A solução europeia para os refugiados pode ruir antes de entrar nos carris

O número de deportações para a Turquia está muito aquém do esperado. Para evitar uma nova crise de refugiados no Verão, a Europa terá de negociar com uma Turquia em deriva nacionalista.

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Refugiados preparam uma refeição no campo improvisado em Idomeni. Marko Djurica/Reuters

A estratégia da União Europeia para travar o fluxo de refugiados no Mediterrâneo está paralisada. Na frente política, Bruxelas procura uma nova linha de comunicação com o Governo turco, desde que o primeiro-ministro foi afastado pelo Presidente, Recep Tayyip Erdogan, que se fechou numa intensa retórica nacionalista e ameaça acabar com o entendimento caso a Europa não ceda às suas exigências. No terreno, a situação degrada-se. As deportações de migrantes e refugiados para a Turquia não avançam, os centros de acolhimento na Grécia estão sem lugares e condições, e o número de chegadas está de novo a aumentar.

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A estratégia da União Europeia para travar o fluxo de refugiados no Mediterrâneo está paralisada. Na frente política, Bruxelas procura uma nova linha de comunicação com o Governo turco, desde que o primeiro-ministro foi afastado pelo Presidente, Recep Tayyip Erdogan, que se fechou numa intensa retórica nacionalista e ameaça acabar com o entendimento caso a Europa não ceda às suas exigências. No terreno, a situação degrada-se. As deportações de migrantes e refugiados para a Turquia não avançam, os centros de acolhimento na Grécia estão sem lugares e condições, e o número de chegadas está de novo a aumentar.

Na última semana voltaram a registar-se, em média, mais de cem novas chegadas diárias por barco à Grécia, algo quase inédito desde meados de Abril. O encerramento da fronteira com a Macedónia e as notícias de que a Europa começaria a devolver à Turquia todas as pessoas que fizessem a travessia depois do dia 20 de Março reduziram substancialmente as viagens — chegaram apenas 3360 pessoas à Grécia em Abril, menos 90% do que no mês anterior. Mas a melhoria das condições meteorológicas e o insucesso do acordo de devolução de refugiados arriscam-se a inverter a situação.

Os números do acordo com a Turquia estão muito aquém do esperado. Bruxelas esperava por esta altura ter já devolvido a grande maioria dos cerca de 8500 migrantes e requerentes de asilo chegados à Grécia depois da data-limite. Mas, até agora, só 386 pessoas foram reenviadas. E nenhuma delas pediu asilo.

Isto deve-se em parte ao facto de os tribunais gregos estarem a resistir à ideia de que a Turquia é um país seguro para onde reenviar requerentes de asilo que de outra forma gozariam de protecção na Europa. Este é um ponto central na estratégia europeia: Bruxelas argumenta que o sistema de asilo turco dá garantias suficientes de protecção pelo menos a sírios fugidos da guerra, os únicos cidadãos não-europeus que Ancara se compromete a não deportar para os seus países de origem.

Mas muitas vozes críticas contestam esta ideia e todas as semanas surgem novos indícios de maltratos a requerentes de asilo na Turquia — há uma semana, por exemplo, a Human Rights Watch revelou imagens de sírios abatidos por militares quando tentavam atravessar a fronteira. O argumento europeu é tão frágil que, como revela esta segunda-feira o Financial Times, os serviços gregos autorizaram quase um terço dos 600 pedidos de asilo de gregos chegados ao país depois de Março, alegando que não estariam seguros na Turquia — muitos mais do que os responsáveis europeus antecipavam.

Os restantes recorreram da decisão. De acordo com o El País, há centenas de casos encravados nos tribunais gregos, onde muitos juízes esperam que a Comissão Europeia dê mais garantias sobre a legalidade de deportar sírios para a Turquia. O Governo grego desvaloriza os obstáculos legais, argumentando que esta é a única via para o acordo ser aplicado sem violações dos direitos humanos. “Compreendemos as preocupações [de Bruxelas], mas se olharmos desde uma perspectiva do Estado de Direito, o acordo está a correr exactamente como deve”, afirmou a responsável pelo sistema de asilo grego, Maria Stavropoulou, ao Financial Times.

Prioridades turcas

Os responsáveis europeus receiam que uma grande vaga de refugiados no Verão sobrecarregue as autoridades gregas e provoque uma nova crise no espaço Schengen. Há já cerca de dez mil requerentes de asilo acampados na fronteira com a Macedónia, em Idomeni, onde os episódios de violência com as autoridades macedónias se tornaram ocorrência comum. Muitos vivem em condições dramáticas, semelhantes às que se sentem em muitos campos de detenção do Estado grego, sobrelotados, violentos e sem garantias de higiene — no campo de Samos, por exemplo, estão detidas quatro vezes mais pessoas do que a lotação máxima.

Bruxelas quer agilizar o acordo de devolução de refugiados antes do Verão, mas depara-se agora com um Governo turco mais severo do que aquele com que negociou em Março. A Turquia exige viagens sem vistos para os seus cidadãos na Europa para cumprir o acordo, mas recusa-se agora a reformar a sua lei antiterrorismo — uma das condições exigidas pela UE. Quem está agora nos comandos das negociações é o Presidente turco, que nos últimos anos tem reforçado a imagem de um político severo em assuntos de segurança, e não o ex-primeiro-ministro, próximo de vários líderes europeus.

O impasse na lei antiterrorismo turca pode condenar o acordo dos refugiados. A prioridade do Presidente Erdogan para este Verão é avançar no caminho de um novo regime presidencialista que lhe dê mais poder e não chegar a acordo com Bruxelas — adiou para Outubro uma decisão sobre os vistos para a Europa. Os responsáveis europeus também subiram de tom: na última semana, o Parlamento Europeu queixou-se da “chantagem de Erdogan”. “Não estou muito optimista”, resumiu no final da semana o ministro turco Volgan Bozkir, depois de vários encontros com líderes europeus.