A independência escocesa pode estar ao virar da esquina

Há uma ideia de traição entre os escoceses que há dois anos optaram pelo Reino Unido e agora podem acabar fora da UE. Na Irlanda erguem-se novamente as vozes unionistas.

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Castelo de Edimburgo iluminado por um apelo ao voto de permanência na União Europeia. Clodagh Kilcoyne/Reuters

Não existe escassez de paralelos entre o referendo britânico para a saída da comunidade europeia e a consulta para a independência da Escócia. Também há dois anos os escoceses tiveram de decidir se votariam no sentido do que vinham aconselhando especialistas e líderes europeus, segundo os quais romper com a união britânica seria catastrófico; e um sentimento nacionalista contrastante, que procurava mais controlo sobre os destinos da nação, abandonados por aquela altura a uma elite distante em quem o eleitorado escocês não votava.

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Não existe escassez de paralelos entre o referendo britânico para a saída da comunidade europeia e a consulta para a independência da Escócia. Também há dois anos os escoceses tiveram de decidir se votariam no sentido do que vinham aconselhando especialistas e líderes europeus, segundo os quais romper com a união britânica seria catastrófico; e um sentimento nacionalista contrastante, que procurava mais controlo sobre os destinos da nação, abandonados por aquela altura a uma elite distante em quem o eleitorado escocês não votava.

Também muita da acrimónia na campanha eleitoral em torno do “Brexit” já tinha surgido numa outra encarnação no referendo sobre a independência escocesa. Um dos debates mais fracturantes de então aconteceu precisamente sobre o futuro do Reino Unido na UE, algo que parecia improvável mas que poderia complicar-se caso o eleitorado mais europeísta no país — o escocês — subitamente desaparecesse. Bruxelas prometeu que uma Escócia independente sairia da comunidade e acusou os nacionalistas de arriscarem a desintegração europeia.

Os papéis alteraram-se esta quinta-feira com o voto britânico a favor da saída da comunidade europeia. Os escoceses não optaram pela ruptura em Novembro de 2014 em parte pela preocupação de que isso os retirasse de uma Europa que é encarada como uma peça fundamental para a posição da Escócia no mundo. O Partido Nacionalista Escocês (SNP) perdeu, mas reservou-se o direito de convocar um segundo referendo caso o sentimento eurocéptico mais a Sul acabasse por provocar o que o primeiro referendo afinal não fizera: o corte europeu.

Esse já vinha sendo apresentado como o cenário mais provável em caso de “Brexit” e esta sexta-feira a primeira-ministra escocesa quase o confirmou. “Da forma como as coisas estão, a Escócia enfrenta a possibilidade de ser retirada da UE contra a sua vontade”, disse Nicola Sturgeon. “Considero-o democraticamente inaceitável. E enfrentamos essa possibilidade menos de dois anos depois de nos dizerem que era o nosso próprio referendo para a independência que iria terminar a ligação à UE e que apenas rejeitando-o a poderíamos proteger.”

Sturgeon prometeu esgotar todas as alternativas para que a Escócia continue na comunidade europeia, com ou sem independência, mas disse também que um segundo referendo “é muito provável” e que, a acontecer, deve avançar nos próximos dois anos, a janela que os britânicos têm para negociar com Bruxelas. O referendo depende de Westminster, que o tem de aceitar, mas, como argumenta David Steven, da Brookings Institution, “é difícil imaginar um único argumento credível de quem defendeu a saída [britânica] que possa evitar um novo referendo.”

Ventos nacionalistas

O SNP tem muito a seu favor, a começar pelo fosso entre os 62% dos escoceses que votaram pela permanência do Reino Unido na União Europeia e os 47% que o fizeram na Inglaterra. Joga também com o tom da campanha, em que se revelaram as divisões e o ressentimento entre os eleitorados inglês e escocês. “Para muitos eleitores ingleses, isto foi uma oportunidade para acenar com a bandeira de São Jorge e restaurar o orgulho nacional”, escreve Mark Easton, editor de política na BBC. “Em alguns aspectos, o voto no ‘Brexit’ foi um voto no nacionalismo inglês.”

Sturgeon marcou uma reunião governamental para a manhã deste sábado, mas a meio da tarde desta sexta o SNP já dava conta de que estava a ser “inundado” por mensagens de eleitores que recusaram o voto independentista em 2014 e que agora prometiam fazer o contrário. A rainha Isabel II repetiu o gesto de há dois anos e anunciou uma viagem à Escócia no início da semana, com passagem pela Irlanda do Norte, onde também as vozes que defendem a união com a República da Irlanda foram acicatadas pelo voto no “Brexit”.

O histórico partido republicano Sinn Féin repetiu esta sexta-feira o seu antigo apelo à realização de um referendo sobre a união das Irlandas, mesmo que o Partido Democrata Unionista, no poder, o tenha recusado prontamente e que as sondagens recolhidas nos últimos anos sugiram que menos de 30% dos habitantes na Irlanda do Norte desejem unir-se ao vizinho no Sul. E isto apesar de o departamento dos Negócios Estrangeiros da República da Irlanda ter anunciado durante a tarde que recebeu um número fora do normal de pedidos de passaportes.

Por enquanto, a única possibilidade credível em cima da mesa é a de um segundo referendo para a independência da Escócia, que pode acabar decidido pelo sucesso das negociações de cessação entre o Reino Unido e Bruxelas. No rescaldo do voto no “Brexit”, porém, os ventos parecem tender para o lado dos nacionalistas escoceses. “Tinha orgulho em ser cidadã da EU porque me parecia que simbolizava o esforço de nos libertarmos do passado e caminhar para um mundo mais pacífico”, conta Sheila Perry ao diário Guardian. “Parece que se vai dar um realinhamento da política britânica e um voto para a independência escocesa. Até agora sempre estive muito oposta a isso, mas se existir um novo voto, vou sentir-me tentada a reconsiderá-lo.”