“A Europa tem que começar a fazer empresas como a Google e o Facebook pagar impostos”
Christian Fuchs é um dos mais relevantes – e controversos – investigadores mundiais sobre os media sociais.
O académico marxista, que é professor na Universidade de Westminster, no Reino Unido, defende uma maior regulação sobre as grandes empresas da Internet e uma estratégia europeia de resposta ao domínio norte-americano no sector, que inclua os serviços públicos de televisão e financiamento público a plataformas de media sociais alternativas. Esteve em Braga para uma conferência organizada pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, em que falou de um dos seus livros mais conhecidos, Occupy Media – o movimento Occupy e os media sociais num capitalismo em crise.
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O académico marxista, que é professor na Universidade de Westminster, no Reino Unido, defende uma maior regulação sobre as grandes empresas da Internet e uma estratégia europeia de resposta ao domínio norte-americano no sector, que inclua os serviços públicos de televisão e financiamento público a plataformas de media sociais alternativas. Esteve em Braga para uma conferência organizada pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, em que falou de um dos seus livros mais conhecidos, Occupy Media – o movimento Occupy e os media sociais num capitalismo em crise.
No subtítulo do seu livro Occupy Media fala de um capitalismo em crise. O capitalismo ainda está em crise?
A crise começou em 2008 como uma crise financeira, que, a partir dos EUA, teve ondas de choque em todo o mundo, resultando numa profunda recessão na Europa. A crise socio-económica continua e transformou-se numa crise política. Por volta de 2011, inspirados pela Primavera Árabe, emergiam vários movimentos sociais, como o movimento Occupy. Mas isso foi há cinco anos e, desde então, houve uma crescente viragem política para a direita e a ascensão de ideias nacionalistas. A crise dos refugiados mostrou que a Europa não conseguiu lidar com isto.
O sistema económico em si está posto em causa?
O capitalismo de alguma forma sobreviveu. Mas sobreviveu através de medidas de austeridade, a que chamo híper-neo-liberalismo: os bancos foram resgatados com muito dinheiro dos contribuintes, ao mesmo tempo que foram aplicadas medidas de austeridades, destruindo a classe média. Além disso, há muitos países que dão prendas aos mais ricos e às grandes empresas. Como se percebe pelos Panama Papers, as grandes empresas conseguem evitar pagar impostos, e entre elas estão algumas das grandes empresas de comunicação como a Google.
Cinco anos volvidos, conseguem encontrar-se consequências de movimentos como o Occupy?
O conflito entre os 1% de pessoas mais ricas e as restantes 99% continua a existir. Estes movimentos parecem ter desparecido, mas não terminaram. O que aconteceu foi que se desenvolveram, emergindo em partidos políticos como o Syriza, na Grécia, a liderança do Partido Trabalhista no Reino Unido por Jeremy Corbyn, ou o que está a acontecer com Bernie Sanders nos EUA. Esses movimentos sociais resultaram em que se tenha tornado novamente possível a falar em socialismo democrático como uma alternativa potencial ao capitalismo.
Bernie Sanders está a usar a palavra socialismo e muitos académicos, como é o seu caso, estão a recuperar ideias marxistas. O que é explica isto?
A contradição do capitalismo tornou-se tão profunda que cada vez mais pessoas estão interessadas em alternativas. O socialismo é apenas um nome para uma alternativa democrática ao capitalismo, na qual os meios de produção são controlados pelas pessoas e não por grandes empresas. A forma como eu entendo o socialismo é uma forma de democracia participativa, em que a democracia não está apenas na esfera política, mas também possamos superar a ditadura que temos nos locais de trabalho.
Como se compreende que movimentos que foram iniciados por jovens estejam a confiar em políticos bastante mais velhos, como Corbyn e Sanders?
Há também uma geração mais velha que os apoia. O que há é um hiato geracional. Ou seja, com eles estão muitos dos que participaram em movimentos de esquerda e progressistas por altura das revoltas estudantis de 1968, bem como os jovens, que passaram pelo mesmo tipo de experiências e se politizaram. Há uma geração entre estas, composta por aqueles que cresceram entre os anos 1980 e 1990, que se tornou numa geração conservadora. O que vimos acontecer nesses anos foi uma espécie reacção, em que o capitalismo neoliberal se tornou muito forte ao mesmo tempo que houve uma crise da esquerda tradicional e progressista. Penso que estamos a assistir a uma revigoração da esquerda e das políticas socialistas.
E consegue apontar reflexos desse fenómeno nas políticas que estão a ser seguidas pelos governos?
As forças que detêm o poder são muito fortes: é o poder da política e do dinheiro combinados. O que podemos observar é uma forma de luta de classes que está a acontecer na Europa e no mundo. Como sempre aconteceu na História, as situações de luta social e de uma continuada crise política e económica estão cheias de oportunidades, mas também de riscos. Ao mesmo tempo, vemos uma emergência do nacionalismo e de espirais de violência. No futuro, a escolha será entre o socialismo e o barbarismo.
Qual é o papel que os media sociais desempenham nestas lutas políticas?
Sobretudo na Primavera Árabe, muitos observadores internacionais diziam que eram revoluções do Twitter e do Facebook. Era uma suposição tecno-determinística, como se a tecnologia fosse criar revoluções políticas. Houve observadores que reagiram a isto e disseram que estava a ser exagerado o papel da tecnologia, dizendo que as revoluções são feitas nas ruas, casos de pensadores progressistas como Noam Chomsky ou Slavoj Zizek. Mas estes ignoravam completamente a tecnologia. O meu argumento foi o de que precisávamos de estudos empíricos para perceber qual é, de facto, o papel dos media sociais nestes movimentos. Foi esse o estudo que fiz, dando origem ao livro Occupy Media.
