“O Alojamento Local já representa um terço da capacidade de turismo em Lisboa”
Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, receia que as alterações à lei prometidas pelo Governo possam limitar a actividade.
Numa altura em que o arrendamento de curta duração a turistas se assume como uma opção cada vez mais utilizada por quem viaja, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) ainda está a aguardar resposta da Confederação do Turismo de Portugal para poder ter um lugar na principal organização do sector. O tema tem provocado discussões acesas e, sobretudo em Lisboa, levanta receios de descaracterização dos bairros mais típicos. Eduardo Miranda defende que é preciso dialogar e desfazer mal-entendidos. E recusa que o Alojamento Local (AL) seja a causa de todos os males. Sobre as alterações à lei, já prometidas pelo Governo, não esconde o receio de “detalhes técnicos” se transformarem em barreiras a este negocio.
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Numa altura em que o arrendamento de curta duração a turistas se assume como uma opção cada vez mais utilizada por quem viaja, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) ainda está a aguardar resposta da Confederação do Turismo de Portugal para poder ter um lugar na principal organização do sector. O tema tem provocado discussões acesas e, sobretudo em Lisboa, levanta receios de descaracterização dos bairros mais típicos. Eduardo Miranda defende que é preciso dialogar e desfazer mal-entendidos. E recusa que o Alojamento Local (AL) seja a causa de todos os males. Sobre as alterações à lei, já prometidas pelo Governo, não esconde o receio de “detalhes técnicos” se transformarem em barreiras a este negocio.
Num recente inquérito que a ALEP fez aos seus associados em duas freguesias de Lisboa, conclui-se que o perfil-tipo do empresário que aluga a casa a turistas é o de um pequeno proprietário. Até que ponto este retrato representa o perfil nacional de quem está a investir no Alojamento Local (AL)?
O perfil do empresário de Lisboa não foge muito do perfil nacional, que é essencialmente formado por particulares que têm no máximo até três apartamentos (no caso de Lisboa, 90% têm até três apartamentos).
São pessoas que tinham casas e começaram a rentabiliza-las desta forma.
Depende do perfil. Há emigrantes que estão fora, pessoas que têm uma segunda casa em Lisboa, outras que compraram casa no centro histórico e que se mudaram porque a família cresceu. Quando falamos na zona litoral a realidade é outra. Neste caso, a maioria tem uma segunda casa e este retrato ainda representa 65% do AL.
A maior parte das casas para arrendamento de curta duração continua a estar no Algarve.
Sim, e em todas as regiões com praia. O Algarve pesa mais de 50%.
Qual é o nível de profissionalização de quem gere este tipo de alojamento? Já passámos a fase amadora e não declarada?
Há dois aspectos que têm de ser separados. Um tem a ver com a parte burocrática porque, quer se queira, quer não, a lei tornou-nos empresários. É uma actividade micro complexa, que envolve ligações a fornecedores internacionais. Implica saber como se cobra o IVA ou outros aspectos contabilísticos que acabam por tornar as pessoas mais profissionais. Há um outro aspecto que tem a ver com o profissionalismo na prestação do serviço ao hóspede. Sempre houve uma proximidade grande entre o proprietário e o hóspede e, por exemplo, em Lisboa, 68% dos proprietários recebem pessoalmente o hóspede. A esse nível penso que estamos bastante bem em termos de serviço de turismo. Ao contrário do que se passa aqui, lá fora a maior parte das pessoas não entrega directamente as chaves ao hóspede.
É essa relação de proximidade que vos diferencia da hotelaria tradicional?
Tem a ver com questões culturais. A maior parte dos portugueses gosta de receber e de servir. Lisboa e Porto têm um ambiente concorrencial, com boa qualidade de imóveis. E isso implica que, por exemplo, quando tenho uma casa que não tem terraço ou piscina ou nada que a diferencie, preciso de compensar de outra forma, nomeadamente, com a qualidade do atendimento.
Mais do que com os hotéis, concorrem com outros apartamentos de AL?
O AL não tem qualquer objecção contra a hotelaria. O contrário pode acontecer porque esta é uma actividade nova. Mas as estatísticas mostram que os hotéis estão a crescer em no indicador de receitas por quarto, o que significa que estamos a conseguir conviver bem. É verdade que entendemos mais como concorrentes as outras casas de arrendamento de curta duração, mas há um espírito muito colaborativo. As pessoas ajudam-se, esclarecem dúvidas nas redes sociais, participam em seminários. São concorrentes, mas a relação é de um para quatro mil.
Há turistas para todos e isso ajuda?
Há, mas é mais a fragmentação deste negócio. Encaramo-nos mais como colegas com problemas semelhantes do que como concorrentes que nos vão roubar o cliente.
Há os pequenos proprietários mas também há os investidores estrangeiros. Estão ambos representados na ALEP?
