Eles são o povo de Boris e querem “salvar a democracia” britânica
A campanha para o referendo recomeçou em tom mais moderado, mas com as bandeiras de sempre. Apoiantes da saída da UE desdenham alertas para os riscos económicos da ruptura
O tempo está a esgotar-se para convencer os indecisos e, depois de três dias de paragem forçada, a campanha para o referendo britânico à União Europeia recomeçou em força, com o primeiro-ministro, David Cameron, a avisar que esta é uma “decisão sem volta atrás” e os defensores do “Brexit” a apontarem para o futuro promissor que o país tem à sua espera. Mas há os que não precisam de ser convencidos nem mobilizados, como as centenas que neste domingo se juntaram num edifício histórico na margem do Tamisa para ouvir Boris Johnson, o líder da campanha a favor da saída, com quem partilham slogans e o mesmo desdém pela UE, uma instituição que, repetem à exaustão, “não é democrática”.
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O tempo está a esgotar-se para convencer os indecisos e, depois de três dias de paragem forçada, a campanha para o referendo britânico à União Europeia recomeçou em força, com o primeiro-ministro, David Cameron, a avisar que esta é uma “decisão sem volta atrás” e os defensores do “Brexit” a apontarem para o futuro promissor que o país tem à sua espera. Mas há os que não precisam de ser convencidos nem mobilizados, como as centenas que neste domingo se juntaram num edifício histórico na margem do Tamisa para ouvir Boris Johnson, o líder da campanha a favor da saída, com quem partilham slogans e o mesmo desdém pela UE, uma instituição que, repetem à exaustão, “não é democrática”.
São o povo de Boris. Londrinos muitos deles, gente bem na vida e gente remediada. Activistas de cartazes na mão e t-shirt no corpo, mas também muitos apoiantes discretos, que nem um pin trazem na lapela a mostrar o voto que já têm decidido na cabeça. Há os excêntricos, claro, não estivesse o Old Bilingsgate Market, o local escolhido para o primeiro comício após o assassínio da deputada Jo Cox, situado no coração de Londres, com a City ali ao lado. E nenhum é mais excêntrico do que Gloria Martin, apoiante do partido antieuropeu UKIP, que há anos se veste dos pés à cabeça para exigir o referendo que finalmente se aproxima. “Espero que este comício seja um segundo começo para a campanha e que nos permita recuperar o impulso”, diz, exibindo fato e gravata de um vermelho vivo, cabelo, baton e sapatos da mesma cor.
A morte da deputada trabalhista, às mãos de um homem com ligações a grupos racistas, fez mais do que suspender as acções de campanha. Neste domingo, políticos que lutam em lados opostos da barricada condenaram o cartaz, divulgado quinta-feira pelo UKIP, que mostrava uma multidão de refugiados por baixo da inscrição: “À beira do colapso”. Prometeram moderação, depois de semanas em que trocaram acusações e insultos. Mas nem os argumentos nem as estratégias mudaram – as sondagens mostram o país dividido literalmente ao meio e cada voto promete ser disputado até ao fim.
“Imaginem o terrível choque de acordarem sexta-feira e descobrirem que permanência ganhou por pouco […] Imaginem o terrível sentimento de que perdemos a fantástica oportunidade de abandonar uma organização que é incontrolável, que não é democrática nem reformável”, disse o antigo mayor de Londres aos apoiantes, num discurso em que sugeriu que o país poderia ser obrigado a aderir ao euro (hipótese que nem o Bundesbank sonha) e teria de continuar a entregar 350 milhões de libras por semana à UE (estatística que os organismos oficiais há muito desmentiram).
Na rua, à entrada para um comício que até à última hora foi mantido em segredo e que só abriu portas a quem trazia convite, os apoiantes estão em sintonia. “Aconteça o que acontecer este referendo será histórico. Se sairmos, temos a oportunidade de mudar para melhor. Se ficarmos será o desastre”, garante David Tennant, um editor londrino, antes de repetir a já célebre frase de Johnson: “Adoro os europeus e a Europa, mas odeio a UE”. Irrita-o que quem manda em Bruxelas – o presidente do Conselho Europeu, os membros da Comissão – não sejam eleitos nem possam ser afastados pelo voto popular, ao contrário do que acontece com qualquer deputado britânico. “O que eles querem é uma espécie de federação, um país chamado Europa”, avisa.
