Do Congresso brasileiro, um recado: Eduardo Cunha já não manda aqui
O principal responsável pelo impeachment da Presidente está a ser alvo de um processo semelhante na Câmara dos Deputados, que comandou até há pouco mais de um mês. Pedidos de prisão de Renan Calheiros, José Sarney e Romero Jucá negados.
Muitos brasileiros – três quartos, a acreditar nas sondagens – esperaram por esse momento nos últimos oito meses: uma comissão de ética parlamentar votou nesta terça-feira a favor da demissão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ter ocultado e mentido sobre o facto de possuir contas bancárias secretas na Suíça que, segundo o Ministério Público, foram alimentadas com dinheiro desviado do esquema de corrupção na Petrobras. Apesar de nem todos os analistas estarem prontos para decretar a morte política de Eduardo Cunha, a votação de terça-feira parece sinalizar o princípio do fim da impunidade do mais poderoso político de Brasília, que é alvo de múltiplos processos de investigação no Supremo Tribunal Federal por suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro.
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Muitos brasileiros – três quartos, a acreditar nas sondagens – esperaram por esse momento nos últimos oito meses: uma comissão de ética parlamentar votou nesta terça-feira a favor da demissão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ter ocultado e mentido sobre o facto de possuir contas bancárias secretas na Suíça que, segundo o Ministério Público, foram alimentadas com dinheiro desviado do esquema de corrupção na Petrobras. Apesar de nem todos os analistas estarem prontos para decretar a morte política de Eduardo Cunha, a votação de terça-feira parece sinalizar o princípio do fim da impunidade do mais poderoso político de Brasília, que é alvo de múltiplos processos de investigação no Supremo Tribunal Federal por suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro.
Depois de oito meses em que Cunha e os seus aliados no Congresso fizeram todo o tipo de manobras para atrasar e obstruir os trabalhos da comissão de ética, muitos observadores esperavam que a votação fosse favorável ao presidente da Câmara dos Deputados. O resultado foi renhido – 11 votos a favor e nove contra –, com a surpresa de os votos decisivos terem vindo de duas figuras aliadas de Cunha. Uma foi a deputada baiana Tia Eron, evangélica filiada no PRB, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Tia Eron (o “tia” vem dos seus tempos de professora da Escola Bíblica da Igreja Universal do Reino de Deus) terá sido colocada na comissão de ética com a missão de ajudar a salvar Cunha. Na semana passada, teve os seus 15 minutos de fama, quando faltou à sessão da comissão de ética que deveria decidir o destino de Cunha. A sua ausência, que pareceu uma acção deliberada para proteger o presidente da Câmara dos Deputados, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. Na sessão de terça-feira, a deputada manteve o suspense até ao último minuto e, num discurso inflamado, comparou o processo de Cunha na comissão de ética a uma gravidez, por ter durado quase nove meses, e disse que era preciso uma mulher para decidir. “Por isso chamam: ‘Cadê Tia Eron?’ Para resolver o problema que os homens aqui não conseguem resolver. Já que é para resolver, para decidir, eu vou resolver", afirmou. O seu voto foi aplaudido por adversários de Cunha que ergueram cartazes onde se lia “Antes tarde do que Cunha!” ou “Justiça!”
Outro deputado que parece ter mudado de posição foi Wladimir Costa, do partido Solidariedade, dirigido por um dos maiores aliados de Cunha, Paulinho da Força. Costa votou contra Cunha, apesar de antes ter elogiado o presidente da Câmara dos Deputados no seu discurso, dizendo que ele tinha prestado um grande serviço à nação ao accionar e conduzir o processo de impeachment (destituição) da Presidente Dilma Rousseff. Depois de declarar que o Partido dos Trabalhadores (PT) era um partido de ladrões e de “gente vagabunda”, Wladimir Costa envolveu-se numa troca de gritos e acusações com dois deputados do PT, o que quase levou à suspensão da votação.
Ironia do destino
Eleito presidente da Câmara dos Deputados em Fevereiro de 2015, à revelia de Dilma Rousseff e do seu partido, Eduardo Cunha foi afastado a 5 de Maio pelo Supremo Tribunal, que considerou que o congressista usou o seu poder político para interferir e dificultar as investigações da operação Lava-Jato contra ele. Mas Cunha não perdeu o cargo definitivamente. A palavra final cabe à Câmara dos Deputados – que dirigiu até há pouco mais de um mês – onde a revogação do seu mandato terá de ser aprovada em plenário, por uma maioria simples de 257 deputados.
