As recomendações da Comissão Europeia a Portugal
Comissão pede as “medidas estruturais necessárias” para colocar o défice em 2,3% e recomenda políticas que melhorem o desempenho das finanças públicas, mercado de trabalho e sistema financeiro.
Garantir que o défice fica bem abaixo dos 3%, fazer uma avaliação da despesa em toda a Administração Pública, resolver o problema do crédito malparado e assegurar que a subida do salário mínimo não afecta o ritmo de criação de emprego. Estas são algumas das recomendações feitas pela Comissão Europeia a Portugal depois de ter lido os planos do Governo para os próximos quatro anos de política económica e orçamental.
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Garantir que o défice fica bem abaixo dos 3%, fazer uma avaliação da despesa em toda a Administração Pública, resolver o problema do crédito malparado e assegurar que a subida do salário mínimo não afecta o ritmo de criação de emprego. Estas são algumas das recomendações feitas pela Comissão Europeia a Portugal depois de ter lido os planos do Governo para os próximos quatro anos de política económica e orçamental.
As recomendações feitas esta quarta-feira por Bruxelas a Portugal (em simultâneo com recomendações para todos os outros países da União Europeia excepto a Grécia) são uma resposta ao Programa de Estabilidade e ao Programa Nacional de Reformas entregues pelo Executivo português às autoridades europeias.
A Comissão centra-se em medidas que considera poderem melhorar o desempenho ao nível das finanças públicas, mercado de trabalho e sistema financeiro.
Reduzir o défice para 2,3%
No Orçamento do Estado para este ano, o Governo até é mais ambicioso e aponta para um défice de 2,2%. Mas o problema é que, do lado da Comissão, não se acredita nessa estimativa e prevê-se que, com as medidas até agora apresentadas, o máximo a que Portugal pode aspirar é a uma redução do défice para 2,7%.
É por isso que agora, nas recomendações que faz ao país, Bruxelas pede que se reduza o défice para 2,3%, avisando que, para o fazer, é preciso “tomar as necessárias medidas estruturais” e aproveitar todos os efeitos positivos da conjuntura para obter ganhos ao nível da redução do défice e da dívida.
A Comissão calcula ainda que, se o Governo conseguir reduzir o défice para 2,3% (em 2015 foi de 4,4% com efeito Banif e 3% sem), isso significa também que o défice estrutural irá registar uma redução de 0,25 pontos percentuais. Para 2017, é pedida uma nova redução do défice estrutural, desta vez de 0,6 pontos percentuais.
Avaliar despesa pública
A Comissão Europeia quer medidas que reduzam o défice de uma forma sustentável e acredita que isso apenas pode ser feito através de cortes na despesa pública. Ao Governo, aquilo que recomenda é que conduza, até ao próximo mês de Fevereiro de 2017, “uma avaliação abrangente da despesa em todos os níveis da Administração Pública”, para verificar onde é que de facto se podem concretizar poupanças.
Segundo a Comissão, essa avaliação deve ter também como objectivo “fortalecer o controlo da despesa, a eficácia ao nível dos custos e as práticas de orçamentação adequadas”.
Evitar "dependência" do OE nas pensões
É outra das recomendações que entra no capítulo relacionado com a sustentabilidade das contas públicas. A Comissão Europeia considera que o sistema público de pensões tem uma “elevada dependência” das transferências orçamentais e continua a evidenciar a desigualdade entre gerações.
Bruxelas elogia as reformas feitas recentemente, sem dizer exactamente quais, por contribuírem para a sustentabilidade de longo prazo do sistema de pensões. Mas alerta que os desafios de curto e médio prazo “permanecem sem solução” e recomenda ao Governo de António Costa que reduza “a dependência do sistema de pensões das transferências orçamentais”.
Do programa do actual Governo não consta nenhuma reforma profunda do sistema de pensões. A intenção passa por diversificar as fontes de financiamento, pelo combate à fraude e por completar a convergência entre o sector público e privado. Ainda esta semana, durante a apresentação do plano de combate à fraude e evasão contributiva na Segurança Social, o ministro que tutela a pasta, José Vieira da Silva, deixou claro que não é intenção do Governo fazer “reformas radicais”, mas “um trabalho permanente de melhoria do sistema”, numa “lógica reformista”.
