Sean Riley & The Slowriders: a velha banda é uma nova banda
Cinco anos passados desde o último álbum, regressam com um disco que é um novo início. Cenário: entre as 5h e as 9h, quando regressamos a casa, corpo cansado, cérebro ainda demasiado desperto para descanso.
Um homem fazia a sua corrida nocturna avançando entre as pedras da calçada e o relvado da Alameda, em Lisboa. Como habitualmente, passada ritmada ao som de música. Ao contrário do habitual, esse homem preferiu a surpresa do “aleatório” à escolha criteriosa de um álbum completo. E, de repente, surpreendentemente, deparou-se consigo mesmo e com velhos amigos, os companheiros da banda que se mantinha em pousio há quase meia década. Uma semana depois, recebe um telefonema com uma inesperada proposta de concerto. Não há coincidências no destino.
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Um homem fazia a sua corrida nocturna avançando entre as pedras da calçada e o relvado da Alameda, em Lisboa. Como habitualmente, passada ritmada ao som de música. Ao contrário do habitual, esse homem preferiu a surpresa do “aleatório” à escolha criteriosa de um álbum completo. E, de repente, surpreendentemente, deparou-se consigo mesmo e com velhos amigos, os companheiros da banda que se mantinha em pousio há quase meia década. Uma semana depois, recebe um telefonema com uma inesperada proposta de concerto. Não há coincidências no destino.
“Fiquei com vontade de inverter o ciclo e pôr toda a gente a pensar nisso. Disse para marcarem o concerto, porque iria obrigar-nos a ensaiar e seria o catalisador para uma nova fase." O homem, que se chama Afonso Rodrigues, e a banda, que se chama Sean Riley & The Slowriders, preparavam o regresso, quatro anos depois da edição do terceiro álbum, It’s Been a Long Night. A banda que criava canções com subtexto de cantautor folk rodeado de banda completa, ora mais despidas, como na estreia Farewell (2007), ora, nos passos seguintes (Only Time Will Tell, de 2009, e It’s Been a Long Night, de 2011), cobrindo-se de arranjos que tanto buscavam luminosidade californiana como se dirigiam para as profundidades de um blues mais sugerido do que canónico, regressou de forma discreta e, protegida dos holofotes – “acho que nem o nosso management sabia muito bem o que estávamos a fazer” –, começou a criar o álbum homónimo que agora recebemos.
No regresso, mudou o processo criativo, mudou o tom. O subtexto clássico continua presente – o rock’n’roll, a folk ou a country são, ainda e sempre, aquilo que encontramos no âmago da banda –, mas, em caricatura, diríamos que, se os discos anteriores fossem Bob Dylan ou Neil Young, este será iluminado pela difusa luz nocturna de uns Gun Club ou de um Nick Cave (sem sangue nas mãos). “Este é o disco que vai das 5h às 9h da manhã”: regresso a casa, madrugada alta, corpo cansado mas cérebro ainda demasiado desperto para descanso.
Não houve qualquer reunião, nenhuma decisão tomada em conjunto. Havia uma certa saturação com a repetição dos mesmos processos. “Fizemos três discos em quatro anos e pouco, sem nunca parar de tocar. Sentíamo-nos um bocado naquela rodinha do hamster. O país não é muito grande e de repente estávamos a tocar em auditórios onde seis meses antes tínhamos estado a promover o álbum anterior.” Entretanto, o baixista e multi-instrumentista Bruno Simões partia para Timor para um ano de formação aos novos profissionais da televisão do país. O teclista Filipe Costa embrenhava-se em projectos na edição livreira e, ocasionalmente, espalhava magia Booker T & The MGs em concertos de Legendary Tigerman. O baterista, também pianista e contrabaixista Filipe Rocha também se foi entregando a outras actividades. Afonso, por sua vez, andou “durante alguns meses a namorar um disco a solo que acabou por não se concretizar” e, quando deu por ela, os ensaios informais que ia fazendo com Rai, dos the Poppers, Bráulio, antigo baixista dos Capitão Fantasma, e Carlos BB, baterista dos Riding Pânico, transformaram-se em banda a sério com álbum muito sério, o homónimo Keep Razors Sharp. Como reforça Afonso Rodrigues, “ninguém estava em casa a olhar para a parede”.