Na terça-feira, os membros da comissão de ética limitaram-se a aprovar um relatório favorável à expulsão de Cunha por quebra do decoro parlamentar, alegando que ele mentiu a uma comissão de inquérito parlamentar que investigou o escândalo de corrupção na Petrobras ao dizer que não era detentor de contas no estrangeiro. O Ministério Público suíço veio desmentir Cunha, revelando que era o titular de várias contas naquele país que somavam aproximadamente cinco milhões de dólares, valor que procuradores brasileiros acreditam ter origem no esquema de corrupção da Petrobras. "Estamos diante do maior escândalo que esse colegiado já julgou", disse o deputado Marcos Rogério, autor do relatório aprovado pela comissão de ética.
Por uma espécie de ironia do destino, Cunha, que foi o principal responsável pelo impeachment de Dilma Rousseff, está a ser alvo de um processo semelhante na Câmara dos Deputados. Cunha accionou o processo de impeachment em Dezembro do ano passado, em retaliação pelo facto de os deputados do PT que pertenciam à comissão de ética que iria avaliar o seu caso se recusarem a dar-lhe o seu apoio. O presidente da Câmara dos Deputados fez tudo para acelerar o processo de destituição e conseguir um resultado desfavorável a Dilma. A sua condução à frente do processo foi um dos argumentos que a defesa da Presidente apresentou perante o Supremo Tribunal para tentar anular o impeachment – sem êxito. Os juízes do Supremo só afastaram Cunha depois de o destino de Dilma já ter sido decidido na Câmara dos Deputados.
House of Cards
Cunha é um sobrevivente e, mesmo afastado, ainda goza de ampla influência, ao ponto de ser frequentemente apontado como o orquestrador de muito do que acontece hoje em Brasília, do Congresso ao Palácio do Planalto. Não por acaso, costuma ser comparado com Frank Underwood, o político sem escrúpulos e de poder insaciável da série norte-americana House of Cards. Mas também se tornou o símbolo máximo de tudo o que está errado no sistema político brasileiro (não que faltem exemplos): uma sondagem do Instituto Datafolha realizada em Abril mostrou que 77% dos brasileiros querem a queda de Cunha. Num Congresso guiado acima de tudo pelo instinto de preservação, é possível que Cunha venha a revelar-se um membro dispensável, sobretudo agora que já cuidou do que boa parte dos deputados queriam – o impeachment de Dilma.
Cunha teve outro revés na terça-feira, pouco depois da votação na comissão de ética: um juiz do Paraná ordenou o congelamento de todas as contas e bens em seu nome e da sua mulher. Cláudia Cruz, uma antiga apresentadora de telejornais, foi constituída arguida na semana passada por suspeita de lavagem de dinheiro e evasão de capitais. Segundo os investigadores da Lava-Jato, a mulher de Cunha controlava uma conta na Suíça que terá sido alimentada com dinheiro recebido pelo marido em negócios relacionados com a Petrobras. Cláudia Cruz utilizou a conta para comprar artigos de luxo e roupas de marca em viagens internacionais. Num depoimento às autoridades, Cláudia Cruz disse que nunca se interessou por perguntar ao marido qual a origem do dinheiro da conta.
O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro Teori Zavascki negou na terça-feira o pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, do ex-Presidente da República José Sarney e do ex-ministro do Planeamento Romero Jucá.
A decisão surgiu em resposta a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontou tentativas de obstrução da operação Lava-Jato, que investiga um mega-esquema de corrupção no país, envolvendo dezenas de políticos e diversas empresas, entre as quais a petrolífera estatal Petrobras.
O pedido teve como base registos áudios secretos gravados pelo ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) Sérgio Machado que sugerem uma tentativa de criar obstáculos às investigações da Lava-Jato.
“Ao contrário do que sustenta o procurador-geral da República [Rodrigo Janot], nem se verifica – ao menos pelos elementos apresentados – situação de flagrante de crimes inafiançáveis cometidos pelos aludidos parlamentares”, justificou o juiz.