Garantir que SMN promove o emprego e a produtividade
Já em 2014, quando o Salário Mínimo Nacional (SMN) passou de 485 para 505 euros a Comissão Europeia fez soar os alarmes. Passados dois anos, o tema volta a ser colocado em cima da mesa e faz parte de uma das recomendações deixadas ao Governo e que terá influência nas decisões futuras tomadas por Bruxelas.
A Comissão Europeia reconhece que a subida do salário mínimo (de 505 para 530 euros em Janeiro) ajuda a reduzir a intensidade da pobreza entre os trabalhadores, mas ao mesmo tempo aumenta a compressão da estrutura dos salários, colocando uma pressão acrescida sobre a massa salarial. “Se a subida não for compensada por um aumento da produtividade, corre-se o risco de prejudicar as perspectivas de emprego e da produtividade, em particular nos sectores de mãos-de-obra intensiva”, antecipa a Comissão, acrescentando que corre-se também o risco “de reduzir o incentivo para investir nas qualificações” dos trabalhadores.
O Governo é desafiado a “assegurar, em conjunto com os parceiros sociais, que os salários mínimos são consistentes com os objectivos de promover o emprego e a competitividade em todos os sectores.”
As preocupações do conselho de comissários vão para lá do SMN, uma vez que a recomendação dirige-se aos salários mínimos (no plural). É que embora nas considerações prévias a Comissão reconheça que a evolução da massa salarial tem sido “moderada”, uma tendência acompanhada pelos contratos colectivos, “as características do sistema de negociação colectiva limitam o âmbito do ajustamento ao nível da empresa”.
Limpar malparado e resolver sobreenvidamento
O Governo terá de tomar medidas para limpar o malparado dos bancos e encontrar uma solução para os empréstimos de risco até Outubro de 2016. É este o prazo imposto pela Comissão Europeia para resolver um problema que já identificou há muitos anos, mas que continua por sanar. A recomendação estende-se ainda à obrigatoriedade de reduzir os estímulos fiscais ao endividamento e melhorar o acesso das startups e das pequenas e médias empresas a financiamento, já que as alternativas à banca, como as capitais de risco ou os business angels, continuam a ser “marginais e subdesenvolvidas”.
No documento, Bruxelas volta a dizer que uma das maiores vulnerabilidades do país é a “elevada dívida do sector privado”, bem como a dificuldade que as pequenas e médias empresas têm em aceder a financiamento. “Este é um enorme obstáculo ao investimento e ao potencial de crescimento”, refere, acrescentando que apesar de as empresas estarem a fazer um movimento no sentido de diminuir a exposição à banca, essa tendência não é tão expressiva junto dos particulares.
A Comissão explica ainda que “há um elevando e crescente nível de empréstimos de risco que estão a pesar sobre o sector financeiro e não financeiro” e que, apesar das medidas tomadas até aqui, “os resultados têm tardado em aparecer”.
Além disso, entende que os incentivos fiscais ao endividamento (através da dedutibilidade dos encargos financeiros) também “permanecem elevado”, embora nos últimos anos tenha havido tentativas no sentido de resolver o problema através de novas regras de capitalização. Bruxelas alerta que a diferença entre os custos de recorrer a capital alheio ou a fundos próprios para investir “continua a ser um dos mais altos” da União Europeia.
Eliminar barreiras ao investimento
A Comissão Europeia recomenda ao Governo que melhore e dê mais rapidez aos processos de licenciamento, e que elimine outros obstáculos ao investimento, tornando mais céleres os litígios fiscais ou diminuindo as barreiras regulatórias. Medidas que Bruxelas pretende ver no terreno “até ao final de 2016”.
No documento, considera-se que “as barreiras regulatórias e a fraca capacidade institucional continuam a dificultar o crescimento dos negócios, da competitividade e do investimento” e que “a eficácia do sistema judicial permanece reduzida, especialmente no que diz respeito aos litígios fiscais”. Além disso, apesar de ser hoje mais fácil registar uma empresa em Portugal, a fase de licenciamento ainda é “complexa” e “a imprevisibilidade dos procedimentos administrativos têm-se mostrado prejudicial à confiança dos investidores”, refere a Comissão.
