Danada impaciência
Prontos para mais um pouco de história tardo-bizantina?
Prontos para mais um pouco de história tardo-bizantina? Se se lembram da última crónica, o passado domingo não foi apenas o dia em que a Igreja Ortodoxa celebra a memória de Santa Paciência. Na verdade, essa é apenas uma consequência de um evento histórico muito mais relevante: a tomada de Constantinopla pelos otomanos, a 29 de maio de 1453.
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Prontos para mais um pouco de história tardo-bizantina? Se se lembram da última crónica, o passado domingo não foi apenas o dia em que a Igreja Ortodoxa celebra a memória de Santa Paciência. Na verdade, essa é apenas uma consequência de um evento histórico muito mais relevante: a tomada de Constantinopla pelos otomanos, a 29 de maio de 1453.
A queda da atual Istambul, que era então tida como a Segunda Roma, e a sua transformação na capital do califado muçulmano que durou até ao fim do Império Otomano em 1923, é um daqueles acontecimentos que muda o mundo. Seja como for, parece uma coisa enterrada lá há cinco séculos e meio.
Exceto, é claro, se formos um dos políticos que se toma por herdeiro dos imperadores de outras eras, seja Recep Tayip Erdogan da Turquia, seja Vladimir Putin da Rússia. Nesse caso, os 563 anos da Queda de Constantinopla — nem sequer uma data redonda — terão de ser forçosamente usados para marcar o seu simbolismo político presente e excitar a base nacionalista de cada país.
Chamou a atenção de alguns jornalistas a celebração massiva que Erdogan promoveu na Turquia no passado domingo, e que contou já com a presença do seu novo primeiro-ministro, agora que as últimas réstias da existência de qualquer outro vulto no seu partido foram afastadas. Mais de um milhão de pessoas saiu às ruas para lembrar a conquista de Constantinopla; os opositores de Erdogan detetaram rapidamente um claro sabor neo-otomano nos discursos e na simbólica comemorativa. Erdogan fez um discurso em que atacou a contraceção e o planeamento familiar e disse claramente que a Turquia iria usar a natalidade “como o meu Deus quer e o seu amado profeta anunciou” enquanto ferramenta política para a nova Turquia. No dia seguinte, Erdogan anunciou que os seus antigos aliados gulenistas (uma corrente meio-sectária-meio-moderada do islamismo turco) deveriam ser considerados “terroristas”. Juntando esses novos milhões de “terroristas” turcos aos milhões de já conhecidos “terroristas” curdos, isto não pode acabar bem.
Pouca gente notou, porém, que Vladimir Putin decidiu visitar o sagrado Monte Athos na Grécia (uma península de 45 quilómetros em plena UE onde as mulheres não podem entrar) e nessa viagem decidiu dedicar-se a um antigo passatempo dos czares: posar como protetor dos ortodoxos na região (sendo Moscovo a “terceira Roma”, depois de Constantinopla). Para enfatizar bem o simbolismo, Putin decidiu sentar-se no trono que pertenceu aos imperadores bizantinos derrotados pelos otomanos.
Isto são certamente brincadeiras de crianças grandes. Putin é conhecido por lamentar o fim da União Soviética, mas provavelmente lamenta também algo que o nascimento da URSS impediu: o plano para o fim da Iª Guerra Mundial, assinado com franceses e ingleses, que daria à Rússia o predomínio sobre Istambul e a área circundante, incluindo os estreitos entre o Mar Negro e o Mediterrâneo. Essa era uma velha ambição dos czares (e parcialmente uma das causas da Grande Guerra).
Durante décadas a Rússia e a Turquia tiveram boas relações. E mesmo hoje têm poucas razões para as terem más. A não ser, é claro, que essa seja a forma de disfarçar a incompetência e o autoritarismo dos seus atuais líderes.