Rui Rio a favor da eutanásia: debate é “mais fácil” de fazer do que o do aborto

"É elementar em democracia não obrigar alguém a sofrer até ao último momento", defende o ex-vice-presidente do PSD. Isso é "uma brutalidade e uma crueldade", diz.

Foto
Rui Rio está certo de que o PSD dará liberdade de voto aos seus deputados na questão da eutanásia Rui Farinha

É um dos notáveis que subscreveram o manifesto sobre a despenalização da morte assistida, um texto que veio colocar o debate sobre a eutanásia na ordem do dia em Portugal. Para Rui Rio, ex-secretário-geral do PSD, não há sombra de dúvida: este assunto é “mais fácil” de discutir do que a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (que também defendeu, há anos).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

É um dos notáveis que subscreveram o manifesto sobre a despenalização da morte assistida, um texto que veio colocar o debate sobre a eutanásia na ordem do dia em Portugal. Para Rui Rio, ex-secretário-geral do PSD, não há sombra de dúvida: este assunto é “mais fácil” de discutir do que a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (que também defendeu, há anos).

Na morte assistida, o que está em causa é “o direito a decidir sobre a própria vida, enquanto no aborto entra na equação uma outra vida”, explica Rui Rio, que é um dos oradores numa sessão pública sobre a despenalização da morte assistida, esta quinta-feira à noite, no Porto.

“É simples. Entendo que uma pessoa, numa situação terminal, sem esperança, sabendo que, a partir daí, o dia seguinte vai ser pior do que o anterior, tem o direito de antecipar a morte”, sintetiza o antigo presidente da Câmara do Porto, que diz não estar disposto a abdicar da “liberdade de decidir”.

“É elementar em democracia não obrigar alguém a sofrer até ao último momento", defende o ex-secretário-geral do PSD. Mas vai mais longe: “É uma brutalidade, uma crueldade retirar essa liberdade a quem está preso a uma cama, ou fazer com que alguém tenha que optar por atirar-se de uma ponte ou dar um tiro na cabeça” por não aguentar o sofrimento.

A decisão de antecipar a morte está longe de ser fácil. “Decidir morrer representa sempre uma violência enorme”, enfatiza o social-democrata, que confessa que o lhe custa mais” é “ver algumas pessoas tentar impor aos outros aquilo em que acreditam”.

Mas se a discussão do assunto é relativamente simples, a legislação será difícil de fazer, admite: “A lei tem que ser defensiva, tem que estar blindada, para não abrir caminho a eventuais abusos.” E tudo tem que ficar bem definido. Rui Rio recorda o caso do seu pai, que passou os últimos oito anos de vida com a doença de Parkinson, cinco dos quais sem capacidade de comunicar. Apesar de saber o que ele pensava sobre o assunto, de ter consciência que não queria que uma situação daquelas se prolongasse, a partir do momento em que não fez nenhuma declaração escrita, ninguém poderia decidir por ele, nota.

Do ponto de vista político, Rui Rio não antevê grandes dificuldades. Contra um referendo sobre a despenalização da eutanásia, ao contrário do que aconteceu no caso do aborto, está certo de que o PSD dará liberdade de voto aos seus deputados, até porque é “essa a tradição no partido”.

Na sessão pública pela despenalização da morte assistida marcada para o auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, às 21h30, vão intervir ainda o ex-dirigente do Bloco de Esquerda (BE), o médico João Semedo, o patologista Manuel Sobrinho Simões, o deputado socialista e constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos e a presidente do Instituto Politécnico do Porto, Rosário Gamboa.

A iniciativa é promovida pelo movimento cívico Direito a morrer com dignidade, que lançou o manifesto em Fevereiro e que avançou com uma petição pública, que recolheu mais de oito mil assinaturas e vai ter que ser discutida no plenário da Assembleia da República. Os subscritores defendem a despenalização e a regulamentação da eutanásia e do suicídio assistido como “um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa”. “É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem sabe estar condenado”, alegam.

O BE já anunciou que quer avançar com um projecto de lei sobre o tema até ao final da legislatura. O PS também deverá tomar uma posição em breve, reagindo à moção apresentada pela deputada Maria Antónia Almeida Santos. Na moção propõe-se a criação de um grupo de trabalho para discutir a despenalização da morte assistida e defende-se que o acto médico de retirar a vida a um doente terminal a seu pedido reiterado e com o seu consentimento deve deixar de ser punível, como o é, actualmente, pelo Código Penal. O documento não deverá ser discutido no congresso do PS, que começa esta sexta-feira, porque habitualmente as moções sectoriais transitam para aprovação posterior pela comissão nacional.

Testamento vital em debate

Também para esta quinta-feira, mas à tarde (15h) e na Ordem dos Médicos do Porto, está marcado um colóquio/debate sobre o testamento vital, uma iniciativa da Apre! (Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados) Norte, que conta com a presença do presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes.

O testamento vital é um documento onde um cidadão deixa expresso a que tipo de tratamentos aceita ser submetido, caso fique impossibilitado de decidir no fim da vida. Desde há quase dois anos que estes documentos podem ser inscritos numa plataforma informática fácil de aceder pelos profissionais de saúde, mas a adesão não tem sido significativa — em Abril havia pouco mais de 2500 testamentos vitais registados.

Defensor de um referendo sobre a despenalização da morte assistida, Rui Nunes, que é também director do Serviço de Bioética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sugeriu recentemente uma alteração ao código deontológico dos médicos que permita que a decisão de praticar eutanásia seja tomada de acordo com a "consciência individual" de cada médico.