Nessa obra, aponta uma contradição entre a forma como estes activistas contestam um sistema económico e político, mas usam as ferramentas detidas pelas grandes empresas que representam esse mesmo sistema. Como é que isto funciona?
Os activistas usaram os media sociais detidos por grandes empresas, mas também comunicação cara a cara, nas praças e nas ruas. Ou seja, estes não são protestos que são online ou offline, são ambas as coisas. Há mesmo um fenómeno de intensificação: quanto mais as pessoas se envolvem nos movimentos sociais, maior é a rede de contactos entre activistas. Esta rede crescente acaba também por ter uma influência positiva do uso que fazem dos média.
Eles tinham noção de que estavam a usar ferramentas de empresas que contestavam?
Perguntei-lhe: vocês argumentam que se opõem ao 1%, mas Google, Facebook e Twitter são certamente parte do 1%, porque são empresas altamente lucrativas. São também parte da indústria da vigilância, que foi denunciada por Edward Snowden. Pode realmente confiar-se nestas empresas? Os activistas não tão tontos. Estão bastante cientes dos perigos e assumem que há uma ambivalência. Por um lado, os media sociais dão a oportunidade de chegar a uma audiência mais alargada, porque há tanta gente nestas plataformas, e eles vêem-nas como uma boa ferramenta para a mobilização. Ao mesmo tempo, têm preocupações com o facto de serem plataformas detidas por grandes empresas e onde existe vigilância.
Conseguiu perceber onde está o ponto de equilíbrio que permita usar estas ferramentas, escapando a essa vigilância?
Não se consegue escapar à vigilância destas empresas e do Estado. A alternativa é termos plataformas de internet e de media sociais alternativas, que sejam geridos de forma independente, por organizações sem fins lucrativos.
A natureza do sistema tem sido capturar esses meios alternativos. O WhatsApp, por exemplo, começou como uma empresa independente, mas agora é parte do Facebook.
O problema do capitalismo é a sua tendência monopolista, mas nós não estamos presos dentro do sistema capitalista. Aquilo que os activistas têm feito é tentar construir esta alternativa fora do sistema capitalista, criando formas de resistência que não correspondam à lógica mercantil e do controlo empresarial. Os media alternativos têm uma história longa. Além disso, em particular na Europa, há uma tradição muito interessante de serviço público de media. Posso perfeitamente imaginar um YouTube alternativo criado por uma rede de empresas públicas de televisão na Europa. Imagine que todos os arquivos de televisão de todos os serviços públicos de televisão punham todo o seu material, com uma licença Creative Commons, no seu próprio tipo de YouTube, onde as pessoas pudessem não só vê-lo, mas também usá-lo para fazerem os seus próprios pequenos documentários. Este podia ser o modelo europeu de media sociais.
Não é uma ideia utópica?
Precisamos de utopias necessárias e reais. Face aos profundos problemas da Europa, temos duas soluções: aceitar o statu quo, o que quer dizer desemprego dos jovens e precariedade, ou tentamos imaginar utopias reais. Ou seja, alternativas que devem ser realistas, no sentido de serem construídas passo a passo. O que eu imagino são plataformas de media sociais alternativas e não comerciais, geridos pela sociedade civil, mas que possam ter um certo nível de financiamento público.
De que forma?
Tal como em alguns países europeus existem financiamentos à imprensa, com a intenção de reforçar a liberdade de expressão, pode acontecer o mesmo nos media sociais. Se temos grandes empresas norte-americanas, como a Google e o Facebook, a dominar a economia da Internet, alguma coisa deve ser feito contra isso. Temos plataformas alternativas geridas por grupos da sociedade civil que têm muitas dificuldades em competir neste mercado. Um subsídio público a estas plataformas ajuda-as a tornarem-se mais poderosas. Se a isso juntarmos a ideia que que os serviços públicos, por exemplo, podem começar as suas próprias plataformas de media, teremos dois contra-poderes, que podem ser uma grande desafio para dominação californiana da Internet.
Quando os media tradicionais usam as redes sociais para atingir as suas audiências, estão no caminho certo?
É um passo lógico, uma vez que as redes sociais se tornaram tão populares que dificilmente se encontram grandes organizações no mundo que não estejam a utilizar os media sociais. Contudo, os media sociais são um grande alvo da máquina da publicidade. Os media tradicionais dependem também da publicidade, mas é difícil para eles competir com a esfera da publicidade segmentada.
A minha questão prendia-se com o facto de os media tradicionais estarem a colocar os seus produtos numa outra empresa que não a sua.
É o mesmo que acontece com os utilizadores quotidianos, que também colocam fotografias e vídeos nas redes sociais. O que acontece no mundo dos media sociais detidos por grandes empresas é que os utilizadores se tornaram trabalhadores, criando dados-mercadoria, que são vendidos às empresas de publicidade. Num ambiente mediático tão concentrado é muito difícil para os media tradicionais sobreviverem.
E o que pode ser feito?
A Europa tem que começar a fazer empresas como a Google e o Facebook pagar impostos. As grandes empresas de media sociais exploram o trabalho dos utilizadores, têm normalmente custos com salários muito reduzidos – muitos mais baixos do que as empresas de media tradicionais – e, em cima disto, poucos impostos pagam na Europa.