Marcelo e Costa em Paris: um guarda-chuva para dois
Os três dias em que andaram juntos em França mostraram mais que concertação estratégica entre Presidente e primeiro-ministro. A comunidade portuguesa, tão elogiada por ambos, rejubilou.
O cantor popular Luís Filipe Reis já tinha dito no seu espectáculo na Festa da Rádio Alfa – um dos maiores eventos de emigrantes portugueses na região de Paris – que “os portugueses cá fora são os melhores e agora até o senhor Presidente me dá razão”. O tom de auto-elogio manteve-se quando o espectáculo do cancionetista no recinto festivaleiro de Créteil, município nas redondezas de Paris com uma importante comunidade lusa, foi interrompido para os discursos do primeiro-ministro e do chefe de Estado. Em palco, perante milhares de pessoas, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa puxaram pelo orgulho e pela selecção nacional.
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O cantor popular Luís Filipe Reis já tinha dito no seu espectáculo na Festa da Rádio Alfa – um dos maiores eventos de emigrantes portugueses na região de Paris – que “os portugueses cá fora são os melhores e agora até o senhor Presidente me dá razão”. O tom de auto-elogio manteve-se quando o espectáculo do cancionetista no recinto festivaleiro de Créteil, município nas redondezas de Paris com uma importante comunidade lusa, foi interrompido para os discursos do primeiro-ministro e do chefe de Estado. Em palco, perante milhares de pessoas, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa puxaram pelo orgulho e pela selecção nacional.
“Somos grandes, os portugueses, porque nos fizemos sempre contra o vento e contra a chuva – e eu vou manter-me aqui à chuva para verem que o Presidente está convosco”, proclamava o chefe de Estado quando a água começou a cair mais intensamente: “Não somos um povo que se fizesse com a sorte, mas apesar da sorte. Foi o povo que fez Portugal. O melhor de Portugal é o povo. O povo é melhor que os políticos”. Era a versão actualizada do discurso feito no Terreiro do Paço, em Lisboa, na manhã de 10 de Junho, quando disse que o povo era melhor que as suas elites.
Só que é precisamente nessa altura que António Costa se aproxima de Marcelo para o proteger com um grande guarda-chuva onde se lê “Fidelidade”. O chefe de Estado sorri e diz: “Reparem que quem tem o guarda-chuva é o primeiro-ministro de esquerda. E quem é apoiado [é] o Presidente que veio da direita”.
A imagem das duas mais altas figuras de Estado debaixo do mesmo guarda-chuva – numa espécie de reflexo invertido do que se passa na vida política, onde quem protege (ou não) um Governo é o chefe de Estado – é a metáfora perfeita desta visita conjunta de três dias à região de Paris. Se não mesmo da conjuntura política nacional. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa fizeram praticamente todo o programa juntos, sem nunca se atropelarem nem retirarem um ao outro o espaço de cada um. Pelo contrário, como o gesto do primeiro-ministro tão bem simbolizou. E no final da visita, coincidiram na perfeição no balanço que fizeram com horas de diferença.
Até mesmo na análise da sua própria relação há uma grande coincidência de pontos de vista. Os dois sublinharam a importância das boas relações entre Presidente e primeiro-ministro e até a sua natureza: “A política faz-se de empatias pessoais”, disse Marcelo. E apontou os objectivos estratégicos comuns: “Nós aqui estamos irmanados no objectivo de chegar às comunidades portuguesas e à relação com a França”.
Mas não só. “Portugal agora tem prioridades e estas exigem uma grande estabilidade e uma grande convergência dos órgãos de soberania. Em relação à Europa, temos de estar juntos para estarmos mais fortes. Em relação a questões fundamentais das relações externas – os refugiados, a segurança, a CPLP –, temos de estar juntos”. E depois há diversidades: “Eu vou à missa e o primeiro-ministro não”.
Costa afinou pelo mesmo diapasão: “Nós temos de nos habituar a que os órgãos de soberania tenham uma saudável cooperação e trabalhem em conjunto, em vez de criarem problemas uns aos outros”. Salientou as boas relações pessoais – “a relação com o Presidente da República é objectivamente muito saudável, muito sólida” –, mas sublinhou que as relações institucionais “têm de superar essa relação pessoal”.
E fez questão de salientar como analisou a recepção da comunidade a esta proximidade institucional: “Foi motivo de satisfação ouvir, como eu ouvi, muitos portugueses verem o primeiro-ministro e o Presidente da República em conjunto, poderem trabalhar em conjunto, os dois a puxarem em conjunto pelo país, concentrados em desenvolverem o país. Isso é um importante sinal de confiança para todos, de como temos que nos juntar para enfrentar os desafios que temos pela frente”.
Mas no terreno, tanto em Cretéil como na véspera em Champigny-sur-Marne (onde nos anos 60 se ergueu a famosa Bidonville), foi visível a diferença de calor humano recebida por um e pelo outro. Com larga vantagem para o Presidente da República: “Eu vim cá só para o ver”, ouviu-se várias vezes, tanto na Mairie de Paris, no primeiro dia, como em Champigny no sábado ou na festa popular de domingo.
Marcelo, no seu registo efusivo de afectos, acenava alegremente sempre que chegava a um lugar onde uma multidão os esperava e, em jeito de arruada permanente, distribuía beijinhos, simpatias e selfies. Costa distanciava-se um pouco, fugia sempre que podia aos atropelos em que o Presidente se enovelava com facilidade. Mas também não se furtava a fotografias, beijinhos ou apertos de mão quando lhos pediam.
O Presidente teve, aliás, um momento da sua agenda privada com outro banho de multidão. Sendo domingo, o católico chefe de Estado escolheu o santuário de Fátima em Paris para a missa dominical. O espaço estava cheio e Marcelo demorou nada menos que 45 minutos a sair de lá, só em cumprimentos – a portugueses, na esmagadora maioria. Na homilia, o padre aproveitou para distribuir recados. Pediu aos políticos que não se dirigissem apenas às comunidades em alturas de campanha eleitoral. E aos emigrantes para não se lembrarem que eram portugueses apenas quando havia campeonatos de futebol.
Mas a verdade é que a bola é um dos grandes agregadores nacionais e disso tanto Costa como Marcelo souberam tirar proveito. No palco de Créteil, o primeiro-ministro, depois de anunciar a abertura para breve do primeiro espaço do cidadão na região de Paris e o avanço nas conversações sobre o ensino da língua portuguesa no sistema de educação francês, puxou pelo apoio a Portugal: “A selecção nacional não está a jogar no estrangeiro porque aqui, junto da comunidade portuguesa, está a jogar em casa e é em casa que vai ganhar”. E Marcelo, depois de dispensar o guarda-chuva que o primeiro-ministro lhe estendera, concluiu o discurso num apelo: “Vamos apoiar a nossa equipa [selecção nacional] e vamos apoiar a equipa que é o nosso país”, disse elevando a voz por cima dos gritos “Portugal, Portugal” dos milhares de emigrantes e luso-descendentes presentes.
Depois da missa e da festa popular, a visita a França terminou junto das elites e de ideias que remetem, já não para nacionalismos, mas para universalismos. Presidente e primeiro-ministro visitaram, sem pressa, as duas exposições culturais portuguesas em destaque em Paris. Na Cité de l’Architecture e du Patrimoine, no Trocadero, percorreram a história, a imagem e as maquetes dos últimos 50 anos de arquitectura portuguesa. No Grand-Palais, a concorrida e magnética exposição de pintura de Amadeo de Souza Cardoso. Ambas organizadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, que comemora o seu 50º aniversário.