McTemer

Infelizmente, os brasileiros têm muito mais a temer do que apenas Michel Temer.

Nos dias antes do afastamento de Dilma Rousseff, alguns brasileiros nas redes sociais começaram a divulgar a famosa frase de Roosevelt "não temos nada a temer senão o próprio medo" com a mudança de um pormenor: "não temos nada a temer senão o próprio Temer". A diferença que uma maiúscula faz.

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Nos dias antes do afastamento de Dilma Rousseff, alguns brasileiros nas redes sociais começaram a divulgar a famosa frase de Roosevelt "não temos nada a temer senão o próprio medo" com a mudança de um pormenor: "não temos nada a temer senão o próprio Temer". A diferença que uma maiúscula faz.

Infelizmente, os brasileiros têm muito mais a temer do que apenas Michel Temer. Têm o famoso governo constituído exclusivamente por homens, brancos e — mais importante ainda — políticos ultrapassados. Têm a primeira escolha para ministro da ciência que é um crente nas patranhas criacionistas. Têm o ministro da saúde que fala da fé como tratamento e teve uma das suas primeiras reuniões com uma proponente da "cura gay". Têm o ministro da justiça que já prometeu tratar participantes em protestos como criminosos. Não têm, porém, de se preocupar com o ministro da cultura. Temer extinguiu esse ministério.

Não há indícios de que qualquer ministro do governo Temer tenha ideia do que se passa no mundo. Mas também não há indícios de que estes ministros conheçam sequer o Brasil para além dos seus círculos de poder: o Brasil jovem qe se vai libertando da sua auto-suficiência cultural, o Brasil negro que começou a chegar às universidades, até o Brasil urbano que protestou contra os governos (o federal e os estaduais) em 2013.

Os ministros do governos Temer estão sintonizados, isso sim, com a parte da opinião pública brasileira que detesta o PT e defenda que Lula e Dilma tentaram tornar o Brasil numa Venezuela. Esse setor substancial acredita nisso se não sincera pelo menos intensamente. Fora dele, ninguém leva a ideia a sério.

Não estando Dilma agora no poder, pouco há que una quem a afastou. Temer alega ter composto um governo de salvação nacional para iniciar reformas profundas (contradizendo pelo caminho a sua posição constitucional como presidente interino que deveria limitar-se a assegurar a continuidade do executivo durante o afastamento temporário da presidente). As reformas de cada ministro compõem uma manta de retalhos e, quando juntas, não são aquilo que os brasileiros, mesmo os pró-impeachment, pediam. Não há sinal de luta contra a corrupção partidária nem de reforma do sistema político. Pelo contrário, a resposta à pergunta porque não tinha o novo governo mulheres foi reveladora: "os partidos não indicaram". No Brasil, o poder executivo foi tomado pelo Congresso — e o Congresso brasileiro é aquilo que a gente viu.

Temer é um poeta medíocre com obra publicada, mas talvez tenha ouvido falar do Macbeth de Shakespeare. Saberá então que quando o poder é tomado com um pecado original, o mesmo poder só pode ser mantido com mais uma série interminável de pecados ou mesmo crimes. Quem mata o rei tem de matar o duque, o conde e o escudeiro. A mesma maldição pode levar o novo poder a querer completar o afastamento de Dilma com a criminalização de Lula e a ilegalização do PT, enquanto continuam a fechar os olhos ou mesmo a promover os seus corruptos.

Isso não disfarçará, contudo, a verdadeira falta de outros objetivos no governo Temer. Resta saber quanto tempo demorará a democracia brasileira para recuperar do seu desnorte.