Guerra tomou conta dos tories e imigração é a última arma de arremesso

Ministros atacam Downing Street, deputados avisam Cameron que os seus dias podem estar contados, ganha ou vença o referendo à UE. Campanha pelo "Brexit" acusa Cameron de não ter cumprido promessa de reduzir chegada de imigrantes ao país.

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"Ele vai metralhá-los a todos", disse ao Telegraph uma fonte sobre a previsível remodelação governamental pós-referendo Leon Neal/AFP

Já não é possível esconder o clima de guerra que se apoderou do Partido Conservador britânico, dividido a meio sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e corroído por uma retórica cada vez mais incendiária de parte a parte. Boris Johnson e Michael Gove, os dois principais rostos da campanha pela saída, lançaram neste domingo uma nova acha na fogueira ao exigirem que o primeiro-ministro, David Cameron, reconheça o “fracasso” da promessa que fez em 2010 de reduzir a imigração para o país.

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Já não é possível esconder o clima de guerra que se apoderou do Partido Conservador britânico, dividido a meio sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e corroído por uma retórica cada vez mais incendiária de parte a parte. Boris Johnson e Michael Gove, os dois principais rostos da campanha pela saída, lançaram neste domingo uma nova acha na fogueira ao exigirem que o primeiro-ministro, David Cameron, reconheça o “fracasso” da promessa que fez em 2010 de reduzir a imigração para o país.

A pouco mais de três semanas do referendo à UE, a 23 de Junho, é cada vez mais difícil perceber como vão os tories reparar as feridas abertas por esta campanha, numa altura em que é já o futuro de Cameron à frente do partido que se discute.

“Ganhe ou perca este referendo, David Cameron está provavelmente condenado como líder do partido”, disse ao jornal Telegraph o deputado Andrew Bridgen, um dos primeiros a quebrar o tabu sobre a provável rebelião que espera o primeiro-ministro a 24 de Junho. Pouco antes, a também deputada Nadine Dorries acusou Cameron de “mentir profundamente” e avisou-o que os seus dias à frente do partido podem estar contados, ganha ou vença a consulta.

“Se o país votar pela saída da UE, ele deveria demitir-se – e provavelmente fá-lo-á. Mas o seu Project Fear [designação usada pelos opositores para denunciar as tácticas da campanha a favor da UE] enfureceu tantos colegas conservadores que mesmo que o resultado seja pela permanência, ele irá quase de certeza enfrentar um voto de censura”, afirmou o deputado. Para desencadear a votação é apenas preciso que 50 deputados a peçam por escrito e, apesar de os analistas acreditarem que Cameron conseguiria sobreviver à moção no caso de vencer confortavelmente o referendo, ser-lhe-á difícil voltar a contar com o apoio de deputados com quem se incompatibilizou.

A imprensa britânica adianta que 30 deputados terão já dado esse primeiro passo, mas em público Bridgen e Dorries estão para já em minoria – os dirigentes do partido que se posicionaram contra a UE repetem que o lugar do primeiro-ministro não está em causa neste referendo. O que não significa que sejam mais dóceis nas palavras que dirigem a Cameron e aos seus aliados, ao ponto de ser agora possível ver alguns dos seus ministros a pôr publicamente em causa a actuação do Governo.

Do outro lado, a intensidade retórica não é menor, com Downing Street a acusar a campanha contrária de falta de credibilidade e até de oportunismo político – uma crítica pouco velada ao ex-mayor de Londres, Boris Johnson, potencial candidato à sucessão de Cameron. Um membro do Governo, que falou ao Telegraph sob anonimato, disse ser provável que o primeiro-ministro se desfaça dos ministros que fizeram campanha contra ele mal o referendo termine. “Ele vai metralhá-los a todos. Para os ministros “pró-Brexit” [esta campanha] vai ser ‘matar ou morrer'.”

Com os últimos resquícios de civilidade atirados ao chão, coube a Johnson e Gove lançar um dos ataques mais duros contra Cameron, de quem ambos se dizem amigos. Numa carta aberta publicada no Sunday Times, assinada também pela deputada trabalhista Gisela Stuart, exigem ao primeiro-ministro que reconheça que a promessa, feita em 2010, de reduzir o saldo migratório (diferença entre entradas e saídas no país) para menos de cem mil pessoas “simplesmente não pode ser cumprida enquanto o Reino Unido for membro da UE”. “O fracasso em manter esta promessa é corrosivo para a confiança pública na política”, escrevem os responsáveis.

Encurralados no debate sobre as consequências económicas da ruptura com Bruxelas – um inquérito encomendado pelo jornal Observer junto de 600 economistas conclui que nove em cada dez acreditam que o “Brexit” afectará as perspectivas de crescimento dos próximos cinco anos – Johnson e os seus aliados tentam centrar o debate em torno da imigração. E os números divulgados na última semana pelo gabinete de estatísticas britânico foram ouro sobre azul, ao revelarem que em 2015 chegaram ao país mais 330 mil pessoas do que as que saíram, o segundo valor mais alto desde que os dados começaram a ser compilados, em 1975. Destes, 184 mil foram cidadãos comunitários, beneficiários da livre circulação na UE, um número que iguala o anterior recorde.

Downing Street respondeu que a carta foi uma nova “tentativa para distrair” os eleitores do consenso alargado sobre as consequências “desastrosas” de uma saída da UE. Mas os adversários não desarmam.

Num artigo para o Sunday Telegraph que expõe o quão azeda está a convivência no Governo, a secretária de Estado do Emprego, Priti Patel, escreve que os líderes da campanha pelo “sim” não compreendem as preocupações dos britânicos comuns, “que têm cada vez mais dificuldade em inscrever os filhos nas escolas, que enfrentam cada vez mais competição no acesso ao trabalho e vêem os salários a baixar”. Não nomeia Cameron nem o seu ministro das Finanças, George Osborne, nascidos ambos em famílias privilegiadas, mas afirma que só quem tem “fortuna pessoal” se pode “dar ao luxo de pagar as alternativas que não estão ao alcance dos mais vulneráveis”.