“Brexit” fulmina a campanha e abre novas incógnitas

Na sexta-feira, o “Brexit” irrompeu na campanha eleitoral. Cito o El País: “O ‘Brexit’, e a tormenta económica e financeira que desencadeou, estalou finalmente na cara de todos os partidos. Um assunto ignorado na campanha acaba por se tornar em questão central nas suas últimas horas.” Que efeito terá no voto, tanto mais que os “países periféricos” do Sul — Itália, Espanha e Portugal — parecem ser os mais imediatamente ameaçados?

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Na sexta-feira, o “Brexit” irrompeu na campanha eleitoral. Cito o El País: “O ‘Brexit’, e a tormenta económica e financeira que desencadeou, estalou finalmente na cara de todos os partidos. Um assunto ignorado na campanha acaba por se tornar em questão central nas suas últimas horas.” Que efeito terá no voto, tanto mais que os “países periféricos” do Sul — Itália, Espanha e Portugal — parecem ser os mais imediatamente ameaçados?

Os especialistas davam como estáveis as últimas sondagens, com a relativa consolidação do modelo de quatro partidos dominantes e com menos indecisos do que em Dezembro. Mesmo que a “tormenta” pouco pese na votação, o “Brexit” terá influência relevante nas negociações de governo. Será determinante no momento pós-eleições, impondo o debate entre estabilidade e ruptura.

À primeira vista, olhando a campanha, o problema das alianças permanece tão insolúvel quanto em Fevereiro e Março passados. A escutar os partidos, todos os cenários são de bloqueio. Há no entanto um facto novo: ao contrário da fase anterior, em que novas eleições eram encaradas como única forma de desfazer o nó, a simples ideia de “terceiras eleições” é hoje um cenário inadmissível. E mais ainda depois do “Brexit”.

Cenários de bloqueio

Voltemos atrás. Se os partidos multiplicam os pactos a nível local e autonómico, por que o não farão a nível nacional? A dificuldade dos líderes partidários reside no preço a pagar pelas alianças. Explica o politólogo Lluís Orriols que o sistema partidário é ainda instável. “Os políticos (...) antecipam que os pactos podem ter importantes consequências para um eleitorado ainda muito volátil. Se não fosse isto, o PSOE não teria provavelmente tantas resistências em procurar um qualquer tipo de acordo com, por exemplo, o PP.”

O caso do PSOE é dramático. O Podemos fez do “sorpasso” (a ultrapassagem do PSOE em votos e mandatos) o eixo da sua estratégia. Por isso se aliou à Esquerda Unida (IU) na frente Unidos Podemos (UP). O socialista Pedro Sánchez não tem nenhuma boa escolha. Entrar num governo das esquerdas presidido por Pablo Iglesias é uma hipótese encarada como suicidária. O Podemos disputa não só o espaço político dos socialistas como se apresenta agora como a “nova social-democracia” para substituir a “velha”, o que enfurece os socialistas. Se o PSOE resistia a fazer uma aliança com o Podemos quando lhe era superior em votos e deputados, muito menos o pode fazer em inferioridade.

As alternativas passam pelo PP, sob vários modelos — desde a abstenção do PSOE perante um executivo PP-Cidadãos a uma “grande coligação” PP-PSOE-Cidadãos, que poderia vir a ser presidida por um independente, o chamado “modelo Monti”. Todos os cenários pressupõem o afastamento de Rajoy, cuja companhia se tornou “tóxica” para todos os partidos.

Adverte o politólogo Jorge Galindo: “A Espanha necessita de reformas económicas e institucionais. Para as realizar, seria necessário um executivo de consenso, com base no centro e com capacidade política, protagonizado pelo PP e com o acordo do PSOE e do Cidadãos. (...) Mas esta solução não sairia grátis aos defensores das reformas e da moderação.” Porquê? Deixaria ao Podemos o monopólio da oposição. “Os acordos entre os partidos tradicionais acabam por alimentar o discurso anti-establishment dos que ficam de fora.”

O PP e o Podemos conseguiram polarizar as eleições, de modo a maximizar os seus resultados e diminuir o peso do Cidadãos e do PSOE. O PP apresentando-se como o “voto útil” contra a ameaça do Podemos. Este batendo-se como “único voto útil” contra Rajoy e o PP.

Que quer Iglesias?

Se Sánchez se recusou a indicar as suas preferências de alianças antes de conhecer nos resultados, também os desígnios imediatos de Iglesias são enigmáticos. A incógnita não é saber se Iglesias quer o poder: é saber quando quer chegar ao poder. Vários analistas defendem que ainda não lhe convém presidir ao governo, porque lhe falta um verdadeiro partido (o UP, juntando o Podemos, as “confluências regionais e a IU) é uma confederação de interesses contraditórios. Tem uma extraordinária máquina eleitoral mas não tem uma equipa de governo credível.

O que é fundamental para Iglesias — e será testado na eleição de hoje — é o “sorpasso” do PSOE, para garantir a hegemonia da esquerda. Se houver uma maioria das esquerdas, Iglesias responsabilizará o PSOE pela inviabilização de um “governo de mudança” e usará o argumento do “não nos representam”.

Diz o politólogo Ignacio Jurado: “Que o Podemos não force governar agora, para conseguir a hegemonia da esquerda em próximas eleições, não é uma má estratégia, tendo em conta os cortes que nos estão a exigir em Bruxelas para o ano que vem.”

Incerteza

Este era o quadro antes do “Brexit”. Os partidos reagiram a quente no encerramento das campanhas, mas ninguém sabe prever os efeitos. Fazem-se vaticínios e exprimem-se desejos. O PP espera beneficiar do “voto útil na estabilidade política”. O Podemos manifestou algum incómodo. Iglesias quer “refundar la UE” para a tornar “atractiva os povos da Europa”, mas o seu responsável económico, Nacho Álvarez, protestou contra os concorrentes: “Não utilizem os resultados do referendo para fazer campanha em Espanha.” Quem mais fé tinha no impacto do “Brexit” era o PSOE, esperando “uma surpresa” que evite o fatídico “sorpasso”. Diz um coordenador da campanha que o “espectro esquerdista ajuda a mobilizar votos a nosso favor”.

Uma das razões que torna difícil um benefício “natural” para os “moderados” é que a grande ruptura é a geracional e não a ideológica. A grande maioria dos espanhóis situa-se no “centro”. Como lêem os jovens o “Brexit” e como vão reagir ao risco de nova crise? O verdadeiro impacto do “Brexit”, repita-se, vai verificar-se depois das eleições. Perante a tormenta europeia é necessário governo e os políticos não terão outro remédio senão fazer os pactos indispensáveis.

Em qualquer caso domina a incerteza. A Espanha de 2016 dá vontade de citar Churchill a propósito da Rússia de 1939: “É uma adivinha embrulhada num mistério dentro de um enigma.”