A maternidade não é sempre um sonho cor-de-rosa
Há muitos aforismos sobre a maternidade, mas nada substitui as experiências reais. O P3 entrevistou quatro jovens que não têm medo de descrever o lado menos cor-de-rosa de ser mãe
O nascimento de um bebé tende a estar envolto de uma campânula de alegria. Ouvir-se que “é a melhor coisa do mundo” é comum, mas pensar-se, mesmo que por breves segundos, “no que eu me fui meter” também é válido.
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O nascimento de um bebé tende a estar envolto de uma campânula de alegria. Ouvir-se que “é a melhor coisa do mundo” é comum, mas pensar-se, mesmo que por breves segundos, “no que eu me fui meter” também é válido.
As dores do parto e pós-parto, o aleitamento, a privação de sono, as metamorfoses na relação marital, a ansiedade ou a depressão são problemas intrínsecos à maternidade e Elizabete, Sofia, Susana e Filipa conhecem-nos bem.
Com o corte do cordão umbilical perde-se a ligação física e estabelece-se uma nova, emocional e afectiva, entre mãe e bebé, que tende a intensificar-se com o aleitamento materno. Elizabete Santos, 32 anos, sabia disso e quis muito amamentar Bernardo naquele que se revelou um esforço inglório. Foi o primeiro obstáculo. “Não conseguia, sofri bastante (...) O peito ficou com caroços e as dores eram muitas”.
A questão da amamentação é, de resto, um assunto sensível para várias mães, como era para Filipa Nogueira: “O que mais me incomodava eram os comentários de familiares sobre o leite ser ou não suficiente. Só me apetecia insultá-los e esguichar-lhes leite na cara”, diz a médica de 28 anos.
“Achava que sabia tudo”
Para Sofia Seabra, enfermeira, 29 anos, a gravidez foi uma das melhores fases da sua vida e aproveitou-a para se preparar para o nascimento do filho: “Eu acho que ninguém podia estar melhor preparada que eu. Li livros, fui a 'workshops', fiz o curso de preparação, falei com amigas. Achava que sabia tudo.” Depressa percebeu que não.
Os primeiros 15 dias foram “óptimos”. Sossego quase absoluto, poucas exigências, rotinas estáveis, nenhum episódio de desespero. As cólicas foram o primeiro grande desafio, mas passaram assim que Gonçalo completou três meses. Só que à medida que o tempo passava, os pais aperceberam-se que as noites sem dormir continuavam, até que a privação de sono se tornou incomportável: “Quando acordava de duas em duas horas, cheguei a pensar ‘Que grande merda se transformou a minha vida!’”.
O “blues pós-parto”
Susana Verdade, 29 anos, foi mãe há dois meses. Pouco depois do filho Bernardo nascer, chorava “todos os dias, uma tristeza sem razão num momento que seria de felicidade”. Como se explica? Segundo a psicóloga Sara Berény, este é um diagnóstico típico de Tristeza Materna (TM) ou “blues pós-parto”.
Trata-se de um sentimento de depressão que ocorre nos dias seguintes ao parto e afecta 50 a 80% das recém-mães. Além de ser normal, “é também fundamental para o alívio da ansiedade após o parto”.
Tal como as outras mães, Susana admite que a maternidade é “demasiado absorvente”, não lhe restando tempo para tarefas que lhe davam gozo. Nos dias em que “tudo acontece", sente-se "impotente e deprimida": "Há uma vontade de dormir 24 horas seguidas, não trocar fraldas e dar as mamas ao pai!”.
Porém, o panorama de TM pode evoluir, agudizando-se: quando o sentimento de angústia e tristeza profunda permanece, falamos de uma Depressão Pós-Parto (DPP), que pode manifestar-se ao longo do primeiro ano de vida do bebé. A doença atinge cerca de 15% das mulheres no puerpério, mas nem sempre é claro para a mãe distinguir entre uma fase de melancolia e uma depressão real.
A sintomatologia de uma depressão
Num diagnóstico de DPP, explica a psicóloga ao P3, “a paciente apresenta uma notória incapacidade de realizar as tarefas habituais” e um quadro bastante mais gravoso do que na TM. A ansiedade é muito acentuada.
Quando Filipa terminou a licença de maternidade aos cinco meses do filho Tomás, a vida desabou, conduzindo-a mesmo a um episódio de desespero extremo. “Havia uma sensação de stress/pressão insustentável, aliada a uma incapacidade de conciliar a vida profissional com o tempo que queria dedicar ao meu filho”. Procurar ajuda foi vital. “Fiz medicação anti-depressiva durante três meses, alguma psicoterapia orientadora e tive que reformular a minha cabeça”.
Isto acontece porque “os desejos estão colados a expectativas, e essas expectativas são muito pouco flexíveis”, esclarece a psicóloga. Contudo, ao contrário de outras depressões, a DPP não é crónica — tem um princípio e um fim.
A maternidade (e a consequente reinvenção do papel de mãe) é um desafio constante, mas admitir a falha, o erro, o engano é a primeira resposta. Elizabete, Sofia, Susana e Filipa são apenas quatro vozes. Mas também são o grito, quando e se for preciso.