Reciclar, inventar, agir – diz Alejandro Aravena em Veneza

Há sete instalações portuguesas na exposição comissariada pelo arquitecto chileno na 15.ª Bienal de Arquitectura. O Pavilhão de Espanha arrecadou o Leão de Ouro; o da Alemanha abriu as portas aos refugiados.

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Logo nas salas de entrada dos dois edifícios que albergam a exposição Reporting from the Front, entre os Giardini e o Arsenale, o comissário geral da 15.ª Bienal de Veneza, Alejandro Aravena, explica ao que vem: cem toneladas de material usado na edição anterior, que incluem dez mil metros quadrados de plásticos e 14 quilómetros de tubos de metal, são transformadas num acolhedor espaço de recepção. O do Arsenale surge-nos como uma espécie de jardim invertido, de cujo tecto pendem estalactites de metal; nas paredes em volta, pequenas prateleiras suportam desenhos, post-its com mensagens e tablets com vídeos reportando o encontro do arquitecto chileno com os comissários dos diferentes países na preparação da Bienal.

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Logo nas salas de entrada dos dois edifícios que albergam a exposição Reporting from the Front, entre os Giardini e o Arsenale, o comissário geral da 15.ª Bienal de Veneza, Alejandro Aravena, explica ao que vem: cem toneladas de material usado na edição anterior, que incluem dez mil metros quadrados de plásticos e 14 quilómetros de tubos de metal, são transformadas num acolhedor espaço de recepção. O do Arsenale surge-nos como uma espécie de jardim invertido, de cujo tecto pendem estalactites de metal; nas paredes em volta, pequenas prateleiras suportam desenhos, post-its com mensagens e tablets com vídeos reportando o encontro do arquitecto chileno com os comissários dos diferentes países na preparação da Bienal.

“Reciclar é preciso” – parece gritar Aravena, seguido de um statement inscrito na parede: “A arquitectura é dar forma aos lugares onde as pessoas vivem." E isso implica os passos seguintes: inventar e agir. Agir “contra a escassez, com inventividade; contra a abundância, com pertinência”.

É todo um programa político, de resto esperado, de um arquitecto – prémio Pritzker em Janeiro – cuja carreira se fez através de sucessivos projectos vistos como revolucionários, como quando desenhou as casas para os habitantes de Constitución, no seu país natal, após o terramoto e tsunami que os desalojou em 2010.

Nos antípodas das archi-stars – como a recém-desaparecida Zaha Hadid ou Frank Gehry, que, coincidência ou talvez não, têm exposições inauguradas em Veneza no mesmo fim-de-semana da Bienal, respectivamente no Palácio Franchetti e na Fundação Louis Vuitton –, Aravena tem vindo a insistir na tónica de que a arquitectura deve servir para “melhorar a vida das pessoas”. Mesmo se ele próprio surge agora também alcandorado ao estatuto de uma emergente archi-star – Veneza oblige? –, como se pôde verificar pelos aplausos recebidos quarta-feira, dia da abertura do Pavilhão de Portugal, quando, ladeado pelo primeiro-ministro António Costa, desembarcou inesperadamente na ilha da Giudecca nas costas da mesa-redonda em que Álvaro Siza foi o centro das atenções.

Certamente não por acaso, as exposições que abrem o percurso no Arsenale – a “arquitectura contra todas as probabilidades” do atelier Al Bode, no Equador; as estruturas rudimentares de habitação que Wang Shu e Lu Wenyuy projectaram para a cidade chinesa de Fuyang; ou o arranha-céus que o atelier belga 51N4E projectou para o centro de Tirana, na Albânia, fazem raccord com estas preocupações solidárias do comissário chileno. E até outros nomes de grande impacto mediático, como o britânico Norman Foster (Prémio Pritzker 1999) ou o japonês Shigeru Ban (Prémio Pritzker 2014), responderam ao repto de Aravena. O primeiro, imaginando um "droneport" para África, um aeroporto para drones que possa acolher estes novos inventos tecnológicos que, além da espionagem e da guerra, também podem ser meios de combate contra a pobreza e a fome, transportando comida, água, medicamentos ou peças para reparação de carros e máquinas nas terras mais longínquas do Continente Negro; o segundo, com a instalação de recorte ecológico Dream of Earth a “expandir” o papel da arquitectura para situações de emergência, como as decorrentes dos desastres naturais e da guerra.

A outro nível, pavilhões nacionais como o de Espanha – distinguido com o Leão de Ouro – e da Alemanha acabaram por assumir também a mensagem do comissário. A representação espanhola propôs soluções para a crise do imobiliário; o pavilhão alemão abriu mesmo fisicamente portas novas no edifício histórico dos Giardini, criando uma Heimat (um conceito alemão que significa mais do que “casa”), dando expressão às decisões corajosas do Governo de Berlim de acolher e integrar os refugiados que demandam a Europa.

Os portugueses, o património e a paisagem

E os portugueses? A selecção que Aravena fez dos nomes da arquitectura portuguesa – que, com as suas sete exposições/instalações, só é superada em número por Espanha, Alemanha (nove cada) e Suíça (dez), entre os 65 projectos que integram Reporting from the Front – não foge também às suas preocupações dominantes, neste caso no que diz respeito à relação da disciplina com o legado patrimonial e o lugar.

É aqui que é possível entrever uma relação entre o teleférico que o atelier menos é mais (Francisco Vieira de Campos e Cristina Guedes) projectou para Gaia e a ponte da Carpinteira que João Luís Carrilho da Graça desenhou para a Covilhã. E não deixa de ser curioso que tenha sido um chileno a encontrar nestas duas obras um denominador comum, no modo como cada uma delas resolve, através da arquitectura, a questão prática de ligar dois pontos num determinado lugar sem interferir com o legado envolvente, seja ele o património edificado ou a paisagem – de tal modo que estão instalados lado-a-lado no Arsenale.

