Os neandertais fizeram construções numa gruta há 176.500 anos
No interior de uma gruta em França descobriram-se, há mais de 25 anos, estruturas circulares feitas de pedaços de estalagmites. Novas datações revelam que são muito antigas e têm a assinatura dos neandertais.
Uma intrigante descoberta em França mostra que os neandertais não eram assim tão rústicos. Tudo indica que terá sido esta espécie humana que construiu estruturas circulares feitas de estalagmites há 176.500 anos, no interior de uma gruta no Sudoeste da França, muitas antes de o homem moderno (a nossa espécie) ter chegado à Europa, defende uma equipa de investigadores. Este é um dos mais antigos vestígios do uso social do interior de uma gruta por humanos, segundo o artigo da equipa publicado na última edição da revista Nature.
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Uma intrigante descoberta em França mostra que os neandertais não eram assim tão rústicos. Tudo indica que terá sido esta espécie humana que construiu estruturas circulares feitas de estalagmites há 176.500 anos, no interior de uma gruta no Sudoeste da França, muitas antes de o homem moderno (a nossa espécie) ter chegado à Europa, defende uma equipa de investigadores. Este é um dos mais antigos vestígios do uso social do interior de uma gruta por humanos, segundo o artigo da equipa publicado na última edição da revista Nature.
As estruturas encontram-se na gruta de Bruniquel, uma formação geológica situada por cima do vale de Aveyron, no Departamento de Tarn-et-Garonne. A gruta foi descoberta em 1990. De acesso muito difícil, encontra-se num estado de conservação excepcional. Depois de se caminhar mais de 330 metros no seu interior, alcança-se uma sala com estruturas fantásticas, com cerca de 400 pedaços de estalagmites empilhados e arranjados de uma certa forma. Duas dessas estruturas têm uma forma circular. Na mesma sala, há ainda provas de utilização de fogo: calcite avermelhada, escurecida devido às cinzas, e vestígios de ossos carbonizados.
As estruturas já são conhecidas há mais de 20 anos. Em 1995, uma equipa liderada pelo arqueólogo François Rouzaud fez uma estimativa de datação usando carbono 14, e chegou à conclusão de que um dos ossos queimados tinha mais de 47.000 anos. Na altura, já se pensava que os neandertais poderiam ter construído estas estruturas. Mas os cientistas deixaram de lado esta linha de investigação após a morte de François Rouzaud, em 1999.
Dezoito anos depois da primeira datação, devido à iniciativa de Sophie Verheyden, espeleóloga e investigadora do Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica, formou-se uma nova equipa de investigadores para estudar o lugar.
Graças a tecnologias 3D, as estruturas foram agora cartografadas com uma grande precisão. A equipa analisou as estalagmites usando um método de urânio-tório, que permite datar objectos de um período muito antigo. O veredicto surpreendeu os cientistas: as estruturas têm cerca de 176.500 anos. E um dos vestígios de ossos queimados tem também esta venerável idade.
“Isto constitui uma surpresa incrível. Refizemos os cálculos para termos a certeza [das datas]”, conta à agência de notícias AFP Dominique Genty, paleoclimatólogo do Centro Nacional de Investigação Científica francês, um dos autores do artigo.
Um ritual?
Os cientistas verificaram que estas estruturas não poderiam ter uma origem natural ou estarem ligadas à passagem de ursos naquela caverna. Todos os vestígios de ursos que existem em Bruniquel são de outros locais da gruta. “Demonstrámos, de uma forma incontestável, que estas estruturas são de origem humana”, declarou à AFP Jacques Jaubert, professor de pré-história da Universidade de Bordéus (França) e um dos autores do artigo.
Dada a idade antiga das estruturas, “não há provavelmente outro humano além do neandertal que possa ser o autor delas, porque não existiam outros grupos humanos na Europa durante esta altura”, sublinhou a arqueóloga Marie Soressi, da Universidade de Leiden, na Holanda, num comentário que escreveu para a revista Nature a acompanhar o artigo científico sobre a descoberta.
Uma das estruturas circulares tem mais de 6,7 metros de largura e contém um pequeno muro com mais de 30 centímetros de altura, composto por camadas de fragmentos de estalagmites colocados uns em cima dos outros. Os neandertais extraíram as estalagmites da gruta e encaixaram-nos para montar a estrutura. “Moveram 2,3 toneladas de material. Este não pode ser senão um trabalho colectivo”, sublinhou Jacques Jaubert. Para terem luz na gruta, os neandertais fizeram fogo queimando ossos, como mostram os vestígios de pedaços queimados encontrados na gruta.
Para o investigador, o estudo aumenta o que se sabia em relação ao comportamento dos neandertais, que viveram na Europa entre há 250.000 e 40.000 anos. “Encontrámos a prova de que os neandertais eram capazes de descer às profundezas da terra e, num ambiente hostil, usando fogo para obter luz, levar a cabo actividades invulgares que não são do domínio da subsistência”, acrescentou Jacques Jaubert. Isto mostra que “não eram uns brutamontes sombrios que apenas talhavam sílex e caçavam bisontes para se alimentarem”.
Mas há muitas perguntas que ficam por responder. Por que será que os neandertais construíram estas estruturas misteriosas tão longe de entrada da gruta? Será que serviam para rituais, para a celebração de algum culto? O investigador mantém-se prudente quanto aos motivos da construção das estruturas, mas diz que “com Bruniquel iremos seguir uma linha de investigação muito interessante”.