Quem cuida dos trabalhadores/as do serviço doméstico?
Finalmente boas notícias sobre a protecção dos trabalhadores e trabalhadoras vulneráveis do serviço doméstico.
Cuidam das nossas crianças, de pessoas idosas, de quem vive com deficiência, e das nossas casas – mas será que estamos a cuidar devidamente destes/as trabalhadores/as?
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Cuidam das nossas crianças, de pessoas idosas, de quem vive com deficiência, e das nossas casas – mas será que estamos a cuidar devidamente destes/as trabalhadores/as?
Estima-se que trabalhadores e trabalhadoras do serviço doméstico ganhem em regra menos de metade do salário médio, e por vezes não mais do que 20 por cento. A duração do trabalho está entre as mais longas e imprevisíveis, e 90 por cento não tem acesso à protecção social, quer se trate de pensões de velhice ou de subsídios de desemprego.
Pelo menos 80 por cento destes/as trabalhadores/as do serviço doméstico são mulheres, o que significa que as mulheres são afectadas desproporcionadamente por estes défices de trabalho digno. O serviço doméstico representa também cerca de 4 por cento da mão-de-obra feminina. Na América Latina, por exemplo, 14 por cento do total das mulheres trabalhadoras assalariadas, encontram-se no serviço doméstico.
Este fenómeno tem também uma dimensão internacional – estudos recentes da OIT apontam para que 17 por cento do total de trabalhadores/as domésticos/as sejam migrantes.
Está em jogo o bem-estar de dezenas de milhões de trabalhadores/as do serviço doméstico e das famílias para quem trabalham. Estimativas recentes das Nações Unidas sobre a população e o envelhecimento confirmam que a procura de mão-de-obra para o serviço doméstico tem tendência para aumentar, devido ao envelhecimento da população, à redução das políticas públicas de cuidados e ao número crescente de mulheres a entrar para o mercado de trabalho em todo o mundo, fazendo depender as famílias cada vez mais do serviço doméstico para cuidarem das suas casas, dos/as filhos/as e de progenitores de idade avançada.
Embora muitas vezes escondidos, os/as trabalhadores/as domésticos/as são uma parte fundamental da economia de prestação de cuidados, pois fazem-no ao domicílio tanto na economia formal como na informal. Preocupadas com o custo e a complexidade do processo de formalização, muitas pessoas evitam-no, o que se traduz em níveis elevados de emprego informal e trabalho não declarado.
Embora estes problemas não sejam novos, considero muito encorajadora a forma extremamente positiva como a nível mundial os decisores políticos responderam a este desafio.
A OIT adoptou há cinco anos a Convenção (N.º189) relativa ao Trabalho Digno para as Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Doméstico, e a Recomendação que a acompanha. Estas são as primeiras normas internacionais sobre o Trabalho Digno para Trabalho Doméstico, com o objectivo precisamente de alargar a protecção e os direitos fundamentais aos 67 milhões de trabalhadores/as doméstico/as a trabalhar em casas particulares no mundo. O facto de a Convenção ter sido adoptada quase por unanimidade pelos Estados-membros é o reconhecimento de que, apesar da oferta de serviços inestimáveis às famílias e sociedades na economia de cuidados, estes/as trabalhadores/as sofrem graves discriminações relativamente às condições de trabalho e direitos humanos.
A resposta que se seguiu por parte dos países em todo o mundo foi impressionante, com reformas das políticas e alterações legislativas em curso.
A OIT estimava em 2010 que, tal como os/s demais trabalhadores/as, só 10 por cento dos/as trabalhadores/as domésticos/as tinham cobertura da legislação do trabalho. Desde 2011 mais de 70 países adoptaram medidas para lhes garantir um trabalho digno. Destes, 22 ratificaram a Convenção, outros 30 levaram a cabo alterações legislativas e das políticas, e pelo menos outros 30 comprometeram-se a alargar a protecção a trabalhadores/as domésticos/as. A OIT associou-se aos constituintes (governos, organizações de empregadores e organizações de trabalhadores) de 60 destes países, apoiando-se na sua vasta experiência para reforçar as capacidades numa grande diversidade de áreas de políticas.
Embora estas medidas representem os primeiros passos de um longo caminho a percorrer para combater uma longa tradição de exclusão, ainda não são suficientes para responder aos desafios da protecção de trabalhadores/as do serviço doméstico. Os meios de comunicação não param de denunciar casos de exploração e abusos. As estatísticas que citei anteriormente falam por si em muitos aspectos.
As Nações Unidas ao adoptarem os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável, comprometeram-se a não deixar ninguém para trás. Relativamente aos direitos ao Trabalho Digno para Trabalho Doméstico, tivemos um bom começo. Mas esta tarefa para garantir um progresso real merece uma atenção constante. Se queremos verdadeiramente alcançar os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável de redução da pobreza, de igualdade e de trabalho digno para todos/as, especialmente para as mulheres, é essencial corrigir os défices de trabalho digno no serviço doméstico.
A OIT pela sua parte irá continuar a trabalhar em parceria com os governos, trabalhadores, empregadores e comunidade internacional para prolongar este momento positivo e assegurar que em 2030 o trabalho digno a que todos/as estes/as trabalhadores/as têm direito se torna uma realidade.
Director-Geral da OIT, Organização Internacional do Trabalho