todo, enderece, simultânea e conjuntamente, os seguintes problemas:

a) insuficiência de procura na zona euro (indirectamente reflectida num excedente externo de 4% do PIB, acompanhado por uma taxa de desemprego de 11%);

b) legado financeiro – dívidas soberanas e balanços bancários – e que, na ausência do remédio histórico da inflação, constitui um colete de forças sobre a economia (cristalizando os desequilíbrios que produzem aquela insuficiência) e um risco de incontrolável derrocada financeira;

c) reformas estruturais necessárias para flexibilizar as economias e garantir o seu crescimento sustentado;

d) sustentabilidade duradoura das finanças públicas;

e) mecanismos institucionais que, face à ausência da via cambial (que a assegurou no passado), assegurem a compatibilização de preferências sociais desalinhadas entre si.

Não é improvável que um plano destes requeira uma maior integração política, pois dificilmente haverá disponibilidade para partilhar custos sem partilha dos processos decisórios. Mas será preferível enfrentar esse desafio politicamente – recuperando ao mesmo tempo a aplicação efectiva do princípio da subsidiariedade – a deixá-lo prosseguir sub-repticiamente pela via administrativa em que tem vindo a ocorrer (e que tem vindo a estrangular também aquele princípio).

No espaço deste artigo não cabe desenvolver muito mais o tema, nem entrar em explicações ou fundamentações pormenorizadas. Tentarei fazê-lo noutro contexto, complementando o ensaio que escrevi há cerca de ano e meio sobre “Eurocrise: uma outra pespectiva”.

Economista