Morreu o designer Carlos Rocha, figura “ímpar do design português”

Membro da geração que contribuiu para a consolidação do design em Portugal antes e depois do 25 de Abril, criou identidades para a EDP, campanhas para a TAP, logos de bancos e marcou a cultura visual do país.

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Deu potência internacional à EDP, voou com a TAP e desenhou identidades essenciais do século XX português, da banca às ceras passando pela estatística. O designer Carlos Rocha morreu terça-feira em Azeitão aos 73 anos e é lembrado como uma figura “ímpar do design português” pelo investigador José Bártolo, alguém que “fazia com que o design fosse um elemento essencial na requalificação e no bom funcionamento das marcas”, para a directora do Museu do Design Bárbara Coutinho.

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Deu potência internacional à EDP, voou com a TAP e desenhou identidades essenciais do século XX português, da banca às ceras passando pela estatística. O designer Carlos Rocha morreu terça-feira em Azeitão aos 73 anos e é lembrado como uma figura “ímpar do design português” pelo investigador José Bártolo, alguém que “fazia com que o design fosse um elemento essencial na requalificação e no bom funcionamento das marcas”, para a directora do Museu do Design Bárbara Coutinho.

Carlos Rocha, que estava doente há algum tempo, segundo informou a família ao PÚBLICO, faz parte da segunda vaga de designers que contribuíram para a consolidação da actividade em Portugal, profissionais que viram passar o Estado Novo e a Revolução, a União Europeia e as respectivas mudanças do mercado. Prémio Nacional de Design - Design Gráfico em 1990, foi também um activo no desenvolvimento da publicidade portuguesa. Teve, diz Bárbara Coutinho, um “papel fundamental na cultura visual” portuguesa.

Além de campanhas e anúncios que desenhou para a TAP (1969), Rocha criou o tabuleiro e loiça de bordo da companhia aérea de 1983, ou a linha gráfica de medicamentos como o Voltaren, rótulos de vinhos para a Caves Velhas ou as marcas Novycera e Splendor (1982)  – um detergente e uma graxa que se popularizaram na década de 1980 e para as quais criou toda a imagem, embalagens e publicidade. Objectos, letras e imagens no subconsciente e no dia-a-dia daquele Portugal. Mas foi a identidade corporativa o campo que mais trabalhou e onde se destacou. Logotipos duradouros como o do antigo Banco Comercial Português (1982) ou das Tintas Sotinco (anos 1990), bem como o logo-símbolo da Bolsa de Valores de Lisboa (1990) ou do Banif (1989) fazem parte do seu portefólio.

E depois há a EDP, que “trabalhou a fundo”, diz Bárbara Coutinho sobre a imagem que criou e que substituiu em 1993 a firmada por José Santa Bárbara em 1976. A nova EDP, privatizada, cotada em bolsa, internacional, queria uma imagem completa, pensada não só no símbolo mas nas suas aplicações tridimensionais no equipamento. Carlos Rocha resumiu-a em três pétalas enroladas como a boca de uma turbina e em três letras do tipo Helvetica oblíqua, após um longo estudo. Três anos antes, projectara o esquemático símbolo para o Instituto Nacional de Estatística (INE) no mesmo ano em que recebia o seu mais importante prémio em solo nacional. O logo do INE, um I e um N que suportavam o E como uma prateleira de livros, foi feito em apenas 15 dias e vigoraria quase 20 anos – o actual logo é herdeiro da versão de Carlos Rocha.

“Tem uma obra vastíssima, sobretudo como designer gráfico mas também como designer de produto. É uma grande perda”, postula Bárbara Coutinho, que para o Museu do Design e da Moda (Mude) preparava o levantamento do espólio de Carlos Rocha, negociando a doação de parte do seu acervo, e planeia uma exposição monográfica dedicada ao designer para a sua reabertura (após as obras de requalificação) em 2017.

Carlos Rocha era membro de uma família de designers e das artes gráficas – o tio era José Ferrer Rocha e o pai Carlos Rocha Pereira, autor de anúncios para os gelados Rajá, cabeçalhos do Diário Popular ou de capas para obras essenciais como Guerra e Paz de Tolstoi. Também o filho, João Carlos Rocha, é designer. É ele que recorda que foi o contacto permanente no ambiente familiar com as artes gráficas que o orientou para o design. André Daniel, autor de Design de Identidades Corporativas do Designer Carlos Rocha (mestrado) escreve que esse contacto “lhe serviu de principal orientação para a sua formação em design e aos 14 anos já concebia stands, especialmente durante as férias, enquanto estava no atelier Zeiger”.

“Como o meu pai trabalhava em casa eu nunca pensei ser outra coisa, por mera imitação”, admitiu Carlos Rocha em 2008, entrevistado por Victor Marinho de Almeida para a tese de doutoramento O Design em Portugal, um Tempo e um Modo - A institucionalização do Design Português entre 1959 e 1974. Uma criança ávida por ler as revistas Graphis (que viria a coleccionar) e os livros para os quais o pai fazia a capa, essa publicação-chave “e o grafismo suíço foram das coisas que mais me marcaram” desde a década de 1950, diz na mesma conversa com o investigador, citando ainda a influência de Victor Palla, António Garcia, Daciano Costa e Sebastião Rodrigues. Frisa sempre que a sua “cultura gráfica é muito mais visual que teórica”.

Começou a trabalhar com Eduardo Anahory no início da década de 1960 como muitos designers da era da afirmação da disciplina em Portugal: na arquitectura, num projecto de hotelaria, o Hotel Porto Santo. Contudo, Anahory era também um homem de tinha múltiplos interesses e gestos informados pelas artes. Fundou a agência Marca (Centro Técnico de Desenho Industrial e Propaganda), onde Carlos Rocha seria director de arte entre 1963 e 69. É na Marca e, depois, na Letra Design, fundada em 1972 por Carlos Rocha, que se desenvolve grande parte do seu trabalho – e na identidade corporativa. São duas agências “que contribuíram para o desenvolvimento da publicidade” em Portugal, diz Bárbara Coutinho, que lembra que Carlos Rocha trabalhava com o escritor e copywriter Orlando da Costa (pai do primeiro-ministro António Costa).

Professor convidado na Faculdade de Arquitectura (2004-8) e na Escola Superior de Tecnologias e Artes de Lisboa (2006), teve um papel importante na cultura associativa do país. Foi membro da direcção do Clube dos Publicitários e um dos fundadores da Associação Portuguesa de Designers (1976), de cuja direcção também foi membro até 2005.  

O filho recorda: “Manteve-se, praticamente até ao momento da sua morte, como activo director criativo na Letra Design”.