Do lado direito, seguindo o logótipo “T” (do teleférico), acedemos à exibição paralela de dois vídeos e também a um álbum que explicam a solução encontrada pelo atelier portuense para a ligação da Serra do Pilar ao Cais de Gaia. Como explicam numa inscrição na parede, Francisco Vieira de Campos e Cristina Guedes viram nesta infra-estrutura uma “forma de transformar a herança em legado”.

Certamente desconhecendo que estes dois projectos nasceram em contextos bem diversos – o primeiro, de uma decisão unilateral do então presidente da Câmara de Gaia, Luís Filipe Menezes, depois do desacordo com o seu homónimo do Porto, Rui Rio, quanto a uma travessia do Douro entre as duas margens; a Ponte da Covilhã integrada no programa Polis da cidade –, Aravena elogia em ambos a elegância do design e o respeito pelo contexto.

Falando ao PÚBLICO em Veneza, Carrilho da Graça explica que foi Aravena quem escolheu o seu projecto. “Achei muito bem essa escolha, porque se trata de um projecto que, respondendo ao plano de urbanização feito pelo Nuno Teotónio Pereira, que se propunha ‘aplanar a cidade’, também responde ao desafio lançado pelo Aravena para a Bienal”, diz o arquitecto, acrescentando que a sua ponte se enquadra também na reflexão sobre questões que são simultaneamente arquitectónicas, sociais e políticas.

No texto que dedica ao projecto de Carrilho da Graça no catálogo da Bienal, o comissário chileno fala de “poesia” e enfatiza que a ponte ultrapassa a questão da engenharia, dando um passo até “à abstracção formal total e mesmo metafísica”.

As mesmas premissas de respeito pelo enquadramento estiveram certamente na base da selecção do projecto que Inês Lobo apresenta com o título People (Pessoas), e que documenta o seu projecto da Praça da Mouraria, com uma nova mesquita, em Lisboa – que tem motivado polémica na cidadeDelimitada por um cortinado branco, a instalação apresenta uma maqueta da obra, dois painéis com imagens e um álbum a explicar a intervenção neste bairro popular e multi-étnico da capital. “A arquitectura despojada mas minimal de Inês Lobo pode ser um caminho para aplacar a voracidade do negócio imobiliário privado”, acredita Aravena.

A instalação de Paulo David, Madeira, aborda as relações da paisagem com o turismo, da preservação com a exploração. Em dois espaços simétricos delimitados por duas telas-ecrã em “V” que exibem vídeos, e uma ilha vulcânica suspensa ao centro, o arquitecto madeirense mostra como conciliar aquelas duas dimensões. E o comissário sustenta que o seu trabalho se “mostra capaz de negociar esta tensão através de uma arquitectura, vigilante mas respeitosa, que opera com a paisagem de uma forma corajosa”.

Já no exterior do Arsenale, na borda do canal, Samuel Gonçalves apresenta-se como “o atelier mais jovem” na Bienal. Mostra Summary (Sumário), três “gomos” de infra-estruturas para serviços básicos, como corredores técnicos e drenagem de águas, que propõe transformar em suporte para habitações.

Natural de Arouca, e com o apoio da autarquia e de empresas locais para o seu programa, Samuel Gonçalves explica que este seu primeiro projecto permite construir desde habitações unifamiliares de 30 metros quadrados até casas e edifícios comerciais de maiores dimensões. “Apesar de pré-fabricados e modulares, estes gomos têm uma grande flexibilidade”, diz. Aravena vê neles “uma solução eficiente para acudir ao défice global de habitação e alojamento social”.

Sobre a circunstância de ter a sua exposição entre os “droneports” de Norman Foster e a barraca com jogo de xadrez do russo Alexander Brodsky, o jovem arquitecto português diz-se “simultaneamente excitado e assustado”. “Não imaginava que ia ter esta vizinhança, o que só aumenta a minha visibilidade e responsabilidade”, confessa ao PÚBLICO.

No edifício dos Giardini estão as obras de Eduardo Souto de Moura e do atelier Aires Mateus. O primeiro documenta o regresso ao Mercado Municipal do Carandá (1980), primeira-obra do autor do Estádio de Braga, que este aceitou, entretanto, reconverter em Escola de Música e Dança (2010). O comissário elogia a “liberdade” com que Souto de Moura lidou com este desafio: em vez de “fazer a defesa nostálgica da sua primeira-obra”, avançou com a proposta de demolição e deu-lhe nova vida – uma lição de como “menos é mais”, sintetiza.

Os irmãos Aires Mateus regressam este ano à Bienal com uma instalação especificamente criada para o efeito, Fenda. Trata-se de um cubo de betão, a que se acede para enfrentar um desafio de percepção. Cada canto, cada orifício ou corte na parede espessa oferece ao visitante uma infinidade de formas e jogos de luz. Aravena entrevê em Fenda a expressão do belo, mas sem nunca submeter este conceito à ideia de espectáculo. Porque a obra dos Aires Mateus “tem a capacidade de conciliar paradoxos: é musculada mas abstracta, monumental mas humana, corajosa mas calma”, diz.

O PÚBLICO viajou a convite da ExperimentaDesign e da Assimagra

 

Notícia corrigida : os nomes dos arquitectos foram corrigidos são Francisco Vieira de Campos e Cristina Guedes