“A República de Abril ofereceu as liberdades mas esqueceu-se de criar cidadãos”

Ramalho Eanes foi o grande homenageado no encontro com jovens que marcou o arranque das comemorações dos 40 anos das primeiras eleições presidenciais. Pediu que o provocassem, mas foi ele o maior provocador.

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Marcelo convidou Eanes, Jorge Miranda e Joaquim Letria para um debate em Castelo Branco Enric Vives-Rubio

O alerta foi deixado por Ramalho Eanes: a democracia portuguesa não é satisfatória porque “não tem havido a preocupação de politizar os cidadãos desde a infância”. No encontro com jovens de Castelo Branco onde o actual Presidente da República quis começar as comemorações dos 40 anos das primeiras eleições presidenciais em democracia, o primeiro chefe de Estado eleito fez uma crítica directa aos dirigentes políticos: “A República de Abril oferece todas as liberdades, mas esqueceu-se que é necessário criar cidadãos, sobretudo através da educação. Pouco se fez para que a cidadania adulta, exigente e participativa existisse".

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O alerta foi deixado por Ramalho Eanes: a democracia portuguesa não é satisfatória porque “não tem havido a preocupação de politizar os cidadãos desde a infância”. No encontro com jovens de Castelo Branco onde o actual Presidente da República quis começar as comemorações dos 40 anos das primeiras eleições presidenciais em democracia, o primeiro chefe de Estado eleito fez uma crítica directa aos dirigentes políticos: “A República de Abril oferece todas as liberdades, mas esqueceu-se que é necessário criar cidadãos, sobretudo através da educação. Pouco se fez para que a cidadania adulta, exigente e participativa existisse".

Essa educação cívica que preconizou deve começar “desde a pré-primária ou pelo menos desde a primária”. E um dos instrumentos, além dos clássicos de transmissão de conhecimentos, poderia ser “a avaliação dos professores pelos alunos”, para “personalizar, em vez de impor, o respeito” e para que “o professor saiba se os alunos gostam dele e porquê.

Ao lado do professor Jorge Miranda e do jornalista Joaquim Letria – Marcelo ficou na primeira fila, a ouvir -, Eanes tinha começado a sua intervenção a dizer aos estudantes que os três veteranos da democracia em palco no Cine-Teatro Avenida não vinham para ensinar nada. "Façam perguntas, provoquem-nos e vamos aprender em conjunto”. Começou ele por ser o grande provocador.

“Não aceito, não tolero que não haja um ensino secundário de qualidade”, disse quando questionado sobre o que devia o país fazer para que os jovens não tenham de emigrar. “Na educação não há que haver confrontos irreversíveis, há que encontrar o consenso. E só a educação pública é o verdadeiro ascensor social, a privada é excepcional”, acrescentou, mesmo antes de um estudante lhe perguntar o que pensava da concorrência entre escolas públicas e privadas.

Mas não era uma tomada de posição anti-colégios. Para Eanes, o Estado “tem de garantir que os cidadãos usufruem serviços de qualidade”, mas “não tem de ser o prestador de todos os serviços”. “Tem de ser o regulador para que todos tenham oportunidades iguais e de qualidade”, defendeu.

Voltando à democracia: valeu a pena, perguntara-lhe Joaquim Letria para começo de conversa. Eanes disse que sim, ainda que também diga que “estamos mal”. Lembrou como o país se modernizou, a esperança de vida aumentou, as mulheres conquistaram a igualdade… “Não só criámos um Estado de Direito, mas também um Estado Social que todos os governos têm o dever de proteger”.

Democracia activa, precisa-se

Mas falta a construção cívica, e o assunto deve ser levado a sério, porque “a democracia é um processo que nem sempre evolui positivamente, pode retroceder e piorar” e o antídoto tem de ser a educação, insistiu: “A democracia não pode ficar só entregue aos políticos”. Deu exemplos de como o exercício da democracia pelos cidadãos pode reverter políticas lesivas. Como o aeroporto da OTA, que não avançou porque “um grupo de cidadãos encomendou um estudo para demonstrar que aquela obra seria um erro”.

A pergunta de um “jovem eleitor” sobre a abstenção – “Até que ponto a República é legítima se mais de metade dos eleitores não vota?” – deu oportunidade a Jorge Miranda para apontar o dedo aos “interesses” que têm impedido o sistema de recenseamento eleitoral de ser modernizar. “Não pode haver 9,5 milhões de eleitores num país de 10 milhões, os níveis de abstenção não são verdadeiros”, afirmou, recordando que ele próprio e Marcelo Rebelo de Sousa apresentaram há anos um projecto de Código Eleitoral que previa a informatização total do sistema e nunca foi aprovado.

O antigo constituinte não negou o fosso entre cidadãos e política e apontou causas: “Uma certa deseducação cívica da juventude, um anestesiar da população pelo futebol, o sentimento de insatisfação perante os erros de governação e a falta de ética na política…” E terapias: educação cívica nas escolas, programas televisivos e de rádio onde se expliquem os mecanismos de intervenção na vida política.

Antes do debate, Marcelo justificara a iniciativa com as mesmas preocupações que os seus convidados: “Não há uma democracia irreversivelmente adquirida, a democracia constrói-se todos os dias. Está nas vossas mãos”. E mais uma: homenagear o “Presidente Eanes”, “filho da terra” (nasceu em Alcains, viveu em Castelo Branco) e agradecer-lhe “tudo aquilo que fez pela democracia no passado e por aquilo que vai fazer no futuro".