Oferta de casas para arrendar caiu 33% em cinco anos e rendas dispararam
Lisboa e Porto são as cidades mais afectadas pela falta de habitações para arrendar e onde se assiste ao crescimento do alojamento turístico. Preços de venda também estão a subir.
O mercado da habitação em Portugal está a sofrer uma alteração profunda, especialmente em Lisboa e no Porto: a oferta de casas para habitação permanente caiu drasticamente, fazendo disparar o valor das rendas, os preços dos imóveis para venda estão a subir, e cresce exponencialmente a oferta de casas no segmento do alojamento local (AL).
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O mercado da habitação em Portugal está a sofrer uma alteração profunda, especialmente em Lisboa e no Porto: a oferta de casas para habitação permanente caiu drasticamente, fazendo disparar o valor das rendas, os preços dos imóveis para venda estão a subir, e cresce exponencialmente a oferta de casas no segmento do alojamento local (AL).
Esta tendência pode dificultar ainda mais a procura de casa para alugar, sobretudo, em Lisboa, onde pelas contas da APEMIP, associação das empresas de mediação imobiliária, as rendas subiram entre 30 e 40% em algumas zonas centrais. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2011 existiam em Portugal 110 mil casas disponíveis para arrendamento habitacional, um número que Luís Lima, presidente da APEMIP, reduz para 90 mil por considerar que o estado de conservação de 20 mil não permite a sua ocupação. Cinco anos passados, e tendo como referência as 90 mil, o líder associativo estima uma queda para 60 mil, ou seja, menos 33%.
O tema está na ordem do dia. O Governo já veio anunciar que quer “melhorar o quadro legal” do AL e que em causa estão alterações à actual lei relacionadas com a "monitorização e sã convivência entre os vários tipos de oferta turística”. E, numa altura em que a Comissão Europeia aconselha os Estados-membros a não proibir a economia de partilha (onde se encaixa o negócio do arrendamento de curta duração, por exemplo), cidades como Berlim já impedem a reserva de apartamento inteiros, permitindo apenas o arrendamento de quartos.
A diminuição da oferta de casas para arrendar, especialmente, em Lisboa e no Porto é explicada pela APEMIP não só pelo facto de parte destes imóveis já estarem a ser arrendados, mas também por não terem surgido novas ofertas no mesmo segmento. Outro motivo é a aposta dos proprietários no alojamento local, de curta duração, que acompanha o fluxo turístico do país e um interesse crescente de investidores estrangeiros que têm contribuído para um crescimento da compra de imóveis – fazem-no para segunda habitação, mas também para investimento, direccionado para a oferta turística, nomeadamente de hostels.
Luís Lima defende que a opção pelo AL também está relacionada com a necessidade de os proprietários “se protegerem em relação à elevada fiscalidade que se verifica no arrendamento permanente e a ausência do seguro de renda, que daria maior confiança e segurança aos proprietários”. No caso de o proprietário ser pessoa singular, o alojamento local é considerado uma prestação de serviço, sendo por isso tributado na categoria B do IRS (15%), menos penalizadora do que na categoria F (rendimentos prediais, com uma tributação de 28%), na qual se encaixa o arrendamento habitacional.
Índice de rendas cresce 16%
Os dados mais recentes do índice de rendas residenciais para Lisboa, da Confidencial Imobiliário (Ci), revista especializada na recolha e tratamento de dados no sector, mostram um crescimento significativo no valor das rendas de 15,9% entre o segundo trimestre de 2013 e 2015. Entre o quarto trimestre de 2015 e igual período de 2014, o crescimento é de 9%. Também o Portuguese Housing Market Survey (PHMS), da Ci, elaborado através de um inquérito a 150 agentes do mercado imobiliário, revela um aumento da procura de arrendamento permanente e uma redução brusca da oferta, uma divergência que conduz a um aumento do valor das rendas. Esta tendência tem-se agravado desde o Verão de 2014.
Além das rendas, o preço das casas também está a subir e muitos destes imóveis são comprados para servirem como AL. O Índice de Preços da Ci para o centro histórico de Lisboa mostra uma subida de 22,3% no segundo semestre de 2015, quando comparado com o período homólogo de 2014. Trata-se da maior variação homóloga da série, iniciada em 2008. Face ao primeiro semestre de 2013, altura em que começa a acentuar-se a subida, o crescimento é de 36,2%.
No Porto, onde a variação no valor das rendas não tem sido significativa, verifica-se uma forte subida de preços no centro histórico. O aumento no segundo semestre de 2015, face a igual período do ano anterior, é de 17%, verificando-se uma tendência de crescimento desde 2012.
A pressão sobre os preços vai continuar a verificar-se, até porque a APEMIP espera um crescimento na venda de casas para este ano entre 35% e 45%, com Lisboa e Porto a representarem uma fatia importante.
