Parasita da malária que hiberna no fígado está a ganhar resistência aos fármacos
Dois estudos traçam a árvore genética do Plasmodium vivax, um parasita da malária menos conhecido, e revelam a sua grande diversidade mundial.
A grande marca do parasita Plasmodium vivax é a sua capacidade de latência nas células do fígado dos seres humanos. Ao contrário do Plasmodium falciparum – a mais frequente e mortal das cinco espécies de Plasmodium responsáveis pela malária nos humanos –, que se multiplica mal infecta as células do fígado, o P. vivax pode ficar em dormência durante anos. Por isso, basta uma pessoa ser picada uma única vez por um mosquito Anopheles infectado com o P. vivax para estar sujeita a ter vários episódios de malária.
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A grande marca do parasita Plasmodium vivax é a sua capacidade de latência nas células do fígado dos seres humanos. Ao contrário do Plasmodium falciparum – a mais frequente e mortal das cinco espécies de Plasmodium responsáveis pela malária nos humanos –, que se multiplica mal infecta as células do fígado, o P. vivax pode ficar em dormência durante anos. Por isso, basta uma pessoa ser picada uma única vez por um mosquito Anopheles infectado com o P. vivax para estar sujeita a ter vários episódios de malária.
Agora, dois estudos sequenciaram genomas de centenas de parasitas da espécie P. vivax, obtidos em pessoas do Sudoeste asiático e da América Central e do Sul. Os resultados revelam um parasita muito diverso, com uma história evolutiva complexa e que está a ganhar resistências aos fármacos usados no combate da malária. Mas também podem dar pistas para combater este parasita, segundo os dois artigos publicados nesta segunda-feira na revista Nature Genetics.
“Observámos no genoma que a resistência aos fármacos é um estímulo enorme para a evolução [do P. vivax]. É intrigante que, nalguns lugares, este processo parece estar a acontecer em resposta a fármacos usados em primeiro lugar para tratar o P. falciparum. Não se sabe a razão para isto acontecer, mas é um sinal preocupante de que a resistência a medicamentos está a ficar enraizada na população de parasitas”, explica o principal autor do estudo internacional, Richard Pearson, do Instituto Sanger do Wellcome Trust (no Reino Unido), que analisou genomas de parasitas provenientes do Sudoeste asiático, citado num comunicado daquela instituição.
Apesar de ter havido uma diminuição de casos nas últimas duas décadas, a malária continua a ser uma das doenças com maior impacto na saúde mundial. Em 2015, o parasita era endémico em 95 países, causando 214 milhões de doentes e matando 438.000 pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. As crianças com menos de cinco anos são especialmente vulneráveis.
O P. falciparum é prevalente na África subsariana, onde a doença é mais devastadora, com 88% dos casos e 90% das mortes. O P. vivax está pouco representado naquele território, mas predomina na Índia, no Sudeste asiático e na América Central e do Sul, e estima-se que anualmente só esta espécie de parasita cause malária a 16 milhões de pessoas.
Como tantos outros parasitas que usam os humanos como hospedeiros, parte do fascínio dos biólogos pelo estudo dos parasitas da malária é o seu intricado ciclo de vida. O plasmódio alterna entre nós e as fêmeas do mosquito anófeles – que se alimentam de sangue humano. Quando um plasmódio invade o corpo, entra na corrente sanguínea para chegar ao fígado. Lá, penetra numa célula, onde se alimenta e multiplica, mudando de forma. De seguida, volta ao sangue, onde infecta os glóbulos vermelhos, multiplicando-se e infectando novas células sanguíneas ciclicamente. É durante a fase sanguínea que se dão os sintomas: febres altas e dores no corpo.
Esta sequência de passos, em que o plasmódio sofre várias transformações, dificulta o desenvolvimento de uma vacina contra a malária. Fármacos como a artemisinina, de última geração, são usados para tratar a doença, mas criam resistências nos parasitas – já existe uma população de P. falciparum no Sudeste asiático resistentes à artemisinina, segundo um estudo recente publicado na revista New England Journal of Medicine.
O último a cair
O P. vivax, como não causa a maioria dos casos de malária e por ser difícil de cultivar no laboratório, é bastante menos estudado do que o P. falciparum. Só agora, com o desenvolvimento de técnicas avançadas de sequenciação genética, é que foi possível obter vários genomas diferentes daquele parasita a partir do sangue humano infectado.
A equipa de Richard Pearson, que se dedicou à região do Sudeste asiático, obteve 200 genomas de P. vivax de amostras sanguíneas de pessoas de vários países, e notou que a evolução divergente do plasmódio na Tailândia, no Camboja e na Indonésia se deve ao uso de diferentes fármacos nestes países. “O medicamento que está na linha da frente do tratamento da malária vivax é a cloroquina”, explica Ric Price, da Universidade de Oxford, do Reino Unido, citado no mesmo comunicado. “O nosso estudo mostra que a evolução é mais forte na Papuásia [província da Indonésia da ilha da Nova Guiné], onde a resistência do P. vivax à cloroquina é agora desenfreada.”
Esta informação coincide com os resultados do segundo estudo liderado por Jane Carlton, investigadora da Universidade de Nova Iorque, nos EUA. Esta equipa de identificou quatro populações de P. vivax através da análise de 182 genomas de parasitas obtidos em pessoas de 11 países nas Américas e no Sudeste asiático.
Há uma divergência genética grande entre os parasitas do eixo americano e do asiático. E cada eixo tem duas populações diferentes. A população de P. Vivax do México é diferente da dos outros países das Américas (Brasil, Peru, Colômbia entre outros) e a população da ilha da Nova Guiné é geneticamente distinta da dos restantes países asiáticos (Tailândia, Birmânia, etc). Além disso, os cientistas pensam que a população nas Américas foi levada para lá pelos colonos europeus, quando o P. vivax ainda existia na Europa. Talvez seja por isso que é tão distinta das populações asiáticas.
Outra descoberta importante é que a diversidade genética do P. vivax é muito grande em quase todo o mundo, superior à do P. falciparum. Isto torna difícil o desenvolvimento de um fármaco e de uma vacina eficazes para todas as populações do parasita, explica um comunicado do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas e Alergia dos EUA a propósito deste trabalho.
A diversidade genética, a que se junta a capacidade de dormência do parasita no fígado das pessoas, reforça o que a comunidade científica sempre soube, lembra Jane Carlton: “O P. vivax será o último parasita da malária a cair.”