Bruxelas explica que estes constrangimentos são ainda mais evidentes no sector da construção, sobretudo na atribuição de licenças e de autorizações a nível ambiental. Ao mesmo tempo, na área dos serviços, há barreiras regulatórias que “têm impedido que os recursos sejam alocados de forma eficiente”.
Nesta última recomendação há ainda uma palavra sobre a necessidade de aumentar a transparência e a eficiência da contratação pública e nas parcerias público-privadas. Apesar de a Comissão Europeia considerar que a contratação pública “é largamente transparente em Portugal”, critica o facto de dominarem os ajustes directos, que, de acordo com os seus cálculos, representaram 87,3% das adjudicações entre 2013 e 2015, em detrimento dos concursos públicos.
Bruxelas é especialmente crítica dos contratos de parcerias público-privadas (PPP), repetindo que tem de haver um maior controlo. Tal como já fizera anteriormente, sugere que a fiscalização que é actualmente feita pela Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos, criada pelo primeiro Governo de Passos Coelho, vá além das PPP sob a alçada da administração central. A grande maioria destes contratos não passa pelo seu crivo, nomeadamente os celebrados pelos Açores, pela Madeira e pelos municípios.
Ainda dentro desta recomendação, pedem-se “incentivos à cooperação entre universidades e empresas”, uma área em que Bruxelas considera que Portugal muitas lacunas. “As barreiras são elevadas, fruto de obstáculos regulatórios e burocráticos e à falta de incentivos (…), o que prejudica a empregabilidade dos licenciados e a inovação”. Para a Comissão Europeia, também há responsabilidade das próprias universidades neste problema, já que os seus programas continuam “de fora do processo de modernização”.
Combater a evasão fiscal
Uma dessas áreas é a reforma da máquina fiscal, para combater a fraude e evasão fiscal. Tal como já tinha reconhecido em relatórios anteriores, Bruxelas elogia os “esforços consideráveis” feitos nos últimos anos para melhorar a eficiência da administração tributária, mas “apesar dos progressos realizados”, considera que Portugal ainda tem espaço para reforçar o cumprimento das obrigações fiscais” dos contribuintes. Não é feita nenhuma recomendação específica, mas identificado que este deve ser um objectivo a ter em conta pelo Governo, para que mais eficiência possa “encorajar o investimento” no país.
No Programa Nacional de Reformas, o Governo diz que este é um “eixo prioritário”, lembrando que 70% das medidas previstas no Plano Estratégico de Combate a Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras para o período de 2015 a 2017, elaborado ainda pelo anterior executivo, já estão concluídas ou em curso, e enumera outras medidas – como o alargamento da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) do fisco – entretanto implementadas. A Comissão reconhece que estão a ser tomadas medidas para “melhorar a troca de informações com as instituições financeiras e reforçar o enquadramento anti-lavagem de dinheiro”. O Governo já aprovou a transposição da directiva europeia que alarga a troca automática de informações de dados de contas financeiras.
Atacar desemprego de longa duração e incentivar contratação sem termo
Bruxelas destaca como positivos os esforços feitos por Portugal para reformar as políticas activas de emprego, para modernizar os serviços do IEFP e para atacar o problema dos jovens NEET (que não estão a trabalhar, nem na escola, nem em formação). Contudo há desafios que persistem, nomeadamente o elevado desemprego de longa duração, o que “afecta negativamente o crescimento económico e a situação social” do país.
Assim, recomenda que haja um esforço para assegurar a efectiva activação dos desempregados de longa duração e para melhorar a coordenação entre os serviços de emprego e da segurança social.
A CE continua preocupada com a elevada incidência dos contratos a termo em Portugal e recomenda que o Governo reforce os incentivos para que as empresas admitam trabalhadores com contratos permanentes.
Numa reacção a estas recomendações, o Ministério do Trabalho destaca que elas “estão em linha com as prioridades já identificadas, algumas já em fase de implementação” pelo Governo. E dá como exemplo a avaliação das políticas activas para que haja uma “maior focalização dos apoios e a criação de emprego de qualidade”.