Polícias crêem que dinheiro público para as mesquitas ajuda à integração
O financiamento externo dos templos pode abrir uma “caixa de Pandora”, temem os peritos. Na Europa há críticas aos apoios financeiros estrangeiros a algumas comunidades muçulmanas. Em Portugal, as ajudas vêm tradicionalmente de países árabes
As forças de segurança consideram que o financiamento externo de mesquitas ou locais de culto por países ou empresários estrangeiros pode abrir uma “caixa de Pandora”. A questão do financiamento da futura mesquita de Lisboa reabriu o debate sobre os apoios à construção de templos e estruturação das comunidades – um assunto sensível que tem sido colocado em diversos países europeus. Apesar de em Portugal não terem sido detectados processos de radicalização pró-jihadista entre as comunidades muçulmanas, a preocupação existe.
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As forças de segurança consideram que o financiamento externo de mesquitas ou locais de culto por países ou empresários estrangeiros pode abrir uma “caixa de Pandora”. A questão do financiamento da futura mesquita de Lisboa reabriu o debate sobre os apoios à construção de templos e estruturação das comunidades – um assunto sensível que tem sido colocado em diversos países europeus. Apesar de em Portugal não terem sido detectados processos de radicalização pró-jihadista entre as comunidades muçulmanas, a preocupação existe.
“Quando há financiamento vindo do exterior, os países que financiam podem pôr condições, como na escolha dos imãs [líderes religiosos]”, anota, ao PÚBLICO, um especialista. “Quem financia pode considerar que adquire direitos que, de alguma forma, pode controlar”, prossegue.
Este é um princípio geral, um enunciado teórico a que os investigadores dos serviços de informação e das polícias se apegam. À margem fica um meio-termo. Alguns peritos consideram existir diferenças entre o financiamento através de Estados estrangeiros, portanto com uma chancela e visibilidade oficiais, e de empresários ou personalidades daqueles países. A discrição ou anonimato que pode envolver estes últimos suscita reticências aos oficiais das forças de segurança.
Sobre o financiamento dos templos e os apoios à estruturação das comunidades, a opção preferida, considerada mesmo ideal, é outra que não a externa. “Eventuais apoios do Estado, nos seus diversos escalões, são benéficos para as políticas de integração”, garantem. Porque, na dicotomia entre direitos e deveres, são os segundos que emergem quando quem financia é quem recebe as comunidades. Ou seja, o facto de um Estado apoiar economicamente a edificação de templos de uma comunidade contribui para a visibilidade desta na sociedade. E, ser visível, é condição de integração.
Os peritos portugueses falam sem a pressão de acontecimentos adversos que existem nalguns países europeus. “Mesmo os locais de culto em Portugal não têm sido problemáticos, não temos conhecimento de prédicas religiosas radicalizadas em locais informais”, reconhece um dos especialistas. Na Europa, em alguns destes espaços foram detectados durante a última década processos de radicalização e a existência de autênticos vasos comunicantes com organizações jihadistas que operam em acções terroristas na Síria e no Iraque, os designados combatentes estrangeiros.
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E, em Portugal, não são poucos os locais de culto de maior informalidade. A lista de mesquitas e locais de culto em Portugal da Comunidade Islâmica de Lisboa refere 19 lugares, seis salas de culto e cinco associações, enquanto contabiliza 16 mesquitas e uma madressa, a do Laranjeiro. De Norte a Sul, do interior ao litoral, incluindo a região autónoma da Madeira. Já na contabilidade dos serviços de segurança existem cerca de 60 lugares de culto, quatro dezenas na área da grande Lisboa, dez a norte e igual número a sul do país. Contudo, sem registo de quaisquer proclamações intolerantes.
Acusações a Riade
Uma situação bem diferente, portanto, da vivida em outras latitudes europeias. Em Fevereiro do ano passado, a Áustria aprovou mudanças na lei de 1912 que instituía o islamismo como religião oficial com o objectivo de coibir as manifestações radicais. A nova legislação, que também amplia a segurança jurídica da comunidade muçulmana no país – cerca de 7% da população, segundo dados de 2013 -, veta o financiamento estrangeiro das mesquitas ou de imãs. Restrições que não vigoram para os cristãos ortodoxos ou para a comunidade judia.
“A influência de países estrangeiros só existe com a comunidade muçulmana, não temos este problema com outras comunidades religiosas”, justificou Sebastian Kurz, o democrata-cristão ministro da Integração. “Neste momento, temos mais de 60 imãs da Turquia e no futuro teremos os nossos próprios imãs, não será possível termos imãs empregados do Governo turco”, disse Kurz ao defender a nova legislação.
No final do ano passado, no auge do afluxo de refugiados à Alemanha, Sigmar Gabriel, do SPD [Partido Social Democrata alemã], desde 17 de Dezembro de 2013 vice-chanceler e ministro da Economia e Tecnologia de Ângela Merkel, protagonizou uma polémica. Reagiu violentamente à proposta da Arábia Saudita da construção de 200 mesquitas na Alemanha, uma por cada 100 refugiados acolhidos por aquele país. “As mesquitas Wahhabi no mundo são financiadas pela Arábia Saudita e muitos islamistas, que são uma ameaça à segurança pública na Alemanha, vêm dessas comunidades”, disse Gabriel.
