Blair e Major avisam que saída da UE desestabilizará a Irlanda do Norte
Antigos primeiros-ministros juntam-se para dizer que a unidade do Reino Unido está também em jogo no referendo de dia 23.
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Em campanha para o referendo de dia 23, John Major e Tony Blair estiveram juntos na Irlanda do Norte e, sorridentes, percorreram a Ponte da Paz, um via para peões e bicicletas em Londonderry que desde 2011 liga uma das principais área unionistas da cidade a uma zona de maioria nacionalista. Uma alusão propositada ao processo de paz para o qual foi decisivo o empenho dos dois antigos primeiros-ministros britânicos e que agora, avisam, pode ser posto em causa pela saída do Reino Unido da União Europeia.
A duas semanas da votação nenhum resultado está garantido e, depois de várias sondagens desencorajadoras, a campanha pela permanência joga agora a carta da unidade nacional: para além do lugar do país na Europa é a integridade política do país que está em causa. O ministro das Finanças, George Osborne, foi à Escócia, a mais pró-europeia das quatro nações que compõem o Reino Unido, reafirmar que a vitória do “Brexit” pode levar Edimburgo a querer repetir o referendo à independência.
Derrotados em 2014, os nacionalistas escoceses avisam que a saída da UE pode alterar o consenso de que a questão da independência não voltaria a ser posta em causa durante uma geração. “Deitem fora a presença na Europa e não se surpreendam se, como consequência, deitarmos também fora a nossa união”, avisou nesta quinta-feira Major, o antigo primeiro-ministro conservador (1990-97) que teve de enfrentar a fúria do seu partido ao ratificar, em 1992, o Tratado de Maastricht.
Mas onde a ameaça de desestabilização encontra mais eco é na Irlanda do Norte – e Major e Blair sabem-no. “Se decidíssemos sair no dia 23, iríamos pôr em risco o futuro da Irlanda do Norte, iríamos pôr em risco a nossa união, e isso seria um caminho muito prejudicial e negligente”, disse Blair, o antigo primeiro-ministro trabalhista (1997-2007) que foi um dos signatários dos acordos de paz de 1998.
Os partidos na região estão divididos sobre este referendo, com os nacionalistas do Sinn Féin a defender fervorosamente a permanência na União, da qual faz também parte da República da Irlanda. Já o Partido Democrático do Ulster (DUP), a maior formação unionista, com quem o Sinn Féin partilha o poder em Belfast, é maioritariamente a favor da saída.
Referendo britânico: o como e o porquê de uma decisão histórica
A campanha do "Brexit" desvaloriza os alertas que têm sido feitos e, nesta quinta-feira, a ministra britânica para a Irlanda do Norte, Theresa Villiers, considerou “altamente irresponsável” que alguém sugira que a violência regressará à região por causa da saída da UE. “Seja qual for o resultado do referendo, a Irlanda do Norte não vai regressar aos Troubles”, eufemismo porque ficaram conhecidos os mais de 30 anos de conflito, afirmou.
Os dois antigos primeiros-ministros têm uma opinião diferente. Major lembrou que a República da Irlanda – com quem os nacionalistas da Irlanda do Norte ambicionam voltar um dia a unir-se – irá ficar “do outro lado da mesa das negociações” que Londres terá de efectuar para sair da UE. Blair assegurou que, por muito que a campanha do “Brexit” o desminta, a saída forçará à reposição de controlos, hoje inexistentes, na fronteira entre o Norte e o Sul da ilha, o que terá consequências para a economia da região e, sobretudo, para a convivência entre as populações dos dois lados. Aquela que é a única fronteira terrestre entre o Reino Unido e a União Europeia foi em tempo uma das zonas mais problemáticas do conflito na Irlanda do Norte, com forte presença tanto do Exército britânico como dos paramilitares do IRA.
A saída britânica da UE “arrisca-se a desestabilizar o complexo acordo que sustenta a estabilidade actual da Irlanda do Norte”, insistiu Major. “Se atirarmos a peças deste puzzle constitucional ao ar, ninguém pode ter certezas sobre onde irá ele parar.”
É o destino da própria Europa que se joga no referendo britânico