O sector é diversificado. O AL inclui os hostels ou a realidade do Algarve que não tem nada a ver com a de Lisboa e Porto. A questão do alojamento no centro urbano é a mais quente nesta fase, mas representamos todos, pequenos, médios e grandes. Não fazemos essa divisão entre os estrangeiros grandes e os pequenos porque, na verdade, a maior parte dos investidores estrangeiros são de pequena dimensão. Na verdade, os estrangeiros hoje estão a ter um peso importante no mercado imobiliário e o seu objectivo não é o AL, nem a suposta rentabilidade. Os portugueses estão mais a olhar para isso. Há um ou outro que têm maior capacidade de compra e compram um prédio, mas são perfis diferentes. A maior parte está ausente, é residente não habitual ou têm vistos gold e delega a gestão em terceiros. Alguns destes gestores têm ou trabalham para empresas grandes e o regista fica, muitas vezes, em seu nome, quando na verdade são apenas prestadores de serviço. Na associação temos vários destes gestores.
Mas a presença destes gestores está a aumentar?
Têm um papel importante especialmente para quem está ausente, não só os estrangeiros como os portugueses que emigraram. Em Lisboa, apenas 1,5% a 2% dos titulares têm mais de dez registos. Mais do que 20 registos são 0,7%. É um grupo de proprietários que representa não mais do que 6% da oferta. É aqui que estão os que criaram um nicho novo, o dos service apartments. Estão num limite entre hotelaria e o AL individual e encontraram um meio-termo para os clientes que não querem spa ou piscina, mas procuram um ambiente mais próximo de um hotel. São cerca de 19, 20 prédios em Lisboa, 266 apartamentos, mas têm grande visibilidade nas ruas. Há dois ou três que são geridos por gestores.
Significa que à boleia do AL estão a crescer outros negócios de apoio e prestação de serviços?
Sim. Normalmente é um contrato anual, é ele quem decora, quem detém o imóvel, quem define o preço. Os maiores gestores estão relacionados a empresas de AL. No Algarve a realidade é diferente, estão associados até a operadores turísticos. Há ainda quem tenha vindo do imobiliário. Um dos grandes erros desta área é encará-la como uma alternativa à actividade imobiliária tradicional de arrendamento. Não é. Criaram-se produtos para vender a estrangeiros, que incluem uma componente adicional de gestão do imóvel para AL. São adaptações de outros sectores, que respeitamos, mas temos de garantir que o espírito de receber bem se mantenha. Se for mal medido, e se a promessa de rentabilidade não se cumprir, os proprietários vão procurar outros gestores. Criou-se este formato de facilitador de venda. Tem sido uma muleta importante para os promotores imobiliários encontrarem clientes, sempre na faixa dos 10 a 20 apartamentos.
Que motivos levam os turistas a procurar casas particulares em vez de hotéis?
Um dos mitos é achar que o AL é alojamento low cost. Há poupanças, sim, se se tratar por exemplo de um grupo ou uma família, mas a questão principal tem a ver com o objectivo da viagem. Não existe um grupo de viajantes low cost que só fica em apartamentos. Para cada viagem vão escolher o tipo de alojamento que faz mais sentido. Cada operador tem um mercado, de acordo com o tipo de viagem e hoje isso está a mudar muito no turismo. As variáveis hoje são muito mais emocionais, a motivação de uma viagem é muito emocional.
Há inúmeras vozes de preocupação sobre os efeitos do aumento do turismo. Tendo em conta que os turistas escolhem os centros históricos pelas suas características, não teme que este crescimento acabe por desvirtuar o próprio produto turístico em que se suporta o AL?
Esse é um debate importante, mas a forma como está a ser feito (com argumentos a favor ou contra) não permite usá-lo como vantagem estratégica. Ou seja, reflectir sobre o que está a ter sucesso e o que podemos fazer para o manter, sem estragar. Há uma grande dificuldade de diálogo porque se está a extremar as posições. O crescimento do turismo causa impacto? Claro, ainda mais em cidades com grande concentração dos pontos de interesse no centros históricos. Criar outros pontos de atracção é um dos grandes desafios. Vamos ter em breve os cruzeiros a chegar e há um fluxo, quase normal, de meia dúzia de ruas onde se concentram mais turistas. Isso causa impacto nos habitantes.
Mas está a haver uma descaracterização?
Bom, essa discussão tem de ser feita com mais calma. Do ponto de vista estético, o centro histórico está protegido. Se se fala de uma descaracterização face há oito anos, sim. Nessa altura o que havia era uma cidade fantasma e abandonada. Hoje temos os mesmos prédios mas recuperados. O centro histórico está bonito, ninguém pode negar. Em relação aos habitantes é preciso monitorizar. Há uma pressão imobiliária, os preços estão a subir, mas é preciso entender porquê. É um problema global de habitação. O AL tem impacto no centro histórico, mas fora dele só representa 5% das habitações. Não é lá que querem estar os turistas.
E os preços?