Inquilinos vs proprietários
O aumento da oferta turística tem dado um forte contributo à reabilitação dos centros históricos das duas maiores cidades do país, mas começa a ser pedido algum cuidado. Ontem em Lisboa a Associação do Património e População de Alfama promoveu um debate sobre o futuro deste bairro, onde “já há ruas onde não se fala português”. Amanhã, na sede da Trienal de Arquitectura há um debate intitulado “Quem vai poder morar em Lisboa?”. E ainda na semana passada na Assembleia Municipal de Lisboa rejeitou uma proposta do Bloco de Esquerda que defendia a introdução de um conjunto de limitações a esta actividade.
Ricardo Guimarães, director da Ci, defende que “esta dinâmica deve ser acarinhada, mas isso não quer dizer desregulada”. Já a Associação de Inquilinos Lisbonense (AIL) mostra-se preocupada, considerando que o AL retira oferta ao mercado de arrendamento e provoca uma significativa subida do valor das rendas. Romão Lavadinho, presidente da AIL, fala em relatos “de muitos inquilinos, mais idosos, sós e fragilizados, residentes nas zonas do centro histórico da cidade - Alfama, Mouraria, Castelo, Graça, Madragoa - que estão a ser fortemente pressionados para abandonarem as suas habitações que os senhorios desejam colocar no AL, nalguns casos com êxito, indemnizando parcamente os inquilinos”.
No seguimento destes problemas, a AIL pede medidas para que a alterações de uso dos imóveis sejam feitas para todo o edifício a não apenas para parte. Outra medida passa pela correcção da fiscalidade sobre o rendimento das rendas, reduzindo a taxa de IRS para um valor simbólico, por exemplo 5%, de modo a pressionar para baixo o seu valor e incentivar o arrendamento.
Do lado dos proprietários o discurso é outro. Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, diz “não conhecer um único relato” de pressão sobre os inquilinos para libertarem os imóveis. O AL “é uma oportunidade”, assegura “um maior rendimento” mas também “implica grandes investimentos para os proprietários, não apenas para colocar o imóvel em condições, mas também devido aos enormes custos administrativos “, destaca.
O líder associativo não concorda com as declarações de que o AL “prejudica a genuinidade da cidade”, defendendo que “uma cidade europeia moderna tem que se habituar a conviver com o turismo”, e que “medidas que procurem fechar a cidade aos turistas seriam absolutamente catastróficas, numa altura em que Portugal precisa tanto de relançar a economia”.
Menezes Leitão considera ainda exageradas as percentagens de crescimento das rendas, recordando que se verificou “uma enorme quebra do valor desde 2011, assistindo-se apenas a alguma recuperação” desde 2014. E destaca que em Lisboa a subida foi maior, de 17,3% nos últimos dois anos, sendo de 8,9%, em 2015 (dados do Ci). No entanto, contrapõe que “os especialistas dizem que os custos do imobiliário, quer em Portugal, quer em Lisboa, subiram a um ritmo superior ao das rendas, pelo que se verifica um decréscimo contínuo da rentabilidade desde 2012”.
Considerando que a oferta de alojamento turístico “não tem qualquer influência no arrendamento”, Menezes Leitão recorda que “a Lei das Rendas teve um impacto muito positivo, na medida em que devolveu confiança aos proprietários”. Contudo, “esse impacto positivo foi-se esvaindo devido aos recuos na liberalização do arrendamento, à prorrogação do regime transitório nos arrendamentos comerciais, efectuada pela Lei 79/2014, e, agora, devido ao anúncio do regresso ao congelamento de rendas, efectuado pelo PS”.
“Os proprietários já não acreditam que não haja tentativas de prorrogar à força os arrendamentos e, devido a esse receio, já não colocam os imóveis no mercado de arrendamento. Por isso a escassez de oferta é uma realidade. E quanto menos confiança o poder político der aos proprietários menos oferta de arrendamento haverá”, adianta o presidente da ALP.
Esclarecer “mitos”
Eduardo Miranda, presidente da recém-criada Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), diz que é preciso “desmistificar” a influência do arrendamento de curta duração no aumento das rendas e há convocou uma conferência de imprensa para a próxima quarta-feira para tentar desfazer polémicas.
“O AL, em Lisboa, quase não tem representatividade, contanto apenas cerca de 1,3% dos imóveis. Isto são factos”, sublinha.
O presidente da ALEP detalha que em Lisboa só há duas freguesias em que a presença de AL poderá ter significado: Santa Maria Maior (inclui os bairros de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo, e Mouraria) e Misericórdia (Encarnação, Santa Catarina, Mercês e São Paulo). “E o mesmo se passa no Porto”, argumenta. Há aumentos de preços, sim, mas a “forte presença de investidores estrangeiros” é o factor que mais tem “potenciado a subida, em especial no último ano”. E concorda que o problema, neste momento, não é o aumento das rendas “mas a falta de imóveis para arrendar” e o “crescente número de imóveis à venda”.
Contactada pelo PÚBLICO, fonte da Airbnb, uma das mais populares plataformas de arrendamento de casas a turistas, refere não ter dados que permitam “avaliar se existe um crescimento no preço dos alugueres e quais as razões”. A existir, “é algo que sucede sempre em todas as grandes cidades atractivas onde as pessoas querem viver”, continua, disponibilizando-se a reunir com as autoridades nacionais para “trabalhar de forma conjunta e encontrar soluções”.