“Oportunidade de crescimento”
Num artigo publicado no Sunday Times, Cameron voltou a insistir que a decisão que os britânicos têm em mãos vai muito mais além do que qualquer eleição legislativa. “É o futuro do país que está em causa”, escreveu o líder conservador, avisando que “não haverá volta atrás” se os eleitores decidirem sair e que os previsíveis cortes nas exportações e no investimento vão “empobrecer o país de forma permanente”. Vilipendiado por no início da semana ter sugerido que a saída da UE obrigará à aprovação de um orçamento de emergência, o ministro das Finanças, George Osborne, repetiu na televisão ITV que a recessão “será ainda pior do que as previsões” dos economistas.
Mas para os apoiantes da saída são apenas tácticas para amedrontar. “Por cada alerta sobre a saída nós vemos uma oportunidade de crescimento. A campanha pela permanência tornou-se histérica”, diz Mandy Harrison-Allen, que veio ao comício com a amiga Nicky Philipps.
A primeira é uma convertida recente, a segunda garante ser “eurocéptica há mais de 30 anos”, mas concordam ambas sobre os motivos que as levam até ali. Há anos que Bruxelas “tenta negociar um acordo de comércio com os EUA e continua a ser travada pelos gregos, por causa do queijo, e pelos franceses, que estão preocupados com o champanhe”, diz Philipps, acreditando que fora da UE Londres “vai poder negociar com toda a gente”.
Mas mais do que a economia, acrescenta, o que a mobiliza é a recusa de uma instituição que diz ser expansionista e antidemocrática. “Os meus pais votaram a favor da permanência no referendo de 1975. Estávamos muito contentes com o mercado comum, mas depois a CEE transformou-se na União Europeia”, uma instituição em que “quem manda não é eleito”. “Nós temos a mais antiga democracia parlamentar do mundo. Pode não ser perfeita mas é a melhor garantia de estabilidade.”
Tenant, Harrison-Allen e Philipps estão na faixa etária que as sondagens indicam como mais favorável à saída da UE. Mas nos comícios, nas ruas, nos fóruns há muitos jovens que não se revêem no projecto europeu. “O debate é muito complicado e nenhum dos dois lados tem sido muito bom a apresentar os seus argumentos, por isso, muitos jovens preferem ser cautelosos e votar naquilo que conhecem”, diz Richard Lewis, de 34 anos. Admite que os eleitores mais novos “estão muito divididos”, mas garante também ter “muitos amigos estrangeiros, alguns até de Leste, que dizem que gostariam que o ‘Brexit’ ganhasse”.
Também ele não acredita nas previsões sombrias – “a UE está sempre a avisar-nos para o aumento do desemprego, mas o desemprego é um grande problema na Europa continental” – e diz que, mesmo que a economia se venha a ressentir da ruptura, “o Reino Unido já enfrentou muitas situações difíceis no passado e no final ficou sempre melhor”.
E depois há a imigração, a bandeira que mais votos promete aos partidários do “Brexit”, mas que agora quase queima nas mãos de quem até aqui a empunhava. Michael Gove, um dos seis membros do Governo conservador em campanha pela saída, disse neste domingo à BBC “ter tremido” quando viu o cartaz do UKIP. No comício em Londres, Johnson assegurou que nunca foi contra a entrada de imigrantes e defendeu mesmo “uma amnistia para os ilegais que estão no país há mais de 12 anos”.
Mas os slogans não caíram e repetem-se entre os apoiantes: “Ninguém quer expulsar os imigrantes, queremos apenas controlar as nossas fronteiras e decidir quem entra”, assegura Nicky Philipps, porque, acrescenta, David Tenant, “a imigração tal como está é financeiramente insustentável”.