Autor de novela gráfica acusado de matar a namorada em Hollywood
Um caso em que a vida parece imitar a arte - um autor fascinado pelo mal foi acusado de um crime com contornos brutais.
O mal fascinava Blake Leibel. A sua novela gráfica centrava-se na busca da semente do mal à espreita nos cérebros dos serial killers. Escreveu uma peça sobre um louco que se lançava numa onda de assassínios. O seu trabalho, como escreveu na Internet, “prende-se com as questões que rodeiam o que faz com que uma pessoa cometa actos maléficos”.
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O mal fascinava Blake Leibel. A sua novela gráfica centrava-se na busca da semente do mal à espreita nos cérebros dos serial killers. Escreveu uma peça sobre um louco que se lançava numa onda de assassínios. O seu trabalho, como escreveu na Internet, “prende-se com as questões que rodeiam o que faz com que uma pessoa cometa actos maléficos”.
Agora, Leibel é acusado de ter levado esse fascínio demasiado longe ao reencenar na vida real o que se passava na sua imaginação sangrenta. Na terça-feira, o homem de 35 anos foi a tribunal em Los Angeles para ouvir as acusações que agora pendem sobre ele: tortura, mutilação e homicídio da sua namorada.
Leibel foi detido na semana passada em West Hollywood quando as autoridades descobriram o corpo da sua namorada no interior do apartamento de ambos – cuja porta estava barricada - , noticiou a Associated Press (AP). Iana Kasian, de 30 anos, tinha tido o primeiro filho do casal três semanas antes.
Os procuradores públicos dizem que todo o sangue parecia ter sido “drenado” do corpo de Kasian, como num detalhe que parece ter saído da novela gráfica de Leibel.
Leibel declarou-se inocente em tribunal. Se for condenado de homicídio em primeiro grau, pode enfrentar a pena de morte, noticiou a agência AP. Uma tal sentença seria um twist irónico e bizarro para o autor de novelas gráficas, cujo trabalho mais conhecido começa com a execução de um serial killer no corredor da morte.
Também seria uma queda súbita e aguda para Leibel, filho de um empreiteiro rico de Toronto que foi atleta olímpico. Há apenas duas semanas, Leibel parecia ter tudo o que se podia desejar: uma namorada bonita, um filho bebé, fortuna familiar e um pé em Hollywood.
Blake cresceu em Toronto numa das famílias mais ricas da cidade. O seu pai, Lorne Leibel, é um homem de negócios e um bon vivant de grande sucesso. Competiu na equipa de vela do Canadá nos Jogos Olímpicos de 1976 antes de fazer a sua fortuna na construção de casas nos subúrbios nas décadas de 1980 e 90, como escreveu o jornal National Post. A certa altura, a sua empresa, a Canada Homes, era a maior construtora de casas do país. Lorne descreve-se como “um homem que todos sabem que gosta de Ferraris e um famoso piloto”.
A mãe de Blake casou-se já tendo o seu próprio dinheiro, sendo herdeira de uma fortuna do sector dos plásticos. Ela e Lorne tiveram dois filhos: Blake e Cody. Com bochechas redondas e queixo anguloso, Blake era a cara chapada do pai. Os dois irmãos acabariam por se mudar para Los Angeles, com Blake a chegar, segundo o Los Angeles Times, à cidade em 2004. Mas a partir daí seguiram caminhos bem diferentes.
Cody seguiu os passos do pai em termos profissionais. Blake tinha interesses menos lucrativos. Em vez de construir casas, gostava de explodir coisas e videojogos. E era bom nisso. Leibel “ganhou campeonatos mundiais” do jogo Half-Life, segundo escreveu na sua conta do Tumblr, que também o descreve “como um gamer fervoroso com o objectivo último de criar o seu jogo gigantesco de vários jogadores online (MMO)”.
Sustentado por uma mesada dos pais de quase 17 mil euros mensais, Leibel passou gradualmente dos jogos para outros ramos da indústria do entretenimento. Em 2008, trabalhou numa série que era a versão de animação do filme Spaceballs, de Mel Brooks, como se lê na sua página do IMDB. No mesmo ano envolveu-se numa “ópera espacial em comics” que seria uma série, a United Free Worlds que envolvia alienígenas, dinossauros, guerras estrelares e um herói tipo Conan, o Bárbaro. Também escreveu e realizou uma comédia chamada Bald. O poster tem um homem sem cabelo ladeado por quatro loiras de biquíni. O subtítulo do filme é “Sem dinheiro. Sem cabelo. Sem vergonha”.
O mais perto que Leibel chegou de elogios da crítica foi dois anos mais tarde, quando publicou Syndrome. Leibel descreve-o como “uma longa novela gráfica que se prende com as questões que rodeiam o que faz com que uma pessoa cometa actos maléficos”. A cena de abertura é aterradora, sabendo-se o que se sabe hoje: um jornalista televisivo à porta de uma prisão na véspera da execução de um serial killer.
