Daniel Oliveira e a mesquita
A vigilância laica que a esquerda dedica ao catolicismo transforma-se em paixão multicultural quando o assunto é o islamismo.
Há uma semana escrevi nesta página um texto intitulado Uma mesquita na Mouraria que deu origem a alguma polémica. No Expresso Diário, Daniel Oliveira acusou-me de ser apenas laico no que toca a mesquitas. Trata-se de uma pura inversão do meu argumento inicial – eu critiquei a esquerda jacobina por mostrar uma surpreendente disponibilidade para aceitar que a Câmara de Lisboa ofereça uma mesquita novinha em folha à comunidade islâmica. O artigo do Daniel demonstra isso mesmo, e não altero uma linha em relação ao que escrevi: sim, a vigilância laica que a esquerda dedica ao catolicismo transforma-se em paixão multicultural quando o assunto é o islamismo.
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Há uma semana escrevi nesta página um texto intitulado Uma mesquita na Mouraria que deu origem a alguma polémica. No Expresso Diário, Daniel Oliveira acusou-me de ser apenas laico no que toca a mesquitas. Trata-se de uma pura inversão do meu argumento inicial – eu critiquei a esquerda jacobina por mostrar uma surpreendente disponibilidade para aceitar que a Câmara de Lisboa ofereça uma mesquita novinha em folha à comunidade islâmica. O artigo do Daniel demonstra isso mesmo, e não altero uma linha em relação ao que escrevi: sim, a vigilância laica que a esquerda dedica ao catolicismo transforma-se em paixão multicultural quando o assunto é o islamismo.
Vejamos as nossas principais discordâncias, ponto por ponto. Daniel Oliveira começa por dizer que as expropriações de um proprietário são “banais quando há obras numa cidade com pouco espaço disponível”. Primeira diferença: nunca me passaria pela cabeça casar o adjectivo “banal” com o substantivo “expropriação”. Tenho demasiado amor à propriedade privada. Uma expropriação nunca pode ser banal, e é óbvio que construir uma mesquita em terreno expropriado não é o mesmo que vender a um preço simbólico um dos milhares de edifícios sem utilidade que a câmara possui.
Segunda diferença: a questão dos “preconceitos xenófobos” e dos “fantasmas” do “extremismo islâmico”. Era o que faltava que eu não pudesse verbalizar uma profunda discordância política para com a câmara de Lisboa só porque os beneficiários são muçulmanos e ai-meu-Deus-que-o-PNR-vai-subir-nas-sondagens. Tristemente, acabo sempre por descobrir que tenho mais fé na humanidade do que a esquerda: não acho que o povo seja estúpido, não acho que os problemas se evitem com a multiplicação de temas tabu, acho que os idiotas xenófobos devem falar para nós sabermos onde eles estão e não tenho dúvidas de que o meu texto inicial é claríssimo quanto à aprovação simbólica da construção de uma mesquita naquele lugar. O que digo é muito simples: com o dinheiro de todos, não; com o dinheiro dos que acreditam em Alá, sim.
Terceira diferença: não me parece que aquilo que não é branco tenha necessariamente de ser preto. Escreve Daniel Oliveira: “A coisa não é complicada: ou aceitamos que o Estado pode apoiar algumas actividades religiosas e somos pluralistas nesse apoio ou defendemos a laicidade sem concessões.” E para o Daniel “laicidade sem concessões” implica acabar com a Concordata, com a aulas de Religião e Moral, com a preservação das igrejas, com a presença de padres em cerimónias públicas e por aí fora – só escapou o Natal e os feriados religiosos, vá lá saber-se porquê.
Este enfiar tudo dentro do mesmo saco é típico de um jacobinismo australopiteco cuja extinção seria um precioso bem para a humanidade. Caro Daniel: preservar uma igreja não é o mesmo que construir uma igreja (600.000 euros para construir a igreja do Restelo, como a câmara terá oferecido, é inadmissível; 800.000 euros para reabilitar igrejas é atendível). Apoiar a construção de um museu judaico não é o mesmo que construir uma sinagoga. Ceder um terreno não é o mesmo que expropriar edifícios. Apoiar um lar de terceira idade gerido por uma comunidade religiosa não é o mesmo que oferecer-lhe um templo. São tudo coisas diferentes. Umas justificam-se, outras não. Qualquer pessoa com a cabeça em 2016 percebe isto. Quem tiver a cabeça em 1916, aí sim, admito que possa ter algumas dificuldades.