Ensino superior: a continuação da política do preconceito
O ministro do Ensino Superior veio agora desdizer o que tinha dito antes. Primeiro, em reuniões com docentes de Institutos Politécnicos mostrou-se aberto a discutir a possibilidade de estes virem a conferir doutoramentos, exclusiva ou designadamente em áreas profissionais. Agora, de acordo com a comunicação social, veio dizer que não o pretende fazer.
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O ministro do Ensino Superior veio agora desdizer o que tinha dito antes. Primeiro, em reuniões com docentes de Institutos Politécnicos mostrou-se aberto a discutir a possibilidade de estes virem a conferir doutoramentos, exclusiva ou designadamente em áreas profissionais. Agora, de acordo com a comunicação social, veio dizer que não o pretende fazer.
Lamenta-se. Não só a contradição do ministro, como as justificações que terá apresentado. Segundo o PÚBLICO as mesmas assentariam na necessidade de “reforçar as missões especificas” de cada um dos subsistemas de ensino superior.
Nada me move contra o ministro por quem, aliás, tenho grande consideração pessoal e política, mas é tempo de dizer que já não há paciência para esta hipocrisia política. Afinal, basta perguntar: Em que é que o facto de realizar doutoramentos em áreas profissionais altera a “missão específica” do ensino superior politécnico? Tal facto não reforçaria essa tão propalada “missão específica”? Então a formação de carácter profissional se for curta reforça a “missão específica”, mas se for avançada, já não reforça? Nem sequer se esses programas de doutoramento forem em conjunto com uma universidade?
Bem menos preconceituoso se mostrou o presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3Es) que referiu não ver problemas à realização de doutoramentos pelos politécnicos, nas suas áreas de formação, desde que cumprissem os critérios de rigor adequados (supõe-se que semelhantes aos que são requeridos às universidades).
Como é evidente a qualquer alma de intenções transparentes, a realização de doutoramentos deve estar condicionada (como em regra em todo o mundo civilizado) ao cumprimento de critérios científicos e técnicos exigentes e rigorosamente definidos; e não somente a um qualquer preconceito sobre as instituições de ensino superior. Hoje, aliás, o país dispõe já de um dispositivo para avaliar cursos e formações no ensino superior, a A3Es, que, apesar de eventuais críticas, dá garantia de cumprimento dos critérios (a não ser que o ministro duvide disso).
Não se percebe, pois, a posição do ministro até porque há hoje provas concretas da inconsistência objectiva da mesma. A base SCOPUS constitui a maior base de dados de literatura científica a nível mundial. Nela podemos conferir o número de publicações científicas referenciadas por cada instituição, em cada ano. Assim e apesar de muitas publicações dos docentes e investigadores dos politécnicos serem contabilizadas nas universidades, em virtude de aqueles integrarem os centros de investigação destas, temos em 2015:
– Universidade de Évora (que tem diversos doutoramentos) - 451
– Instituto Politécnico do Porto (que não tem) – 564
– Universidade dos Açores (que tem doutoramentos) – 201
– Instituto Politécnico de Bragança (que não tem) – 239
– Universidade Católica (que tem doutoramentos) – 111
– Instituto Politécnico de Viseu (que não tem) – 113
– Universidade Lusófona (que tem doutoramentos) – 72
– Instituto Politécnico de Castelo Branco (que não tem) – 80
– Universidade Lusíada (que tem doutoramentos) – 15
– Instituto Politécnico da Guarda (que não tem) - 36
E a lista poderia continuar: Universidade da Madeira – 173 / Instituto Politécnico de Leiria – 183; Universidade Aberta – 111 / Instituto Politécnico de Setúbal 147; Universidade Fernando Pessoa – 101 / Instituto Politécnico de Viana do Castelo – 107.
Aliás, há, pelo menos, uma universidade (Lusíada - 15) que tem menos referências do que qualquer politécnico (incluindo os que têm menos, Santarém e Portalegre – 20).
Estes dados mostram bem o preconceito que tem orientado a política de ensino superior em Portugal. Esse preconceito é institucional, mas é também social, porque os politécnicos servem maioritariamente as regiões mais carenciadas e as classes sociais menos privilegiadas, como provam os números da acção social escolar. Os politécnicos têm sido de uma importância incalculável para a democratização da educação, para a coesão territorial e para a coesão social. E a resposta política tem sido quase sempre o preconceito, que, repito, não é só organizacional, é de natureza social.
Por isso é tão lamentável que este Governo o venha reproduzir.
Professor do ensino superior, membro da Comissão Nacional do PS, ex-secretário de Estado da Educação e do Emprego e Formação Profissional