“Por que é que está aqui, a questionar a sentença aplicada a este monstro que perseguia mulheres e famílias devotas da igreja”, pergunta o jornalista a uma mulher que se manifestava contra a execução. “Espere lá”, responde a manifestante. “Como é que ele pode ser um monstro se é feito à imagem de deus?”
A novela gráfica passa então a imagens do serial killer a pendurar um casal nu pelos tornozelos e a cortar-lhes a garganta – retirando-lhes o seu sangue.
Syndrome centra-se num “neuropatologista rebelde [que] tem uma revelação perturbadora – quer literalmente isolar a raiz de todo o mal nos confins do cérebro humano – e que não parará até conseguir fazer avançar a sua teoria”, segundo se lê na descrição do editor na Amazon. “Com a ajuda de uma ingénua actriz de Hollywood, um realizador atormentado e um serial killer condenado, o Dr. Wolfe Brunswick lança uma experiência ousada no deserto do Nevada, cujo resultado pode transformar a humanidade para sempre”.
Logo no início do livro, o serial killer descreve a recompensa sexual que retira do acto de matar. “Devia experimentar”, diz ao médico. “Com Syndrome, Blake Leibel, que criou o conceito, colocou-nos algumas questões provocadoras – especialmente sobre como é que devemos de facto tratar, ao invés de apenas punir, um verdadeiro psicopata – e depois deu-nos a liberdade de encontrar as respostas através da nossa história”, disse o co-autor do livro, R.J. Ryan, a uma publicação dedicada à BD.
O mal e a psicopatia são temas recorrentes para Leibel. Pouco depois da publicação de Syndrome, escreveu um argumento chamado Psychopomp sobre “um louco que cospe palavrões e que viaja por locais populares de todo o mundo com a finalidade de matar qualquer pessoa que viole o seu código de conduta muito pessoal”, lê-se no MovieWeb.
Nos últimos anos, contudo, a vida de Leibel começou a desmoronar-se. Quando a mãe morreu em 2011, disse, segundo documentos judiciais, não ter quaisquer rendimentos – apesar de estar a sustentar a mulher e o filho, segundo o Los Angeles Times. E em 2014, no âmbito de uma batalha judicial para garantir que receberia mais da fortuna da família, disse que a sua relação com o pai era “amarga”, escreveu o Global News.
Leibel entrou com os papéis para o divórcio da sua mulher no ano passado, mas o caso está ainda pendente, segundo o LA Times. Não é claro quando é que ele conheceu Kasian. A mulher de cabelo escuro mudou-se para Los Angeles em 2014 vinda da Ucrânia, onde estudara direito e trabalhara na área da fiscalização fiscal, segundo o National Post.
Kasian parecia apaixonada por Hollywood. Em fotografias no Facebook, a bonita mulher de 30 anos posava para o que pareciam ser anúncios publicitários profissionais, bem como em selfies no passeio da fama. Deu à luz o filho de ambos a 3 de Maio. Foi pouco depois disso que a vida deles pareceu tornar-se num dos livros de Leibel.
Pouco depois da meia-noite, no dia 20 de Maio, Leibel foi preso sob suspeita de agressão sexual, diz o LA Times. Foi libertado sob uma fiança de 100 mil dólares, como mostram os registos prisionais. Kasian não era a sua alegada vítima, segundo disse um amigo da família ao National Post.
A detenção de Leibel apenas 17 dias após o parto da namorada terá destroçado o seu relacionamento. Kasian mudou-se do apartamento que partilhavam no bairro de West Hollywood pouco depois para casa da sua mãe. Na quinta-feira passada, Kasian voltou ao apartamento para falar com Leibel. Nunca mais regressou a casa da mãe. Esta contactou a esquadra do xerife de West Hollywood, que enviou agentes ao apartamento. Encontraram a porta barricada com mobília e roupas de cama. Quando finalmente conseguiram falar com Leibel, ele parecia “agitado e pouco cooperante”, disse aos jornalistas o Xerife de Los Angeles, Dave Coleman.
No interior do quarto, os agentes encontraram Kasian morta devido a um “golpe contundente na cabeça”. “Kasian foi torturada e mutilada antes de ser morta e todo o seu sangue foi drenado do corpo”, disse a Procuradoria Distrital de Los Angeles.
Alex Hanley, um vizinho, disse à Global News que várias pessoas no edifício ouviram gritos, mas não conseguiram distinguir se se tratava de uma pessoa ou de um programa televisivo. Os procuradores acusaram Leibel de homicídio, mutilação e ainda de mutilação agravada e de tortura.
Na terça-feira, o autor cuja obra tão perturbadoramente prenunciava os crimes de que é agora acusado, esteve presente em tribunal usando um colete anti-suicídio, algemas e correntes à cintura.
O seu advogado, Alaleh Kamran, questionou a competência mental do seu cliente e o juiz Keith Schwartz pediu uma avaliação psicológica, diz o National Post.
Leibel está preso sem direito a fiança e declarou-se inocente. Os procuradores dizem que só decidirão mais tarde se vão ou não pedir a pena de morte.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post