Transdev acusa Metro do Porto de “contorcionismo jurídico”
Na acção movida contra a anulação da subconcessão, o grupo francês alega ter sofrido “danos anormais”. Diferendo terá de passar por um tribunal arbitral.
Na acção que interpôs em Abril no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), a Transdev, que tinha ganho a subconcessão da Metro do Porto em Outubro, acusa a empresa pública de ter feito “um verdadeiro acto simulado” e um “aproveitamento desavergonhado de um instrumento jurídico” quando fez a anulação administrativa do contrato para se furtar “às consequências indemnizatórias legalmente previstas”. Embora não especifique, o grupo francês refere, no processo consultado pelo PÚBLICO, que sofreu “danos anormais” com a decisão tomada em Fevereiro, por orientação do actual Governo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na acção que interpôs em Abril no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), a Transdev, que tinha ganho a subconcessão da Metro do Porto em Outubro, acusa a empresa pública de ter feito “um verdadeiro acto simulado” e um “aproveitamento desavergonhado de um instrumento jurídico” quando fez a anulação administrativa do contrato para se furtar “às consequências indemnizatórias legalmente previstas”. Embora não especifique, o grupo francês refere, no processo consultado pelo PÚBLICO, que sofreu “danos anormais” com a decisão tomada em Fevereiro, por orientação do actual Governo.
A Transdev refere-se às indemnizações que deveriam resultar da resolução unilateral do contrato de subconcessão, invocando interesse publico. Era essa a figura jurídica que a empresa entende que a Metro do Porto deveria ter utilizado para executar as decisões políticas emanadas do actual executivo. Mas, alega, a “actuação inqualificável” e o “contorcionismo jurídico” que está na base do processo de anulação do contrato de subconcessão pode ser resumido a um facto: para rasgar o contrato, a transportadora pública passou a “defender algo que até há meses atrás repudiava veementemente”.
“O acto impugnado surge depois de a Metro do Porto ter defendido por duas vezes, e com veemência, junto do Tribunal de Contas, que a ilegalidade [que lhe era imputada, sobre o não cumprimento do Regime Jurídico das parcerias Público-Privadas (RJPPP)] não existia”, lê-se no processo, que deu entrada a 24 de Abril. A Transdev, que está a assessorada pelos advogados da Telles de Abreu, escreve na petição inicial do pedido de impugnação que “a confrangedora fundamentação jurídica de tal acto e o contorcionismo jurídico que lhe está subjacente justifica-se politicamente, porque moralmente seria impossível”.
Ou seja, das duas vezes que o Tribunal de Contas pediu esclarecimentos à Metro do Porto, em 29 de maio e a 22 de Junho do ano passado, a empresa pública negou que estivesse a pôr em causa o RJPPP, alegando que ele não se aplicava ao contrato em causa, até porque não passou os riscos de operação para o privado, mas antes os partilhava. Mesmo assim, alegou a transportadora do Estado, o RJPPP foi integralmente cumprido e acautelado durante todo o procedimento.
Porém, com a tomada de posse do novo Governo, em Novembro, e com a deliberação expressa por parte do ministro do Ambiente (a 4 de Dezembro) de suspender o pedido de obtenção do visto prévio e de suster o envio de qualquer tipo de esclarecimentos ao TC, o processo acabou parado. Até Fevereiro deste ano, altura em que a Metro do Porto notificou a Transdev da decisão de anular o contrato de subconcessão, como aliás também fizeram a STCP (com os espanhóis da Alsa) e a Metro de Lisboa/Carris (com a Avanza, do grupo mexicano ADO).
“Inqualificável actuação”
A empresa francesa contesta duramente a posição da Metro do Porto, e também da sua tutela política, pela “inqualificável actuação” de impedir a execução do contrato ao mesmo tempo que procurava o não pagamento de indemnizações mais avultadas. E, apesar de remeter a quantificação desse pedido de compensações financeiras para uma fase posterior, apresenta três requisitos de indemnização: o facto de desconhecer que o contrato era inválido, de ter começado a tirar partido da adjudicação (ou seja, a preparar-se para avançar com a operação) e, por fim, de ter sofrido “danos anormais” com a decisão.
Mas nada de quantificar. O único valor que aparece mencionado no processo que o PÚBLICO consultou é o da caução de 17,6 milhões de euros paga entre a decisão de adjudicação, em Setembro de 2015, e a assinatura do contrato, em Outubro desse ano. Apesar de os valores ainda não serem conhecidos, prevê-se que a Transdev venha a exigir algumas dezenas de milhões de euros, muito fruto dos lucros cessantes que alegará ter perdido com a anulação de um contrato que se prolongaria por dez anos.
Na contestação, a Metro do Porto apela ao juiz que não haja confusão: “Estamos em sede de anulação administrativa do acto de adjudicação e não em sede de anulação judicial”. E argumenta que o acto de adjudicação do contrato ainda não estava consolidado quando o anulou, no passado dia 21 de Março, refutando que tenha havido violação do princípio de proporcionalidade e de boa-fé. “A ilegalidade que dá causa à sua decisão foi confirmada em resultado de um novo pedido de esclarecimento que foi feito pelo Tribunal de Contas”. Ou seja, a transportadora do Estado diz ter-se visto na obrigação de “destruir um acto inválido”. E diz ser “manifestamente inadmissível” o pedido de indemnização genérico que a Transdev foi fazer àquele tribunal. O juiz do TAFP ainda não tomou decisão.
Diferendo em tribunal arbitral
Tal como o PÚBLICO noticiou, além do processo que deu entrada no TAFP, a Transdev notificou ainda a Metro do Porto de um pedido de constituição de tribunal arbitral para dirimir o conflito, feito a 4 de Abril. No processo, a empresa francesa explica que só seguiu as duas vias para “evitar a cominação da caducidade do direito de opção no contencioso pré-contratual”. A defesa da via da arbitragem é feita com base numa cláusula do contrato de subconcessão em que se estabelece que será o caminho prioritário para se chegar a acordo. Uma visão que a transportadora pública já contestou, pelo facto de considerar que o contrato nunca entrou em vigor.
No entanto, a lei obriga a que o tribunal arbitral venha efectivamente a ser constituído, já que terá sempre de avaliar se tem competência para se pronunciar sobre este caso. Só se os árbitros entenderem o contrário é que a sede adequada será o TAFP, como igualmente previsto no contrato.
A contestação da Transdev já era esperada, uma vez que, assim que o Governo deu sinais da vontade de anular as subconcessões lançadas pelo anterior executivo PSD/CDS, o grupo francês veio de imediato garantir que iria recorrer para os tribunais. O mesmo fizeram a Alsa e a Avanza, sendo que a primeira, de acordo com a Metro do Porto (cuja gestão é partilhada com a STCP), também já avançou com uma acção. No caso da Avanza, a acção contra a Metro de Lisboa/Carris, deverá igualmente tornar-se realidade, mas poderá demorar mais tempo, visto que a empresa poderá fazê-lo fora do país, mais concretamente nos Estado Unidos, porque existe um tratado de protecção do investimento entre Portugal e México.
A anulação destes contratos tem sido apontada pelo Fundo Monetário Internacional e pela Comissão Europeia como um risco orçamental, não só pelo facto de manter estas empresas na esfera pública, mas também por causa das indemnizações que o Estado terá eventualmente de suportar à conta da decisão do Governo.