“Se eu fosse espanhol, com os meus resultados, teria condições melhores”
O nadador Alexis Santos de 24 anos fará a estreia em Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Vai participar nos 400m e 200m estilos e, após o bronze obtido nos Europeus, tem como objectivo mínimo ir a uma meia-final.
Dedicado a tempo inteiro à natação há dois anos, Alexis Santos quer contribuir para mudar mentalidades na modalidade em Portugal. O jovem nadador do Sporting, que ainda não era nascido quando Alexandre Yokochi alcançou a medalha de prata nos Europeus de piscina longa, em 1985, devolveu a natação portuguesa aos pódios continentais com um bronze conquistado em Londres, há três semanas.
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Dedicado a tempo inteiro à natação há dois anos, Alexis Santos quer contribuir para mudar mentalidades na modalidade em Portugal. O jovem nadador do Sporting, que ainda não era nascido quando Alexandre Yokochi alcançou a medalha de prata nos Europeus de piscina longa, em 1985, devolveu a natação portuguesa aos pódios continentais com um bronze conquistado em Londres, há três semanas.
Qual foi o sabor desse momento tão especial?
Sinceramente não sabia que a única medalha, do Alexandre Yokochi, tinha sido já há 30 e tal anos. Achava que entretanto tinha havido mais uma. Fiquei extremamente feliz e orgulhoso.
Pode ser o impulso que traga outros bons resultados na sua carreira?
Vejo isto como uma motivação para que, no futuro, possamos ir a Europeus e, em vez de lutarmos por finais, e de 30 em 30 anos lutarmos por uma medalha, sairmos de lá com várias finais e com duas ou três medalhas. Espero que tenha a minha medalha esse impacto na natação portuguesa.
Em termos de resultados, a natação portuguesa vive estagnada.
É isso que quero mudar, com os meus resultados, para que as gerações futuras possam ter pessoas para quem olhar como referências. Fico felicíssimo com a medalha, mas o impacto que tenho nas gerações futuras é tão importante quanto ganhar a própria medalha.
O que explica essa dificuldade da natação portuguesa em obter resultados?
Estive um ano a treinar em Barcelona e são duas realidades completamente diferentes a nível de condições de treino, de condições financeiras, de ajudas. São diferenças que se reflectem nos resultados. Se eu fosse espanhol, com os meus resultados, teria condições muito melhores. Em Espanha os melhores têm condições para treinar e, mesmo nos clubes, há mais condições e mais apoios. Cá é raro o atleta que recebe, enquanto lá há muita gente que representa o clube e é pago por isso.
Apoio é o quê, concretamente? Dinheiro?
Dinheiro e condições de treino. Essa é a principal falha em Portugal. Mesmo no Jamor, que é suposto ser um centro de alto rendimento, às vezes somos oito pessoas numa pista. Não há uma gestão que dê melhores condições à alta competição. Os dirigentes continuam a ver o alto rendimento como uma perda de dinheiro, e não como um investimento a médio ou longo prazo. Como em Espanha vêem. E dá frutos, obviamente.
O que é que esse período em Espanha lhe proporcionou?
Fez-me ver outras coisas, outros tipos de treino. E mudou bastante a minha mentalidade. Eu treinava com a Mireia Belmonte, que é campeã mundial e europeia e dupla vice-campeã olímpica. Enquanto antes estava com este tipo de atletas nas competições, ou via-os na televisão, e sentia que eles eram como extraterrestres, ali pude ver que ela é uma pessoa como as outras. E que, se eles conseguem, se eu treinasse e me dedicasse a 100% um dia também iria conseguir.
Cá é difícil dedicar-se a tempo inteiro à natação?
Estou a fazê-lo, mas por opção minha. É um risco que tomei. Há dois anos que parei os estudos.
Nos EUA, o papel de grande suporte do desporto está nas universidades, mas cá há pouco envolvimento.
Exactamente, aqui seria impossível. Na experiência que tive na faculdade senti o contrário daquilo que ouço dizer aos meus colegas que estão nos EUA. Os professores sabiam da minha situação e, em vez de me ajudarem, pelo contrário até senti ser prejudicado por ser atleta de alto rendimento. E eu andava na Faculdade de Motricidade Humana. Para mim isso ainda é mais grave.
Que expectativas tem para o Rio de Janeiro?
Aquilo a que a Federação se propôs é bater os nossos recordes pessoais ou recordes nacionais, e fazer pelo menos uma meia-final. Estar entre os 16 primeiros é o meu objectivo. A final seria um sonho, mas o objectivo é a meia-final. Escolhi com o meu treinador fazer este pico de forma no Europeu precisamente para isso. Eu sabia que se as coisas corressem bem no Europeu, seria mais fácil estar bem nos Jogos Olímpicos.
Como é a sua rotina nesta preparação olímpica?
Varia muito, mas um dia normal é treinar de manhã, das 8h às 10h, e depois uma hora e meia de ginásio. Depois almoço e faço uma sesta. À tarde volto a entrar na água mais umas duas horas e pouco. Isto é o dia-a-dia. E depois repete, e repete, e repete. (risos)
Tem-se falado muito sobre doping e há atletas que podem ser impedidos de estar no Rio de Janeiro. A natação passa à margem desse tema, mas alguma vez sentiu que há resultados estranhos?
Sinceramente, com a experiência que vou tendo, cada vez duvido mais dos meus adversários. Já treinei coisas absurdas e não foi isso que me fez chegar [mais longe]. Obviamente que todos somos diferentes, por exemplo o Michael Phelps não tem nada a ver comigo, é maior e é mais talentoso, acredito que sim, mas que a diferença seja assim tão grande... Sei que a natação, em comparação com outros, é dos desportos mais limpos. Mas que muitas vezes há resultados que me fazem duvidar...
Como é que um atleta vê que outros atletas recorram a esse tipo de substâncias?
Eu sei que isso existe e vai existir sempre. Não posso fazer nada, nem me concentro nisso. Eu nunca assisti, e se isso acontecesse eu era o primeiro a fazer queixa a quem fosse preciso.
Como começou a fazer natação?
Foi a conselho do médico, quando tinha três ou quatro anos. Foi tudo muito natural, comecei a ir uma vez por semana, a seguir três vezes por semana, depois, aos nove ou dez anos entrei na pré-competição. E fui por aí até hoje.
Sempre desfrutou da natação?
Sim, sempre me senti bem e à vontade dentro de água.
Perguntava isto porque há nadadores que atingem um ponto de saturação.
Todos os nadadores que fazem isto profissionalmente têm de amar este desporto. Não há outra maneira. É impossível estar a treinar 11 vezes por semana, duas horas e tal de cada vez que entras na água, para trás e para a frente, sem paixão. É um desporto muito monótono, é sempre a mesma coisa. Não há muito por onde variar, é uma piscina com 50 metros e tens de ir e vir. Tens que ter uma pancada forte para gostar disso. (risos)
Quem são os seus ídolos na natação?
O Michael Phelps, por tudo o que fez pela nossa modalidade. Conseguiu pôr a natação no topo das modalidades e gerou muita atenção. É o melhor atleta olímpico, não só nadador, e é sem dúvida a maior referência que eu tenho.