A difícil relação com o humor

O humor nem sempre tem graça - é o risco que corre quem faz vida das piadas -, mas para falhar é preciso arriscar

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Dylan Martinez/Reuters

Há um atentado, há o choque e há o primeiro que se atreve a fazer uma piada com o assunto. É recorrente - e ainda bem. À partida, seria (ou deveria ser) um sinal de que temos as razões e as emoções nos lugares certos, as questiúnculas bem arrumadas, sabemos onde está a prateleira do que é inofensivo e do que é real. No entanto, isto não acontece bem assim.

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Há um atentado, há o choque e há o primeiro que se atreve a fazer uma piada com o assunto. É recorrente - e ainda bem. À partida, seria (ou deveria ser) um sinal de que temos as razões e as emoções nos lugares certos, as questiúnculas bem arrumadas, sabemos onde está a prateleira do que é inofensivo e do que é real. No entanto, isto não acontece bem assim.

Importou-se uma tendência norte-americana de escândalo com tudo o que mexa. Não se brinca com isto, não se brinca com aquilo. Não se brinca com um atentado, não se brinca com as carantonhas dos transmontanos ou dos sintrenses, não se brinca com a água porque um dia não a vamos ter mais, não se brinca com o sol porque deus nosso senhor não tem sentido de humor.

Daí, cavalgaremos para um território em que tudo é constantemente censurável - não podemos fazer brincadeiras com homossexuais porque sofrem muito, não podemos fazer piadas com heterossexuais porque estamos a fazer distinções de preferências sexuais, não podemos brincar com tomatinhos porque nem todos os temos. Um dia destes, haverá quem faça uma lista de assuntos que são permitidos para a comédia e... se bem me lembro, da última vez que se fizeram listas de coisas proibidas, ainda se queimavam pessoas no Terreiro do Paço.

Este princípio é perigosíssimo para a liberdade. Proponho um exercício a todos aqueles que consideram que o humor deveria ter regras e limites: agarrem na coisa que vos é mais sacra e agora coloquem um elemento externo a proibi-la. Nunca mais, sob condição nenhuma, poderiam falar nela. É tramado, não é? Agora imaginem que, por um qualquer capricho do destino, o escritor ou o músico que mais admiram teria sido proibido de abordar o assunto que lhe deu maior reconhecimento entre o público. Lá se ia a obra-prima, lá se ia o progresso. E porquê?, porque uns ofendidinhos haviam outrora feito lobby para que determinado assunto não fosse explorado.

O humor nem sempre tem graça - é o risco que corre quem faz vida das piadas -, mas para falhar é preciso arriscar. Além do mais, o riso é o mecanismo que nos faz perder medos e diminuir aquilo que mais nos atormenta. Posto isto, até com a morte devíamos brincar, só para a aceitarmos um pouco melhor.

Cada vez mais, é importante perceber que a liberdade de expressão dá o direito de dizer tudo, menos levantar falsos testemunhos sobre alguma pessoa. De resto, tudo pode ser dito. Até temos o direito a ofender, vejam bem - que recebe a ofensa é que tem de ter poder de encaixe para a aguentar; isto é facilmente comprovável nas caixas de comentários que se vêem por aí: não são raros os energúmenos que ofendem gratuitamente sem sofrer represálias. E tudo bem, cada um diz o que pensa - é assim que deve ser. Mas quando pensamos em ameaçar a integridade física ou em silenciar o nosso semelhante, lá se vão os direitos sarjeta abaixo. Perante estas verdades, amanhem-se e nunca se coíbam de dizer o que pensam - mas nunca pensem em impedir os outros de o fazer.