Os preços estão a subir porque há falta de arrendamento. E não é porque as casas estão a ser usadas para AL: no último ano houve, sim, uma explosão de aquisições por parte de estrangeiros com grande capacidade financeira, como resultado de um programa de captação de investimento que deu certo. Não foi casual. Foi um programa do Governo, aliado a uma estratégia de marketing forte das imobiliárias, que conseguiu trazer investimento, especialmente dos Residentes Não Habituais. Os vistos gold também, mas na área do alojamento têm um papel residual. O regime dos residentes não habituais tem trazido franceses e belgas que adoram fazer recuperação de casas. São duas mil compras o ano passado no centro histórico: para nós é caro, para eles é uma pechincha. Não compram porque o AL é o el dorado. Compram porque foi criado um regime com benefícios fiscais interessantes e a imagem de Portugal está muito positiva. Vêem-no como um país seguro, acessível para as suas reformas e tranquilo, onde podem comprar uma casa muito melhor e barata.
E os proprietários portugueses?
Os que viveram com as mesmas rendas durante 40 ou 50 anos, agora com a Lei das Rendas (que foi o princípio de tudo), estão a olhar para o que cobram. Com a procura de casas a aumentar, muitos estão a optar por vender. Isto passou-se no último ano. Quem liberta os imóveis está a vender. Claro que cria pressão e os preços podem manter-se difíceis para os compradores nacionais e mais tradicionais.
É preciso fazer algo para conter esse aumento dos preços?
Essa pressão sobre os preços tem mais a ver com a compra dos estrangeiros. Vamos culpá-los? Não. Estão a responder a um apelo nosso e estão a fazer o que nunca se conseguiu: trazer dinheiro para a reabilitação. A primeira reacção que se tem é querer proibir tudo, proibir a hotelaria, proibir o AL. Mas acham que os estrangeiros vão deixar de comprar se proibirem o AL? Chegam a obter poupanças de mil euros por mês com o regime especial... Temos de pensar como usar este fluxo financeiro para algo que possa ser mais interessante para a cidade. E para isso é preciso falar com todas as partes, avaliar, monitorizar.
Estão a dialogar com outras associações e com o Governo?
Neste momento estamos a estudar o assunto e a conversar com todos. E muitas vezes percebemos que há pontos em comum e muitos mal entendidos. Por isso, nesta fase, não temos como objectivo trazer uma solução já pronta mas ouvir e explicar. Porque há um estereótipo completamente errado em relação ao AL. Estamos tentar marcar o máximo de reuniões possível com todos. Queremos ser construtivos neste processo.
O Governo já disse que ia mexer no regime jurídico, nomeadamente no que toca à “monitorização e sã convivência entre os vários tipos de oferta turística”. Têm receio do que possa vir a ser alterado?
Temos receio. Não pela linha e orientação do Governo. Todos os regimes novos têm coisas para afinar, mas o nosso grande receio é que essas correcções sirvam de oportunidade para colocar barreiras. Algumas podem parecer pequenas questões técnicas mas são estratégias de criar barreiras concorrenciais puras.
A hotelaria defende que o registo de uma casa em AL devia ser autorizado pelo condomínio...
De repente a hotelaria do mundo inteiro está preocupada com os condóminos. Essa questão tem sido muito falada em Espanha. E é o vírus mais tóxico que se pode colocar e que passa como algo normal. A estratégia é simples: primeiro cria-se o medo (segurança, ruído, etc) e fala-se com a imprensa. Depois, o assunto desaparece mas começa a ganhar vida própria porque é absorvido. Hoje vejo os partidos de esquerda a absorver o discurso da hotelaria.
Segundo noticiou o Jornal de Negócios, em cima da mesa está acabar com as diferenças de tratamento no IRS e IRC entre senhorios com imóveis no alojamento local e no mercado habitacional. É um entrave?
A discussão como está a ser feita é errada e não faz sentido. Esta comparação, aliás, demonstra o grande desconhecimento sobre o AL, que é uma actividade de prestação de serviços muito exigente, com uma enorme lista de custos associados como qualquer actividade empresarial. O arrendamento tradicional é um rendimento passivo de património . Achar que prejudicar uma actividade empresarial nova e estratégica para o país ajuda a incentivar o arrendamento é um erro duplo. Um aumento de impostos seria também um retrocesso gigantesco no processo de legalização de uma actividade que viveu na economia paralela durante décadas e agora começa a pagar impostos. Além disto, o AL está incluído na categoria da "hotelaria, restauração e similares". Portugal é talvez um dos únicos países no mundo onde isso acontece e é justo para todos. Alterar a taxa do AL seria grave pois iria criar uma situação de concorrência injusta e em prejuízo da parte mais fraca já que 90% são micro proprietários.
Pediram à Confederação do Turismo para fazerem parte da estrutura. Já tiveram resposta?
Estávamos na expectativa de o pedido ter sido aprovado na última reunião mas a decisão foi adiada. Um sector que hoje em Lisboa, pelas nossas estimativas, já representa um terço da capacidade de alojamento de turistas, que tem um papel importante, que está a legalizar-se, que está à frente dos outros países, faz parte do turismo. É, no mínimo, de direito sermos associados da CTP. A confederação é o grande espaço de debate e queremos fazer parte dela.