Projecto do BE sobre proibição de glifosato chumbado no Parlamento
Uso do herbicida está a ser discutido também a nível europeu, onde uma votação em comité da Comissão Europeia vai determinar o prolongamento, ou não, da venda do glifosato. A controvérsia está instalada.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda (BE) que pretendia proibir a aplicação de produtos contendo glifosato em zonas urbanas, de lazer e vias de comunicação foi nesta quarta-feira chumbado no Parlamento, com os votos contra da direita e dos comunistas. A favor da medida votaram o BE, o PS, o PEV e o PAN. Enquanto isso, o prolongamento da comercialização do herbicida a nível europeu vai continuar hoje a ser debatido em Bruxelas.
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O projecto de lei do Bloco de Esquerda (BE) que pretendia proibir a aplicação de produtos contendo glifosato em zonas urbanas, de lazer e vias de comunicação foi nesta quarta-feira chumbado no Parlamento, com os votos contra da direita e dos comunistas. A favor da medida votaram o BE, o PS, o PEV e o PAN. Enquanto isso, o prolongamento da comercialização do herbicida a nível europeu vai continuar hoje a ser debatido em Bruxelas.
Em Lisboa, a discussão parlamentar durou duas horas. Os deputados dos vários partidos trocaram acusações sobre a validade, ou não, dos diferentes estudos científicos que têm vindo a ser apresentados sobre os eventuais efeitos nocivos do herbicida na saúde humana. O ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, esteve presente no debate e colocou-se, globalmente, ao lado das medidas defendidas pelos bloquistas. Em alguns aspectos, disse, até se poderia ir mais longe e sublinhou que o Governo está a preparar legislação para proibir a aplicação do glifosato, por exemplo, em áreas próximas de hospitais, escolas, entre outros locais. Mesmo que haja, para o executivo, alguns pontos com os quais possa não concordar totalmente, o ministro referiu que o Governo apoia o projecto do BE e que este até “deveria ser melhorado”.
Em resposta aos deputados, o ministro mostrou ainda abertura em relação à realização de um eventual estudo epidemiológico sobre os efeitos do glifosato na saúde humana e afirmou que o executivo tem em fase avançada um programa dirigido à agricultura biológica que, dentro de dois meses, poderá estar em condições de apresentar.
Já o PCP preferiu avançar com um projecto de resolução que recomenda ao Governo a criação de uma comissão multidisciplinar permanente para, entre outros objectivos, reunir informação científica disponível sobre o glifosato, propor medidas quanto à proibição ou não do herbicida e procurar alternativas ao seu uso – proposta que o BE disse apoiar.
No final, porém, já fora do hemiciclo, o BE, pela voz de Jorge Costa, não deixou de expressar a sua desilusão com a votação do PCP. Durante o debate, os bloquistas insistiram sempre que, neste caso, devia ser usado o princípio da precaução. Ou, nas palavras da deputada Heloísa Apolónia, do PEV, “caso os dados científicos não permitam a avaliação completa do risco, pode impedir-se a distribuição ou retirar do mercado produtos susceptíveis” de serem perigosos. Mas os grupos parlamentares digladiaram-se em torno de questões como a validade ou não dos estudos científicos, os custos da proibição do glifosato, as alternativas que existem. E o projecto de lei acabou chumbado.
No entanto, o uso comercial do glifosato não está garantido. Uma reunião de dois dias da secção de fitofarmacêutica do Comité sobre Plantas, Animais, Alimentos de Consumo Humano e Animal da Comissão Europeia, que termina esta quinta-feira, vai decidir se há um prolongamento da comercialização deste químico. A autorização do uso do herbicida na União Europeia (UE) termina a 30 de Junho. A Comissão Europeia tinha preparado um documento provisório que, a ser aprovado pelos Estados-membros, prolongaria a venda desta substância química por mais nove anos.
Estudos científicos em discussão
Mas o debate público que tem havido pode pôr em causa o prolongamento. Em Abril, o herbicida esteve em debate no Parlamento Europeu. Os eurodeputados votaram para que a extensão da comercialização do glifosato fosse apenas de sete anos, além de apoiarem o fim do seu uso em espaços públicos, como os parques, e pedirem uma avaliação independente de todas as publicações e provas científicas que a Agência Europeia de Segurança Alimentar usou para fazer uma avaliação sobre os riscos do herbicida.
Capoula Santos voltou nesta quarta-feira a referir que a posição de Portugal na votação no comité europeu é a de abstenção. Apenas França garantiu que vai votar contra a comercialização. Itália também poderá votar contra e é provável que a Alemanha se abstenha. A França, a Itália e a Alemanha representam 40,9% dos 508 milhões de cidadãos da UE. Como é necessária uma maioria qualificada para a aprovação passar – o que implica que 55% dos 28 Estados-membros estejam a favor do prolongamento da comercialização, e que esses votos representem 65% da população da UE –, o cenário não parece favorável para as empresas que vendem o herbicida, como a gigante Monsanto.
O glifosato é um herbicida generalista usado para tratar ervas daninhas quer em meio urbano quer na agricultura. O químico é absorvido pelas folhas e impede o crescimento das plantas. Nos últimos anos, houve um aumento do seu uso em culturas agrícolas geneticamente modificadas resistentes ao herbicida.
Em 2015, um relatório da Agência Internacional para a Investigação do Cancro, que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que há “provas limitadas” de que o glifosato é carcinogénico. Mas um novo relatório desta segunda-feira de um comité conjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da OMS concluiu que “é pouco provável que o glifosato tenha um risco carcinogénico”.
Segundo a OMS, os dois relatórios não se contradizem. Ou seja, a substância pode ter a capacidade de causar cancro, mas as quantidades a que os humanos estão sujeitos não apresentam risco. No entanto, estas conclusões não satisfazem nem o Parlamento português nem o europeu, que querem mais estudos sobre esta substância controversa.