Trabalha mais de 35 horas semanais? Tem cinco vezes mais possibilidade de só ter um filho

Debate sobre o "Filho único", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, reuniu pessoas de várias áreas. Número médio de filhos aumenta 27% quando casais são oriundos de famílias alargadas.

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O ideal dos portugueses entre os 18 e os 39 anos ainda é ter dois filhos. Mas o Índice Sintético de Fecundidade não engana: apenas 1,23 filhos por mulher Adriano Miranda

O que conta mais para que quem tem filhos fique, tantas vezes, pelo primeiro, como acontece cada vez mais em Portugal? Alguns dados: quem trabalha mais de 35 horas semanais tem "quase cinco vezes mais possibilidades" de se ficar pelo filho único, do que quem trabalha menos, conclui uma análise sobre os factores que influenciam o comportamento da população entre os 18 e os 29 anos.

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O que conta mais para que quem tem filhos fique, tantas vezes, pelo primeiro, como acontece cada vez mais em Portugal? Alguns dados: quem trabalha mais de 35 horas semanais tem "quase cinco vezes mais possibilidades" de se ficar pelo filho único, do que quem trabalha menos, conclui uma análise sobre os factores que influenciam o comportamento da população entre os 18 e os 29 anos.

A idade com que se tem a primeira criança é outro factor determinante — e um dos mais importantes (quanto mais idade se tem quando nasce o primeiro filho, menos hipótese a criança tem de vir a ter um ou mais irmãos). Mas há outros menos óbvios: o contexto familiar dos próprios casais, por exemplo. “Aqueles que não têm irmãos ou que tenham no máximo um irmão revelam maiores possibilidades de não terem transitado para um segundo filho, relativamente aos que são provenientes de agregados com três ou mais filhos.” Aliás, o número médio de filhos num casal aumenta, em geral, 27% quando este é oriundo de famílias alargadas.

O estudo Determinantes da Fecundidade em Portugal, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), foi avançado pelo PÚBLICO no início deste mês. Mas nesta quarta-feira, um dos capítulos dessa grande investigação coordenada por Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, foi esmiuçado num dos debates sobre natalidade que a fundação tem vindo a promover, em Lisboa, neste mês de Maio, dedicado ao tema da População e Natalidade. Em debate, desta vez, estiveram os factores “determinantes para ter um filho único”.

Regresso à população entre os 18 e os 29 anos: quem concorda com a frase “é preferível ter só um filho com mais oportunidades e menos restrições a ter mais filhos” tem "sete vezes mais possibilidades" de não ser pai ou mãe pela segunda vez. Já na população entre os 30 e os 39 anos, os que concordam com aquela ideia têm mais do triplo das possibilidades de não terem dado o passo do segundo ou terceiro filho.

Mais: tanto para homens, como para mulheres, sublinhou Maria Filomena Mendes, sobretudo na população mais velha, “a disponibilidade do pai [homem] e o tempo que ele possa dispensar para dedicar à família” favorece a opção de ter mais do que um filho.

"Sinais exteriores de riqueza”

E o dinheiro, conta? Este foi um dos aspectos focados durante o debate. Fátima Barros, professora da Universidade Católica e presidente da Autoridade Nacional de Comunicações, mãe de dois filhos, lembrou que a “conciliação entre vida profissional e familiar é muito mais difícil nas famílias de muito baixos rendimentos”.

Mário Cordeiro, pediatra, identificou a habitação e o pré-escolar como factores-chave na escolha das famílias — mas não deixou de lembrar que, “numa sociedade de consumo como aquela em que vivemos”, se passou também a achar que tem de se dar tudo, “todas as roupas, que ao fim de seis meses já não servem”. Há mesmo quem, acredita, “exiba os filhos como sinal exterior de riqueza”.

O que diz o estudo? Diz que ter rendimentos até 500 euros per capita é uma característica que faz parte do perfil das famílias com maior número médio de filhos. E que ter rendimentos entre os 500 euros e os 1000 faz parte do perfil das famílias com um número mais baixo de filhos. Contraditório? Maria Filomena Mendes explicou ao PÚBLICO, à margem do congresso, que quando se analisam as tais “determinantes”, estas devem ser vistas em conjunto. “Famílias mais escolarizadas, que estudaram até mais tarde, que por isso também adiaram o nascimento do primeiro filho, têm rendimentos mais elevados, e ainda só têm um filho no momento do inquérito, mas têm mais potencialidade de vir a ter mais filhos.” Até porque, precisamente, têm mais rendimentos.

E será que darão esse passo? O ideal dos portugueses entre os 18 e os 39 anos ainda é ter dois filhos — apenas 8,3% não desejam ter nenhum. Mas a idade média das mulheres, mães pela primeira vez, atingiu em 2014 os 30 anos. E o Índice Sintético de Fecundidade não engana: apenas 1,23 filhos por mulher. “As pessoas desejam mais do que um filho, mas conformam-se.”

Isabel Feio, gestora na área da reabilitação urbana, colunista da Associação Capazes, filha única, procurou desconstruir alguns “rótulos” associados aos filhos únicos — “o mimado, o que não sabe partilhar...” — para dizer que o que mais a preocupa é que num país de filhos únicos serão muitos os que não terão ninguém com quem partilhar os cuidados de que os seus pais precisarão um dia. “É um filho, para dois pais — mãe e pai — que precisam de cuidados.”

Preocupa-a também que tanta gente vá ter de enfrentar sozinha, sem um irmão, a dor da perda dos pais. De resto, acrescentou Mário Cordeiro, muito do que se diz dos filhos únicos não corresponde à verdade “se os pais tiverem o saber de não os transformarem em tiranos, que têm que ter tudo”, e “saber fazer tudo, desde tocar piano, a trombone e bateria...”