Marcelo levou com o martelo mas em troca só promete afectos

Presidente da República e primeiro-ministro não quiseram faltar àquela que é para os portuenses a noite mais longa do ano.

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Ainda esta semana se assinalava o dia mais longo do ano (o início do Verão) e esta quinta-feira o Porto preparava-se para aquela que é considerada a sua noite mais longa. A madrugada ainda estava longe, mas nas ruas notava-se a agitação dos portuenses que, por entre martelos e enfeites, começavam os preparativos para os jantares de S. João nas casas decoradas a rigor. Afinal, “S. João há só um, o do Porto e mais nenhum”, ouvia-se. 

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Ainda esta semana se assinalava o dia mais longo do ano (o início do Verão) e esta quinta-feira o Porto preparava-se para aquela que é considerada a sua noite mais longa. A madrugada ainda estava longe, mas nas ruas notava-se a agitação dos portuenses que, por entre martelos e enfeites, começavam os preparativos para os jantares de S. João nas casas decoradas a rigor. Afinal, “S. João há só um, o do Porto e mais nenhum”, ouvia-se. 

Há arraiais por toda a cidade. De Miragaia às Fontainhas. Da Cordoaria à Boavista ou à Foz. Há jovens e menos jovens, porque esta é uma noite em que a folia toca até ao mais pacato portuense. Há pão e vinho sobre a mesa, mas também a sardinha, a fêvera, a cerveja e a sangria, nesta que é uma festa portuguesa “com certeza”. 

Manuel Cardoso está a preparar a grelha para pôr os pimentos a assar, à porta do restaurante onde trabalha. Assim é com quase todos os estabelecimentos da Rua das Flores. Os balcões saltam cá para fora à procura de negócio que se vai fazendo "sem razão de queixa". Preparam-se as sardinhas – para ficarem boas, confidencia Manuel ao PÚBLICO, não basta serem "fabulosas", tem de se "saber assá-las e fazer uma boa brasa". A trabalhar há três anos no S. João, este é um local que "tem sempre muita, muita gente". O restaurante está reservado há uma semana, com as marcações todas cheias, explica o assador. Mas depois do trabalho, "lá para a uma da manhã", há tempo para ir festejar com a família.

Seguindo a Rua das Flores até ao fim, no Largo de S. Domingos, está uma roda-viva de cor e movimento. GIRA dá nome à proposta vencedora da categoria “Intervenção em Espaço Urbano” do Concurso de Martelinhos de S. João. Mais de 1500 martelos fazem uma estrutura esférica, da autoria do arquitecto Miguel Costa e do artista plástico Meireles de Pinho, que faz as delícias de miúdos e graúdos.

A vender martelos há quatro anos está Sílvia Cardoso, que se queixa do negócio ali ao pé da Estação de S. Bento. "Ainda estou a começar, mas já noto muita diferença. No ano passado já tinha vendido tantos, este ano estreei-me agora", diz a vendedora. São inúmeras as bancas improvisadas que vão surgindo: de martelos a manjericos e a doces, para não falar de um dos protagonistas da festa: o alho porro.

Mas este é também um S. João diferente: teve direito à visita do Presidente da República e do primeiro-ministro, António Costa, convidados pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. É a sexta vez que Marcelo Rebelo de Sousa visita a cidade desde o início do mandato.

As festividades deveriam ter começado com o cumprimento oficial entre Porto e Vila Nova de Gaia, a meio da ponte Luís I. O que acabou por não acontecer, devido a um atraso de António Costa em Gaia. Rui Moreira foi receber o Presidente da República e decidiu não esperar pelo primeiro-ministro na ponte. Costa chegou com o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. Estava, do Porto, o vereador com o Pelouro da Habitação e Acção Social, Manuel Pizarro, com a tarefa de os receber. Houve direito a brinde com vinho do Porto. 

A caminhada pela ponte prossegue até à margem portuense num percurso em que não se livram de umas boas marteladas na cabeça. "Isto é por tudo o que fez até agora. Aí vai disto, tau, tau, tau", diz uma popular ao mesmo tempo que "martela" vigorosamente o primeiro-ministro, que carrega também um martelo verde e vermelho (não poderia deixar de ser). 

