Cientistas confirmam que ainda não é seguro viver em Bikini
Uma equipa norte-americana fez um novo mapa do rasto deixado pelos ensaios nucleares feitos pelos EUA entre 1946 e 1958 que contaminaram algumas das Ilhas Marshall, no Pacífico. A ilha de Bikini está desabitada e, segundo os especialistas, deve continuar assim.
A ilha de Bikini foi uma das Ilhas Marshall que foram evacuadas antes de os Estados Unidos iniciarem uma série de testes nucleares no Pacífico atingindo, por exemplo, o atol de Bikini com a célebre Castle Bravo, a maior bomba termonuclear detonada pelos EUA. Passados 70 anos do início dos ensaios, Bikini é uma bonita ilha deserta na Micronésia mas continua perigosa. Segundo um artigo publicado na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), esta ilha ainda tem níveis de radiação que ultrapassam os limites de segurança e que, somados à provável contaminação pelos alimentos, desaconselham o regresso das pessoas.
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A ilha de Bikini foi uma das Ilhas Marshall que foram evacuadas antes de os Estados Unidos iniciarem uma série de testes nucleares no Pacífico atingindo, por exemplo, o atol de Bikini com a célebre Castle Bravo, a maior bomba termonuclear detonada pelos EUA. Passados 70 anos do início dos ensaios, Bikini é uma bonita ilha deserta na Micronésia mas continua perigosa. Segundo um artigo publicado na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), esta ilha ainda tem níveis de radiação que ultrapassam os limites de segurança e que, somados à provável contaminação pelos alimentos, desaconselham o regresso das pessoas.
Será seguro passear na ilha Bikini, desde que não fique lá a viver e não coma nada do que nasce por ali. Esta é uma das conclusões do trabalho de uma equipa de investigadores norte-americanos. Emlyn Hughes, do Centro de Estudos Nucleares da Universidade Columbia, em Nova Iorque, e os seus colegas fizeram centenas de medições em seis das Ilhas Marshall durante várias semanas do mês de Agosto em 2015. Mediram os níveis de radiação nas praias, com mergulhadores, e nas zonas mais interiores das ilhas detendo-se apenas perante as barreiras de uma vegetação intransponível nalgumas zonas. Escolheram seis ilhas que abrangem três atóis: Enewetak, Medren e Runit (no atol de Enewetak); Bikini e Nam (no atol de Bikini); e Rongelap (no atol de Rongelap). Para comparações, usaram como controlo a ilha de Marujo (no sul das Ilhas Marshall) e uma distante zona urbana: o Central Park, em Nova Iorque.
Apesar de os resultados das medições revelarem níveis baixos em muitos locais, no caso da ilha de Bikini a radiação gama detectada é superior aos limites de segurança estabelecidos pelo governo dos EUA e pela República das Ilhas Marshall.
Segundo o artigo, os investigadores fizeram 137 medições na ilha de Bikini detectando variações significativas dos níveis de radiação em diferentes locais. No centro da ilha, os níveis eram mais elevados chegando a registar 6,48 miliSievert/ano (mSv/ano) mas a média encontrada foi de 1,84 mSv/ano. O sievert é uma unidade de medida de radiação usada para uma avaliação do seu impacto nos seres humanos. Segundo os valores definidos a nível internacional, a exposição anual de um indivíduo a radiação (excluindo as fontes naturais de radiação) deve ser inferior a 1 mSv/ano. Este valor é para o cidadão comum, uma vez que é mais elevado para trabalhadores que têm de lidar com radiação. O valor de 1 mSv/ano foi o limite acordado entre o governo dos EUA e a República das Ilhas Marshall.
A ilha de Bikini registou a média de radiação gama mais elevada após as medições nas seis ilhas e é a única que ultrapassa o limite máximo estabelecido. Todas as outras ilhas têm actualmente valores que ficam abaixo dos limites de segurança.
Radiação no Central Park
Na ilha de Majuro, que serviu de controlo, foram feitas 19 medições para um resultado médio de 0,095 mSv/ano, significativamente inferior a Bikini. Já no Central Park, em Nova Iorque, as 163 medições resultaram numa média de radiação gama de 1mSv/ano. Porém, esta radiação é considerada “normal” pelos investigadores e atribuída a fontes naturais, como a elevada concentração de granito no parque.
De facto, os limites internacionais de segurança para exposição a radioactividade não contabilizam a exposição à radiação natural. É que apesar da palavra “radioactividade” remeter de imediato para reactores nucleares ou aparelhos de raios X, na realidade as principais fontes de radiação são naturais, as pessoas vivem mergulhadas numa nuvem de radiação que vem do Sol, do espaço, das rochas, dos aparelhos que usamos, etc. Segundo o Comité Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atómica, a dose média de radiação recebida pela população em geral é de 2,6 mSv/ano.
