Banho de sangue em Orlando leva Clinton a distanciar-se um pouco de Obama

Presumível candidata do Partido Democrata admite usar um termo proibido para o Presidente: "Terrorismo radical islâmico." Donald Trump aproveita e reforça as críticas ao que diz ser o discurso politicamente correcto.

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O atirador fez 49 mortos e 53 feridos Monika Graff/AFP

Nas primeiras horas da manhã de domingo, ainda os norte-americanos tentavam compreender a dimensão do massacre em Orlando, na Florida, já os candidatos às eleições presidenciais nos Estados Unidos se envolviam a fundo na arte da discussão do mundo a preto e branco, onde só parece haver espaço para duas ideias: a minha e a errada.

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Nas primeiras horas da manhã de domingo, ainda os norte-americanos tentavam compreender a dimensão do massacre em Orlando, na Florida, já os candidatos às eleições presidenciais nos Estados Unidos se envolviam a fundo na arte da discussão do mundo a preto e branco, onde só parece haver espaço para duas ideias: a minha e a errada.

O ataque terrorista na discoteca Pulse, cometido por um homem que prestou juramento de fidelidade ao líder do grupo extremista Estado Islâmico, fez 49 vítimas mortais (as autoridades não incluem o atirador) e 53 feridos, mas permitiu também espreitar pelo buraco da fechadura da futura campanha entre Donald Trump e Hillary Clinton: como contrariar o discurso de um candidato que propõe transformar os EUA numa fortaleza depois de expulsar todos os "maus"?

O grupo de operações especiais tinha entrado há menos de uma hora na discoteca Pulse para pôr fim ao ataque de Omar Mateen e já o presumível candidato do Partido Republicano, Donald Trump, tinha encontrado uma forma pouco subtil de transformar o massacre numa notícia sobre ele próprio e as suas propostas: "Agradeço os parabéns por estar certo em relação ao terrorismo islâmico radical. Não quero parabéns, quero firmeza e vigilância. Temos de ser espertos!"

Como qualquer outra curta mensagem partilhada pelo magnata do imobiliário na rede social Twitter, esta foi também um sucesso em número de partilhas e manifestações de apoio – 27 mil "retweets" e 67 mil "gostos".

Se o Twitter e o Facebook servissem de indicadores para algo mais do que apenas as opiniões dos seus utilizadores, Donald Trump seria o próximo Presidente, rei e imperador dos EUA ao mesmo tempo.

Hillary Clinton também fez um comentário no Twitter, quando o ataque ainda estava em curso, e o seu tom cauteloso – em claro contraste com os avisos apocalípticos de Donald Trump – não teve o mesmo sucesso: "Acordei e ouvi as notícias devastadoras sobre a Florida. Enquanto esperamos por mais informações, os meus pensamentos estão com as vítimas deste acto horrível." Resultado: sensivelmente metade dos "retweets" e dos "gostos" de Donald Trump.

Nas manhãs de domingo e de segunda-feira, os dois presumíveis candidatos à Casa Branca desdobraram-se em declarações nos principais programas da televisão norte-americana, e ficou claro quem pode beneficiar mais com um clima de medo e insegurança no país – para além de apresentar propostas radicais e aparentemente simples para um problema complexo, Donald Trump provou mais uma vez que não há limites para o que pode dizer em campanha, ao deixar no ar a ideia de que o Presidente Barack Obama pode ter sido um dos mentores do ataque na discoteca Pulse.

"Somos liderados por um homem que ou não é duro nem esperto, ou tem outra coisa em mente. As pessoas não conseguem acreditar que o Presidente Obama age da forma como age e que nem sequer menciona as palavras 'terrorismo radical islâmico'. Passa-se alguma coisa. É inconcebível. Passa-se alguma coisa”, disse Donald Trump numa entrevista à Fox News, na manhã desta segunda-feira.

No momento em que os EUA são abalados pelo massacre com armas de fogo mais mortífero da sua História, é praticamente impossível para qualquer político manter o mesmo discurso, se esse discurso levantar alguns problemas e não apresentar soluções aparentemente fáceis e rápidas.

Uma questão de palavras?

Depois de ter conseguido encostar Donald Trump às cordas nas últimas semanas – com ataques sobre a suposta falta de temperamento do magnata para ser Presidente e sobre o seu suposto sobrestimado talento para os negócios –, Hillary Clinton viu-se de novo no meio de um debate que não pode ganhar, e por isso fez uma concessão: ela, que sempre esteve alinhada com o Presidente Obama na decisão de não chamar "terrorismo radical islâmico" aos atentados terroristas cometidos ou inspirados pela organização Estado Islâmico, cedeu finalmente aos ataques de Donald Trump: "Quer lhe chamem jihadismo radical ou islamismo radical, penso que significam a mesma coisa", disse Clinton numa entrevista à CNN esta segunda-feira.

Em Dezembro, numa entrevista à ABC News, a candidata tinha recusado usar o termo "islão radical" com o argumento de que "soava a uma declaração de guerra a uma religião".

Esta segunda-feira, a presumível candidata do Partido Democrata voltou a defender que o importante é não apresentar toda uma religião como se fosse a causadora do terrorismo, e não considerar todos os muçulmanos terroristas. Mas o sound bite já tinha saído e Donald Trump não perdeu tempo: "Tenho batido em Obama e na Desonesta Clinton por não usarem o termo Terror Radical Islâmico. A Hillary cedeu finalmente – disse que vai usá-lo a partir de agora", escreveu o magnata na sua rede social preferida.

A verdade é que o presumível candidato do Partido Republicano pode cantar vitória nesta batalha política feita à custa de mais um massacre com armas de fogo nos Estados Unidos – o Presidente Barack Obama manteve-se fiel e até agora nunca se referiu aos actos de Omar Mateen, de qualquer outro terrorista treinado ou apenas inspirado pelo Estado Islâmico e ao próprio grupo extremista como "terrorismo radical islâmico".

Foi "um acto de terror e um acto de ódio", disse Obama esta segunda-feira, referindo-se ao terrorista como "uma pessoa cheia de ódio". Tal como Hillary Clinton, Barack Obama insistiu na ideia de que o massacre na discoteca Pulse não teria acontecido se a lei de venda de armas fosse mais restritiva, como a sua Administração tem proposto desde que chegou ao poder, em 2009.

A guerra de palavras era um ponto de tensão entre Donald Trump e Hillary Clinton, mas agora Barack Obama parece ter ficado sozinho – o Presidente dos EUA não abre mão da ideia de que chamar "terrorismo radical islâmico" aos atentados é reconhecer que a ideologia do grupo extremista parte do islão, o que pode alienar o apoio da maioria de muçulmanos que não se revê nas acções de grupos como o Estado Islâmico.

Para Donald Trump, essa recusa de Obama (e de Clinton até esta segunda-feira) era uma prova de que o Presidente e a presumível candidata do Partido Democrata não serão capazes de resolver o problema se nem sequer conseguem nomeá-lo.

É muito mais do que uma questão de palavras – é o reforço da tese de Trump sobre o que ele e muitos dos seus apoiantes consideram ser o discurso politicamente correcto, que pode ser um trunfo importante para o candidato do Partido Republicano sempre que estiver em causa a segurança dos EUA. E ninguém pode garantir que a segurança dos EUA não volte a ser posta em causa pouco antes das eleições de Novembro.

"Se não nos tornamos mais duros e mais espertos rapidamente, deixaremos de ter um país. Estou a tentar salvar vidas e evitar o próximo ataque terrorista. Não podemos dar-nos ao luxo de continuarmos a ser politicamente correctos", disse o candidato no domingo.