Mais de 50% dos políticos pós-1974 cumpriram três ou mais mandatos
Tese de doutoramento mostra a falta de renovação da classe política durante o período democrático. “Partidos são demasiado fechados sobre si e usam sobretudo as pessoas que gravitam à sua volta, em vez de recorrerem à sociedade civil”, diz o autor.
Está provado: a renovação dos actores políticos em Portugal tem sido escassa, desde 1974. Em democracia, mais de metade dos políticos – 52% – exerceu mais de três mandatos, no mesmo cargo ou não. Nesta contabilização entram os deputados à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, os membros de Governo e os presidentes de câmaras municipais. A conclusão é que, na verdade, houve uma estagnação da classe política, lê-se na tese de doutoramento em Ciência Política sobre O sistema político português – renovação ou estagnação dos seus principais actores no período da democracia (1974-2012), de Jorge Fraqueiro, antigo jornalista e actual assessor político.
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Está provado: a renovação dos actores políticos em Portugal tem sido escassa, desde 1974. Em democracia, mais de metade dos políticos – 52% – exerceu mais de três mandatos, no mesmo cargo ou não. Nesta contabilização entram os deputados à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, os membros de Governo e os presidentes de câmaras municipais. A conclusão é que, na verdade, houve uma estagnação da classe política, lê-se na tese de doutoramento em Ciência Política sobre O sistema político português – renovação ou estagnação dos seus principais actores no período da democracia (1974-2012), de Jorge Fraqueiro, antigo jornalista e actual assessor político.
Analisando a totalidade dos 7718 registos de mandatos ocupados naqueles órgãos de soberania e de administração local entre 1974 e 2012, o autor concluiu que mais de metade destes políticos “foram-se perpetuando nos lugares, numa estagnação que representa, em média, cerca de 44% e que vem confirmar a voz popular” que diz que “os políticos portugueses são quase sempre os mesmos”. Considera-se "estagnação" a permanência por mais de dois mandatos no Parlamento Europeu ou de três nos outros cargos considerados no estudo.
Destes quase 7800 actores políticos, 4049 (52%) exerceram mais de três mandatos, 1215 (16%) assumiram três mandatos, 1110 (14%) participaram em dois e 1344 (17%) exerceram funções durante um mandato. É nos governos que os actores se repetem menos (29% de estagnação entre os 1838 membros de executivos no período democrático), passando-se o oposto nas câmaras municipais (estagnação de 64% entre os 3058 presidentes contabilizados); no Parlamento Europeu a taxa média de estagnação entre os 144 deputados eleitos desde 1987 é de 30% e, na Assembleia da República, a média dos 3123 deputados desde a Constituinte atinge os 53%. "Pouco mais de 20% dos repetentes foram responsáveis pela ocupação de aproximadamente 52% dos lugares", sublinha o estudo.
Entre as causas para esta escassa renovação políticos o autor acredita que estará o facto de os partidos “continuarem demasiado fechados sobre si mesmos, a funcionarem apenas para um círculo que lhes é próximo”, para os que, mesmo não sendo militantes, “gravitam à sua volta”. Se tivesse tido em conta os “familiares dos políticos mais activos que acabam por também ocupar cargos de nomeação política, os níveis de estagnação seriam muito maiores”, conta Jorge Fraqueiro, que extrema o cenário: “E se tivesse em conta o facto de muitos deixarem a vida política e assumirem cargos públicos, os níveis de estagnação atingiriam valores contrários à vida democrática da actividade política.”
Mas há, também, uma repetição muito grande dos mesmos nomes em órgãos diferentes, muitos em movimentos pendulares – houve deputados na Assembleia da República que nestes 38 anos analisados foram presidentes de municípios, passaram por governos e pelo Parlamento Europeu. “Isto mostra que os partidos não conseguiram, ao longo destes anos, perceber que a vida política não se esgota neles próprios. Há muita gente válida na sociedade civil que tem bons contributos para dar, mas que é preterida em favor dos elementos dos partidos ou próximos deles”, argumenta Jorge Fraqueiro. O autor acrescenta que os partidos, “por razões de necessidade de funcionamento interno, acabam por ficar enclausurados por interesses que gravitam à sua volta”.
PCP e CDS nos extremos
A tese foi apresentada na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no ano passado e analisa também a cor política dos intervenientes. Nas conclusões, lê-se que o maior nível de estagnação se regista no PCP, atingindo os 68% – quando analisada a CDU, que foi como o PCP passou a candidatar-se em coligação com o PEV, a média baixa para 50% –, ao passo que o partido que mais renovou as suas figuras políticas foi o CDS-PP, com uma taxa de estagnação de apenas 37%. O Bloco, que é o partido mais novo de todos, apresenta uma taxa estagnação de 51%. E os ditos partidos do arco da governação estão num nível intermédio: PS com 44% e PSD com 46% de renovação.
Jorge Fraqueiro diz que não teve “surpresas” nestas conclusões: o PCP é um partido de ideias “mais standardizadas, com tradição de continuidade” e nunca ocupou lugares de Governo – e ser Governo potencia a renovação; já o PS e o PSD, como pertencem ao arco da governação, quando ganham eleições, além dos lugares de deputados, têm um conjunto de cargos no executivo para distribuir. E o CDS, que de vez em quando vai para o Governo mas tem poucos deputados, também é mais “renovador”.
O “bilhete de identidade” do "político português-tipo" revela um homem, com idade compreendida entre os 43 e os 52 anos, advogado, proveniente do distrito de Lisboa. “São os partidos mais à esquerda e mais à direita que apostam em políticos mais jovens” – o BE e o CDS-PP. Em termos profissionais, há mais professores à esquerda e juristas à direita.
Questionado sobre se a falta de renovação é prejudicial (pelo abuso de interesses instalados) ou benéfica (pela estabilidade), Jorge Fraqueiro diz que isso depende do que se quer privilegiar. “Se quisermos mais governabilidade, teremos que sacrificar a representatividade; se quisermos mais representação de actores políticos de diferentes ideologias, então teremos menos governabilidade.” Até determinado ponto pode ser benéfico não haver renovação, na medida em que “permite a continuidade de projectos e a estabilidade política em termos governativos”, afirma o autor que logo acrescenta que a “democracia é feita de renovação, diferentes ideias, diálogo, pluralismo”.
Para a tese de doutoramento, o autor entrevistou 22 personalidades, entre actuais e ex-políticos, juristas, sindicalistas, jornalistas e religiosos – e algumas destas pessoas salientaram que, de facto, passa para a opinião pública a ideia de que “os políticos são sempre os mesmos”, mas que essa mesma realidade se estende a outros sectores da vida do país e que isso será também potenciado pela comunicação social. Mas todos os ex-políticos convergiram na ideia de que há uma “considerável diminuição da qualidade dos políticos” devido à “enorme falta de experiência”.
Jorge Fraqueiro deixa também algumas propostas como a redução de deputados e a fixação de um máximo de três mandatos na AR – à semelhança do que se passa nas autarquias locais –, a limitação para um mandato presidencial de sete anos, e a limitação, nas autarquias, dos três mandatos ao cargo, e não à área geográfica, extensível aos vereadores em permanência. Recomenda ainda a criação de um “sistema monolítico” nas câmaras, com apenas uma lista de candidatura, da qual sairia o executivo e a assembleia municipal; a realização de eleições primárias nos partidos, a inclusão dos futuros governantes no programa eleitoral, a criação de um círculo eleitoral misto (um nacional e 22 distritais) e a fixação de um mínimo de 6% dos votos para obter um mandato na Assembleia da República.