À segunda, vai dar novo empate que só as negociações vão desfazer

Seis meses depois, os espanhóis voltam a ser chamados a votar em legislativas. Os candidatos prometeram que é desta, mas ninguém explica como é que vai desbloquear um Congresso tão dividido como o que saiu das urnas em Dezembro.

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Seis meses depois, os espanhóis voltam a ser chamados a votar em legislativas Susana Vera/Reuters

Em teoria, os espanhóis podem continuar a votar a cada seis meses sem que o mapa político se altere de forma significativa. Na prática, ninguém acredita que isso seja possível. Não há duas sondagens iguais nem sondagens significativamente diferentes. Só que, em tempos de incerteza, qualquer pequena diferença chega. Não altera os resultados, mas muda as leituras que os partidos fazem deles e a margem que cada um terá nas inevitáveis negociações pós-eleitorais

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Em teoria, os espanhóis podem continuar a votar a cada seis meses sem que o mapa político se altere de forma significativa. Na prática, ninguém acredita que isso seja possível. Não há duas sondagens iguais nem sondagens significativamente diferentes. Só que, em tempos de incerteza, qualquer pequena diferença chega. Não altera os resultados, mas muda as leituras que os partidos fazem deles e a margem que cada um terá nas inevitáveis negociações pós-eleitorais

Até ao início da última semana, a única dúvida era saber qual será a formação mais votada à esquerda. Quase na recta final, houve um escândalo de abuso de poder que beliscou o PP, obrigando Mariano Rajoy a interromper o “tom positivo” que o partido elegera como estratégia. Ainda houve tempo para o “Brexit” aterrar em cheio na campanha e o mesmo Rajoy o usar para apelar às emoções e insistir que representa o “voto útil” contra a ameaça do Podemos.

A campanha começou com os inquéritos a anteciparem um Congresso tão fragmentado como o que saiu das legislativas de Dezembro, ao mesmo tempo que os líderes partidários garantiam que os espanhóis não serão chamados a votar uma terceira vez, sem explicarem exactamente o que podem fazer para o evitar.

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A aliança Unidos-Podemos é a grande novidade da campanha Andrea Comas/REUTERS

O que se sabe não chega para perceber o que vai acontecer nas próximas semanas. Sabe-se que o PP voltará a ser primeiro, mas que deverá ficar ainda mais longe da maioria. E sabe-se que o parceiro natural dos conservadores, a formação de centro-direita liberal Cidadãos, um dos dois partidos emergentes do novo panorama partidário, voltará a ficar aquém de um resultado que abra caminho a uma coligação natural.

Sem maiorias óbvias no horizonte, é da esquerda que podem vir as principais mudanças. A maior novidade é a aliança Unidos Podemos (que junta o partido de Pablo Iglesias, terceiro em Dezembro, à Esquerda Unida, de Alberto Gárzon) e a probabilidade de esta ultrapassar o PSOE, tornando-se na formação hegemónica da esquerda. Uma das sondagens (uma entre muitas, sublinhe-se) sugere até um cenário em que, em conjunto, os eleitos da esquerda sejam suficientes para alcançar o número mágico de 176 deputados, que garante a maioria no Congresso de 350.

A lógica e o haraquiri

O problema é a instabilidade de um sistema partidário que mal acabou de nascer, com quatro grandes formações a disputar um tabuleiro que até agora tinha dois protagonistas e muitos actores secundários mais pequenos. Numa nova realidade em que ninguém conhece as consequências de pactos que estão por experimentar, nenhum partido quer ser o primeiro a arriscar haraquiri.

Do ponto de vista das propostas e da vontade do seu eleitorado, seria lógico que o PSOE, de Pedro Sánchez, se aliasse a Iglesias para formar o “governo progressista” que o líder do Podemos tanto diz querer. Na prática, os socialistas desconfiam que o verdadeiro objectivo de Iglesias é a aniquilação total do PSOE.

Sánchez passou esta campanha a prometer que Rajoy e o PP não contam com ele para ficar no poder. Uma abstenção do PSOE para permitir à direita continuar a governar seria, disse, “um suicídio que levaria o PSOE a tornar-se irrelevante por muitos anos”. Mas entre o establishment socialista acredita-se que suicídio ainda maior seria um pacto com o Podemos.

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O risco, para Sánchez, é ser afastado da liderança pelos membros do seu partido antes mesmo de conseguir sentar-se à mesa das negociações com Iglesias. Uma possibilidade que ganha ainda mais força caso se confirme o chamado “sorpasso”, a ultrapassagem do PSOE pela aliança Unidos Podemos em votos e mandatos.

“Confia em Pablo Iglesias?”, perguntou há dias a Sánchez um jornalista do Publico.es. “E você, fia-se nele?”, retorquiu o candidato. “Durante estes seis meses Iglesias demonstrou que não é um político que faça o que diga. Disse que usaria os seus votos em Dezembro para pôr ponto final em Mariano Rajoy e, no fim, o que fez foi bloquear a mudança”, explicou Sánchez.

Iglesias bem tentou convencer os socialistas que podem confiar nele. “Não te enganes, Pedro, eu não sou o adversário”, sussurrou ao líder do PSOE no único debate que opôs os candidatos dos quatro maiores partidos. Mas o líder do partido que nasceu dos Indignados para enterrar o bipartidarismo sabia que era tarefa impossível. Afinal, ainda nem os votos estavam todos contados, a 20 de Dezembro, e já Iglesias se lançava num ataque sem trégua contra os mesmos com que agora diz querer governar.

Uma crise perfeita

Recordando que o PSOE acabava de ter o pior resultado da sua história (com 22%, ficou menos de dois pontos percentuais à frente do Podemos, que teve 20,65), Iglesias ainda esfregou na cara de Sánchez que o derrotara em Madrid, onde ambos eram candidatos. Sabendo que as urnas já tinham fechado mas que a campanha continuava, o líder do Podemos portou-se como se estivesse a lançar mísseis ao PSOE, notaram então os comentadores.

A somar-se a todas as incógnitas, o “Brexit” que ninguém esperava ainda obrigou os candidatos a mudarem os discursos de encerramento e a explicar que União Europeia defendem, um tema que tinham ignorado olimpicamente (e que no debate a quatro mereceu menos de 30 segundos de tempo de antena).

Em teoria, nada impede que os espanhóis tenham de repetir eleições e que Espanha continue nesta campanha permanente. Isso nem sequer seria inédito: já por duas vezes houve três eleições gerais no país, em 1918 e em 1920. 

Em teoria, há muito para dizer e antecipar. Só que as teorias não chegam para interpretar o futuro quando o cenário é de crise perfeita – o modelo da Transição esgotou-se sem que um novo tenha podido consolidar-se (ou a crise como Gramsci a definiu, tempos em que o velho ainda não morreu e o novo não acabou de nascer). Resta esperar, contar votos e ver como cada partido decide interpretar as intenções dos espanhóis.