Mas se um é conhecido por furar os protocolos, ao outro o protocolo saiu furado. O caminho até ao Seminário Maior, local do jantar, deveria ser feito pelo Funicular dos Guindais. Mas uma avaria obrigou a uma mudança de planos que passou pela subida das escadas dos Guindais. Por ruelas íngremes, António Costa era cumprimentado a cada passo o que o obrigou a uma paragem no histórico Guindalense Futebol Clube para beber uma água. Houve tempo para beijos e abraços, fotografias e selfies, mais abraços e até para o primeiro-ministro aprender a dizer S. João em linguagem gestual.  

Assim foi a caminhada pela cidade numa arruada que parecia saída de um ambiente de campanha eleitoral. O presidente da Câmara do Porto e o bispo da cidade, António Francisco dos Santos, esperavam o primeiro-ministro à entrada do Seminário Maior, onde a comitiva se preparava para receber Marcelo Rebelo de Sousa.

"Este ano foi mais levezinho", diz António Costa ao chegar ao local. Bem menos do que as três horas que demorou no ano passado a atravessar a ponte e a chegar à Ribeira. Houve até uma certa repetição do caminho pelas escadas que o próprio fez no ano passado como secretário-geral e, este ano, como primeiro-ministro. 

"Marcelo, Marcelo, Marcelo" era o grito de ordem das pessoas à entrada do Seminário que pediam beijos e abraços e fotografias, muitas fotografias. Aos jornalistas, o Presidente da República disse que o S. João é uma "festa lindíssima, popular, que passou de geração em geração. Os mais jovens são mais frenéticos do que os mais antigos, mas a parte mais perigosa é que se vão sofisticando os martelos", brincou. Questionado sobre a quem daria uma martelada, Marcelo Rebelo de Sousa não teve dúvidas: "o Presidente da República dá afecto a todos os portugueses e portuguesas, não dá marteladas a ninguém". 

O jantar contou não só com a presença do primeiro-ministro, do Presidente da República e do presidente da Câmara do Porto, mas também do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, da líder do CDS-PP, Assunção Cristas, do bispo da cidade portuense, António Francisco, entre outras personalidades que lançaram um balão de S. João e tiveram vista privilegiada para o fogo de artifício da meia-noite.  

Porto e Gaia partilham, como é costume, o espectáculo (e as despesas) de 16 minutos de fogo-de-artifício. Um espectáculo marcado pelo rock e que fez o gosto ao ouvido dos amantes de AC/DC, Pink Floyd, Scorpions, Guns N’ Roses, Rolling Stones e Queens. A seguir,  Xutos & Pontapés saltam directamente para o concerto na sala de estar da cidade. E os Aliados ficaram lotados. 

Os turistas de fora e de dentro

Além dos turistas estrangeiros, também o país desagua nas ruas do Porto. É o caso de um grupo de 18 lisboetas de Oeiras e Cascais. "Viemos propositadamente ao S. João do Porto porque é uma festa muito interessante, divertimo-nos muito mais do que no Santo António", confessa Joana Canoa. E já não são estreantes nestas andanças. "É pelo menos a quinta vez que venho", continua Joana. "O Santo António é uma festa que não é tão bairrista. Não se está tão à vontade. É muito mais mundano, muito turista. Aqui as pessoas estão muito mais predispostas à diversão", explica. 

Entre a multidão que está no concerto de Xutos & Pontapés, há um grupo que chama a atenção pelas perucas roxas nas cabeças. Sete rapazes galegos, de Vigo, juntaram-se para a despedida de solteiro de Miguel. "Vou casar. Trouxeram-me para aqui ontem de manhã e estou encantado", conta. Impossível é também deixar de reparar que o galego tem uma camisola do Real Madrid vestida. E não falta a estrela do costume: Cristiano Ronaldo e o seu famoso grito "Tsuuuu". E os martelos na mão para não fugir à tradição.

Quem também foi ao concerto da Avenida foi Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Rui Moreira que furaram por entre a multidão e desceram da Sé aos Aliados. "Ó Marcelo, és lindo", gritavam os populares. "Obrigada pelas 35 horas", ouvia-se numa mensagem dirigida a António Costa. 

Assim se passou mais uma noitada de S. João, com o bailarico e a música popular portuguesa a entoarem em qualquer recanto da cidade da gente que sabe ser anfitriã e mostrar como se faz a festa.  

Texto editado por Ana Fernandes