Uma ideia "antiquada"
Entre 2007 e 2011, à medida que os álbuns obtinham boa recepção do público e da crítica e que os concertos se sucediam, Sean Riley & The Slowriders foram cimentando o seu lugar no cenário musical português. Quando, quatro anos depois da edição de It’s Been a Long Night, a banda se reuniu novamente, tinha perfeita consciência de que, no mundo musical do século XXI, esse tempo pode ser uma eternidade. “É o suficiente para toda a gente partir para outra e esquecer." Isso, porém, acabou por ser uma vantagem. Não tinham quaisquer expectativas além de “retirar prazer" de estarem "juntos outra vez”. Podiam fazê-lo a seu modo, ou seja, em busca de um travo clássico, garante de intemporalidade.
“Agarramo-nos a uma ideia que não tem que ser antiquada: bandas fazem música, fazem discos. Devia ser só isso, não devíamos estar preocupados com activações do que quer que seja ou com vídeos virais. Não tenho nada contra isso e percebo que são esses os tempos em que vivemos, mas eu apego-me a essa ideia: bandas fazem música, fazem discos. E nós queremos fazer discos desligados do tempo, sem pensar que em 2016 devemos arranjar um beat trap ou que, se este disco tivesse sido gravado há dois anos teria de ter um vocoder."
Em estúdio, aliou-se o processo normal, aquele em que Afonso Rodrigues leva canções que a banda arranja em conjunto, com aquele que trouxe dos Keep Razors Sharp: trabalhar desde a base através de jams que fossem, pouco a pouco, indicando um caminho. Nasceram assim Intro: flying back, Dark rooms, Pearly gates e Outro: S-Bahn. E ficou definido o tom, esse já referido ambiente nocturno, uma melancolia prazenteira, reflexiva, que atravessa todo o álbum. E que já parecia vir de trás. “O nosso terceiro álbum tem uma canção escondida no final que aponta exactamente para aquilo que estamos a fazer agora."
Foi uma questão de reforçar aquilo a que as primeiras canções agora editadas apontavam: “Quando começaram a ganhar forma, percebemos que iriam naquela direcção e fomos escolhendo canções que coubessem dentro desse ambiente." Ou seja, country rock movido a caixa de ritmo encantatória (Gipsy eyes); uma balada sem espaço para serenidade, tudo tensão, com piano a lançar fantasmagorias sobre a melodia (Intro: flying back); uma Dark rooms e uma Pearly gates feitas thriller caveano; um vislumbre do passado na nostalgia romântica de Swimming pool blue; dança rock’n’roll com órgão em estado de febril felicidade em Greetings.
Os Sean Riley & The Slowriders chegaram ao quarto álbum e voltaram às rotinas da estrada. Tocarão a 28 de Maio no Festival Aleste, no Funchal, a 1 de Julho no Festival Rock Nordeste, em Vila Real, a 7 de Julho no NOS Alive. Poderemos também vê-los em Castelo Branco (17 de Junho) ou em Vagos (2 de Julho). Mas é uma nova rotina. O álbum não é homónimo por acaso. Na cultura pop, são comuns as estreias baptizadas com o nome da banda que as assina. Os Sean Riley & The Slowriders são, como sabemos, pessoal conhecedor e muito interessado na história, nas tradições e mitologias dessa cultura. “É uma alusão a este começo que nunca o pode ser verdadeiramente, mas que queremos sentir dessa forma."
Sean Riley & The Slowriders de regresso. A velha banda é uma nova banda outra vez.