Ondas gravitacionais foram detectadas pela segunda vez

Sinal recebido em Dezembro pelos detectores do observatório LIGO provém de colisão de dois buracos negros há 1400 milhões de anos. Descoberta marca o alvorecer de um novo tipo de astronomia.

Foto
Ilustração dos dois buracos negros a aproximarem-se um do outro e a produzirem ondas gravitacionais T. Pyle/LIGO

Não se sabe quanto tempo a dança durou, mas há cerca de 1400 milhões de anos dois buracos negros que estavam a girar em torno de si próprios fundiram-se. Esta aproximação e fusão fez libertar muita energia, fazendo chocalhar o “tecido” do espaço-tempo ao criar as famosas ondas gravitacionais. As últimas destas ondas atingiram a Terra no fim do ano passado, mais precisamente às 3h38m de 26 de Dezembro. Os dois detectores da colaboração científica internacional LIGO (Laser Interferometer Gravitacional-Wave Observatory) sentiram-nas, revela um artigo publicado nesta quarta-feira na revista científica Physical Review Letters.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Não se sabe quanto tempo a dança durou, mas há cerca de 1400 milhões de anos dois buracos negros que estavam a girar em torno de si próprios fundiram-se. Esta aproximação e fusão fez libertar muita energia, fazendo chocalhar o “tecido” do espaço-tempo ao criar as famosas ondas gravitacionais. As últimas destas ondas atingiram a Terra no fim do ano passado, mais precisamente às 3h38m de 26 de Dezembro. Os dois detectores da colaboração científica internacional LIGO (Laser Interferometer Gravitacional-Wave Observatory) sentiram-nas, revela um artigo publicado nesta quarta-feira na revista científica Physical Review Letters.

É a segunda vez que se confirma a passagem de ondas gravitacionais pela Terra. A primeira vez que o LIGO detectou estas ondas foi a 14 de Setembro de 2015. Quando o resto do mundo teve conhecimento dessa primeira detecção, a 11 de Fevereiro deste ano, foi um marco importantíssimo para a astronomia e a ciência em geral. As ondas gravitacionais tinham sido previstas pelo físico Albert Einstein em 1916 e até então nunca tinha sido provada a sua existência.

Na altura, os peritos explicavam que a detecção abria o caminho para a “astronomia das ondas gravitacionais”, que iria permitir a detecção de novos objectos e fenómenos no Universo, como buracos negros binários e estrelas de neutrões em colisão. Esta segunda descoberta, feita em conjunto pelas colaborações LIGO, dos Estados Unidos, e Virgo, que reúne físicos e engenheiros de 19 grupos de investigação europeus, marca a alvorada deste novo tipo de astronomia.

A segunda descoberta “pôs verdadeiramente a letra O de Observatório na sigla LIGO”, diz Albert Lazzarini, director do LIGO no Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), nos Estados Unidos, citado num comunicado da Universidade de Maryland (EUA). “Com a detecção de dois eventos fortes em apenas quatro meses, podemos começar a fazer previsões sobre a frequência com que vamos ouvir ondas gravitacionais no futuro.”

As ondas gravitacionais são forças que viajam à velocidade da luz. “O conceito é muito simples”, diz ao PÚBLICO Vítor Cardoso, físico do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, que esteve ligado à experiência internacional de detecção de ondas gravitacionais do observatório LIGO e hoje continua a estudar buracos negros. “A Terra atrai tudo e exerce uma força sobre a Lua. Se eu abanar a Terra, a força sobre a Lua vai ter de sofrer um abanão. Acontece que, quando se abana a Terra, esta força gravitacional viaja a todo o resto do Universo”, acrescenta.

É esta força que os instrumentos do LIGO estão preparados para detectar. Projectado em 1992, o LIGO é composto por dois detectores iguais, um está em Livingston, no Louisiana, e o outro está em Hanford, no estado de Washington. Cada estrutura tem dois “braços” perpendiculares, cada braço tem quatro quilómetros de comprimento.

Há sempre um laser a viajar nos dois braços de cada construção. A luz começa por ser separada em duas metades na junção dos braços. Cada um dos subfeixes do laser viaja até ao final do braço, onde é reflectido por um espelho e volta para trás, regressando até à intersecção dos braços e interferindo com a luz do subfeixe do outro braço.

Um "olho fantástico"

A estrutura foi construída para haver o mínimo possível de interferências externas na viagem constante do laser, que podem ser causadas, por exemplo, por sismos. Por isso, o laser costuma percorrer os braços do detector sem alterações. Mas à medida que uma onda gravitacional atravessa o nosso planeta, a matéria que constituiu a Terra vai-se comprimindo muito ligeiramente durante um pequeno instante. E um dos braços de cada detector fica momentaneamente mais curto por causa da onda, enquanto o outro fica mais longo. Isto faz com que os dois feixes de laser deixem de coincidir durante um instante e é essa discrepância no espaço-tempo que é detectada.

Os dois detectores permitem confirmar se uma discrepância no movimento do laser é mesmo causada por uma onda gravitacional. Se uma onda interferir com o movimento do laser num dos detectores, então, mais cedo ou mais tarde, ela irá chegar ao outro detector e interferir com o seu laser.

As ondas gravitacionais detectadas em Setembro atingiram primeiro o detector de Livingston e passados sete milissegundos o de Hanford. Elas foram o resultado da fusão de dois buracos negros com 29 e 36 massas solares, ocorrida há cerca de 1300 milhões de anos. O novo buraco negro formado da fusão tinha 62 massas solares. Segundo os cálculos dos cientistas na altura, foram emitidas três massas solares em ondas gravitacionais.

As novas ondas gravitacionais, detectadas em Dezembro, demoraram apenas 1,1 milissegundos entre Livingston e Hanford e foram geradas nas últimas 27 órbitas de dois buracos negros antes de se fundirem, há cerca de 1400 milhões de anos. Os buracos tinham 14 e oito vezes o tamanho da massa do Sol e resultaram num novo buraco negro com 21 vezes a massa solar. Durante a fusão, cerca de uma massa solar de energia foi convertida em ondas gravitacionais.

“Agora sabemos que os buracos negros existem, sabemos que muitos existem em formas binárias, andam aos pares, e sabemos que conseguimos ver as ondas gravitacionais”, diz Vítor Cardoso, acrescentando que, nos próximos meses, depois de o LIGO ser melhorado, estima-se que irá conseguir fazer entre 10 e 400 detecções por ano. “Finalmente temos um olho fantástico para o universo das ondas gravitacionais.”