Assim, no artigo publicado na PNAS, os investigadores constatam que as pessoas que estão no Central Park recebem uma dose de radiação gama mais elevada do que um habitante das Ilhas Marshall afectadas pelos testes nucleares dos EUA. Parece estranho.
Em resposta ao PÚBLICO, Emlyn Hughes, uma das autoras do artigo, reafirma que os níveis do parque nova-iorquino se explicam pela grande concentração de granito (as rochas graníticas libertam bastante radiação gama). “Definitivamente, não é perigoso passear no Central Park. Diria mesmo que também não é perigoso passear na ilha de Bikini. No entanto, os níveis registados ultrapassam o que foi acordado entre o governo dos EUA e o das Ilhas Marshall para contaminação pelos testes nucleares. Eu não comia nenhum alimento de Bikini com a informação que existe hoje”, esclarece a autora do artigo.
Se o granito explica os níveis de radiação gama registados no Central Park, no caso das Ilhas Marshall, adianta Emlyn Hughes, a radiação deve-se aos testes nucleares. “E estes níveis elevados, sobretudo na Ilha de Bikini, podem ser perigosos porque também podem estar nos alimentos, como a fruta, e no solo. Existe perigo pelo consumo de alimentos. Mas nós não medimos isso directamente”, acrescenta.
Assim, os investigadores deixam o aviso: antes de pensar em “repovoar” algumas destas ilhas que permanecem desabitadas – tem sido discutido o regresso das pessoas às ilhas de Bikini e de Rongelap – é preciso fazer mais estudos e analisar todas as possíveis fontes de contaminação.
Entre 1946 e 1958, os EUA detonaram 67 dispositivos nucleares experimentais nos atóis de Bikini e de Enewetak, no Norte das Ilhas Marshall. O atol de Bikini, onde a poderosa bomba de hidrogénio Castle Bravo foi testada, em 1954, é o mais conhecido. Esta foi a primeira bomba da Operação Castle mas o atol de Bikini estava a ser bombardeado desde 1946 com ensaios nucleares no âmbito da Operação Crossroads. O primeiro teste no atol de Bikini decorreu em Julho, praticamente um ano depois da explosão das bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui, no Japão, a 6 e 9 de Agosto de 1945. Assim, a explosão da Castle Bravo aconteceu após o teste atmosférico Able (com a bomba chamada Gilda) e a experiência subaquática Baker (com a bomba Helen de Bikini). As impressionantes imagens dos gigantescos cogumelos de fumo no meio do Pacífico não se esquecem.
Outros testes nucleares se seguiram e entraram para a história, como a série de explosões subterrâneas no atol Moruroa feitas por França, decidida pelo então presidente francês Jacques Chirac, em 1995, um ano antes da assinatura do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares, que quis travar todos os testes nucleares. Mais recentemente, no início deste ano, um novo teste nuclear da Coreia do Norte foi notícia no mundo. As réplicas desse ensaio ainda se sentem, nos títulos de jornais que falam agora em preparativos suspeitos na Coreia do Norte que parecem fazer prever um novo teste a qualquer momento. No final de Maio, o Presidente norte-americano Barack Obama juntou um novo capítulo à história dos testes nucleares com a visita a Hiroxima para homenagear as vítimas e defender um mundo sem armas nucleares.
O atol de Bikini também não foi completamente esquecido pelos EUA. Em 1982, os governos dos EUA e da República das Ilhas Marshall assinaram o primeiro de vários acordos relacionados com a herança dos testes nucleares e que estabeleciam valores para os limites de níveis de radiação. No entanto, apesar das tentativas de repovoamento e após complexas operações de limpeza de remoção do solo contaminado, algumas ilhas permanecem desertas. Como Bikini.
A discussão sobre o repovoamento de Bikini não é inédita. Em 1997, um grupo de cientistas da Agência Internacional de Energia Atómica já tinha declarado que os níveis de radioactividade registados não representavam um risco para a saúde mas que o consumo de produtos locais por períodos prolongados podia ser perigoso. Nessa altura e por causa dessas condicionantes, os peritos concluíram que não era aconselhável repovoar a ilha de Bikini. Agora, este novo trabalho na PNAS mantém o alerta. A ilha de Bikini, no atol que foi declarado Património da Humanidade pela UNESCO em 2010 por “conservar provas tangíveis directas e significativas do poder dos testes nucleares” (e que também terá servido de inspiração para em 1946 dar nome à ousada peça de vestuário num desfile em Paris), deverá continuar a ser só uma bonita ilha deserta no Pacífico.