Esta declaração do líder do partido da coligação que governa em Berlim surgiu dias depois dos serviços secretos alemães – Bundesnachrichtendienst ou BND [Serviço Federal de Informações] – terem considerado o regime de Riade como uma ameaça à estabilidade do mundo árabe. O Governo alemão distanciou-se publicamente, no entanto, desta posição da sua secreta.
Contudo, na Grã-Bretanha, em Janeiro deste ano, o primeiro-ministro David Cameron autorizou uma investigação ao financiamento externo dos jihadistas e grupos radicais fornecedores de milicianos para os combatentes estrangeiros, surpreendendo desagradavelmente um dos seus mais fortes aliados no Médio Oriente. Esta iniciativa de Londres, reiterada no passado mês de Maio pelas autoridades britânicas, pretende apurar a veracidade das acusações de que sauditas financiam o Estado Islâmico e a Al Qaeda.
“Em Portugal, nunca houve uma posição de interferência na vida da comunidade muçulmana, muitos dos nossos imãs são formados na Arábia Saudita, mas felizmente nunca houve uma atitude xenófoba”, refere, ao PÚBLICO, Abdool Magid Vakil, presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa.
Conselho Islâmico
“As nossas mesquitas e locais de culto são construídos com as contribuições de países islâmicos aos quais pedimos apoio”, prossegue Magid Vakil: “São sempre os mesmos países, Arábia Saudita, Kuwait, Omã e Qatar, quer os Estados quer empresários daqueles países.”
“Em Portugal não temos ninguém que nos possa financiar, e sabemos que o Estado português não tem disponibilidades, não é possível, mas tem havido muita simpatia por parte das autarquias”, destaca. Um exemplo: desde 3 de Junho, a iluminação exterior da Mesquita de Lisboa tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa.
Aliás, a construção da mesquita da Praça de Espanha só foi possível pela “generosa oferta de um terreno pela câmara numa zona bem situada de Lisboa”, segundo consta de um memorandum de Abdool Magid Vakil dirigido aos embaixadores de diversos países árabes. Foi em 1977, quando o presidente da autarquia da capital, o socialista Aquilino Ribeiro Machado, fez a doação.
Arábia Saudita, através da embaixada em Madrid, Turquia, Egipto, Koweit, Paquistão, Emirados Árabes, Líbia (entre 1981 e 83), Omã, Jordânia e Irão contribuíram para a edificação do templo e do centro islâmico. “Quando, em 1977, tivemos a oferta do terreno, começámos a pensar na edificação e tivemos a ajuda de vários embaixadores, o grande doador foi a Arábia Saudita que até ajudou à definição do projecto”, revela o presidente da comunidade islâmica. Na verdade, o projecto foi de “mesquita ‘chave na mão’”.
Desde 1975, a comunidade muçulmana em Lisboa fazia as suas orações na residência do embaixador egípcio, General Shazlyz, “a águia egípcia”, herói da guerra do Yom Kippur. “Disponibilizou a casa para as orações de sexta-feira e também pagou um imã que veio do Egipto”, lembra. Enquanto durou a construção do templo, o então primeiro-ministro Carlos Mota Pinto decidiu pôr à disposição da comunidade um edifício público desocupado, junto à rua do Século, ao Príncipe Real.
Uma situação bem diferente da vivida por Abdool Magid Vakil quando, em 1961, a sua família se instalou em Portugal. “Era em minha casa, em Alvalade, que se reunia a comunidade”, recorda: “Em Março de 1968, fundámos a comunidade islâmica de Lisboa, éramos 15, eu era o sócio nº2, o primeiro era o Suleiman Valy Mamede, e o nosso sonho era ter uma mesquita.”
Entre as memórias do processo de construção do templo, o presidente da comunidade islâmica destaca alguns episódios. Em 2001, o príncipe Salman da Arábia Saudita, em visita a Lisboa, trouxe um cheque de um milhão de dólares do rei Fahd Bin Abdul Aziz Al-Saud. Também depois de uma visita à capital portuguesa do primeiro-ministro turco Tayyep Recep Erdogan [hoje Presidente da Turquia] chegaram de Ankara mármores para algumas áreas da mesquita. E, mais recentemente, em 2012, após a visita oficial do ex-Presidente turco Abdullah Gul foi recebida uma doação de meio milhão de dólares.
Hoje, a comunidade islâmica procura novas formas de organização. Há concertação de posições entre, por exemplo, as comunidades de Lisboa e Porto, mas o objectivo é mais ambicioso que estes simples contactos. “Estamos a ver se, como na Inglaterra, criamos um Conselho Islâmico de Portugal, seria um guarda-chuva de todas as associações muçulmanas”, anuncia Magid Vakil.
“Há muitas vantagens em termos uma estrutura semelhante à que existe em Inglaterra”, reconhece o presidente da comunidade islâmica de Lisboa. Tal estruturação, admitem especialistas em segurança, facilitaria ainda mais os contactos e potenciaria a integração.